Volver ****
Realização: Pedro Almodóvar. Elenco: Penélope Cruz, Carmen Maura, Lola Dueñas, Blanca Portillo, Yohana Cobo, Chus Lampreave, Antonio de la Torre. Nacionalidade: Espanha, 2006.
“Volver”, o último filme de Pedro Almodóvar, começa com um batalhão de mulheres num cemitério limpando campas fustigadas pelo vento. É também o vento que faz mover os moínhos da paisagem rural de La Mancha. Em “La Mala Educación” (2004), Almodóvar resgatava alguns episódios da sua juventude, em “Volver” ele recupera momentos, lugares e emoções prévias à sua chegada a Madrid. Almodóvar fala da cultura da morte no meio rural, do estranho mas pacífico convívio com mortos que acabam por nunca desaparecer da vida dos seus entes-queridos.
Raimunda (Penélope Cruz) tem vários empregos para sustentar uma casa, um marido desempregado e uma filha adolescente, Paula (Yohana Cobo, “El Séptimo Día”). A irmã de Raimunda, Sole (Lola Dueñas, “Mar Adentro”), separada e parecendo estar condenada à sina do seu nome - Soledad - ganha a vida como cabeleireira ilegal. A mãe de ambas, Irene (Carmen Maura), moreu num incêndio juntamente com o seu marido.
Depois de três filmes marcados pelo drama, Almodóvar regressa ao humor, que nele nunca é estado puro, num filme que declara o seu amor às mulheres. Mais do que em qualquer outro, a presença das mulheres neste filme é esmagadora. “Volver” é sobre a sua força, sobre a vida que lhes resta quando os homens as abandonam e as desprezam, sobre o seu sofrimento, o seu carinho e compreensão, o seu entendimento secreto e a sua solidariedade. Fortes e vulneráveis, carnais e sentimentais, elas são mães, filhas, irmãs, vizinhas e amigas. A todas elas, Almodóvar dá a dose adequada de humanidade, com os desabafos e os pequenos absurdos da vida real. E aqueles beijos sonoros, zeus, que delícia!
As actrizes, sem excepção, estão irrepreensíveis. Penélope Cruz tem aqui o seu melhor papel, numa imagem a la Sophia Loren, mas que nos deixa a questionar onde terá ela dinheiro para aquele guarda-roupa (já para não falar de onde estava escondido aquele decote indecoroso?, nunca uma panorâmica de um decote desviou tanto a atenção de uma arma). Aliás a estética da donna italiana é reforçada quando a personagem de Carmen Maura vê na televisão o filme ”Bellissima” (1951), de Visconti. Uma Carmen Maura que, voltando a trabalhar com Almodóvar após “Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios” (1988), está perfeita como esposa despeitada e mãe dedicada, com extrema fluidez na passagem da comédia ao drama.
As cores e a fotografia de Jose Luis Alcaine enchem os olhos, infelizmente o som não enche ouvidos, parecendo ter sido todo gravado a posteriori e mal sincronizado.
Mas Almodóvar sabe o que é contar uma história. Com “Volver” ele pisca nitidamente o olho a Hitchcock. E apesar de ameaçar várias vezes o cliché não se deixa cair nele, construindo uma espécie de thriller sobrenatural que testa a nossa capacidade de nos deixarmos levar pelas emoções. E que bom é deixarmo-nos ir!
VOLVER
na voz de Estrella Morente
(1935, Música: Carlos Gardel, Letra: Alfredo Le Pera)
Yo adivino el parpadeo
de las luces que a lo lejos,
van marcando mi retorno.
Son las mismas que alumbraron,
con sus pálidos reflejos,
hondas horas de dolor.
Y aunque no quise el regreso,
siempre se vuelve al primer amor.
La quieta calle donde el eco dijo:
"Tuya es su vida, tuyo es su querer",
bajo el burlón mirar de las estrellas
que con indiferencia hoy me ven volver.
Volver,
con la frente marchita,
las nieves del tiempo
platearon mi sien.
Sentir, que es un soplo la vida,
que veinte años no es nada,
que febril la mirada
errante en las sombras
te busca y te nombra.
Vivir,
con el alma aferrada
a un dulce recuerdo,
que lloro otra vez.
Tengo miedo del encuentro
con el pasado que vuelve
a enfrentarse con mi vida.
Tengo miedo de las noches
que, pobladas de recuerdos,
encadenan mi soñar.
Pero el viajero que huye,
tarde o temprano detiene su andar.
Y aunque el olvido que todo destruye,
haya matado mi vieja ilusión,
guarda escondida una esperanza humilde,
que es toda la fortuna de mi corazón.