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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Frozen Land ****1/2

12.06.06, Rita

T.O.: Paha Maa. Realização: Aku Louhimies. Elenco: Jasper Pääkkönen, Mikko Leppilampi, Pamela Tola, Petteri Summanen, Matleena Kuusniemi, Mikko Kouki, Sulevi Peltola, Pertti Sveholm, Samuli Edelmann. Nacionalidade: Finlândia, 2005.





O domínio da arte de contar histórias do jovem realizador Aku Louhimies coloca uma sombra de ameaça ao domínio de Aki Kaurismäki no cinema finlandês.


“Frozen Land” (“Paha Maa”)baseia-se no conto de Tolstoi “Faux Billet”. Esta referência é feita logo no início do filme, na aula de literatura de Pertti (Pertti Sveholm), um professor que, depois de ser despedido, cai no alcoolismo e, num impulso, expulsa de casa o seu filho Niko (Jasper Pääkkönen). Sob o efeito de drogas e álcool, Niko usa o computador do seu amigo Tuomas (Mikko Leppilampi) para imprimir uma nota de 500 euros. Com ela compra um rádio numa loja de artigos em segunda mão. Aí a nota passa para as mãos de Isto (Mikko Kouki), que é preso quando a tenta usar num restaurante. Isto vinga-se roubando um carro a um negociante de automóveis (Samuli Edelmann), que, por sua vez, confisca, por falta de pagamento, o carro de Teuvo (Sulevi Peltola, magnífico), um alcoólico em recuperação que vende aspiradores porta-a-porta. O destino destas personagens, interligado através de estranhas e trágicas coincidências, irá ainda ligar-se ao de Hannele (Matleena Kuusniemi), uma mulher polícia em plena crise depressiva e do seu marido Antti (Petteri Summanen), professor.


“Frozen Land” aborda a teoria do caos, à semelhança de filmes como “Butterfly Effect”</a>, em que um simples acontecimento desencadeia uma série de desastres e fatalidades. Numa estrutura de episódios que se misturam, lembrando “21 Grams”</a> de Alejandro González Iñarritu, “Frozen Land” não é exactamente circular, porque não há regresso possível, não há meio de emendar o passado, por muita capacidade de perdão que se possa ter. E porque “Frozen Land” não é um filme sobre o perdão, mas sobre a vingança. A vingança sobre os outros pelo mal que nos sucede. Porque recusamos o arbitrário e porque apenas vemos um lado da história, o ser humano precisa de se libertar do seu mau-estar passando aos outros, e com ele a sua raiva, as suas frustrações, os seus desamores, os seus erros.


O grande risco deste tipo de estrutura não linear é perderem-se espectadores pelo caminho, mas a preocupação de Louhimies com a clareza e a consistência de “Frozen Land” é não só evidente como compensadora. Louhimies trata estas personagens de uma forma tão humana, que não conseguimos evitar sentir pena de todas elas, independentemente dos actos terríveis que cometem. Porque todos nós, em algum momento, nos sentimos totalmente miseráveis, como elas.


Com realismo, “Frozen Land” fala de problemas como o desemprego, o alcoolismo, a toxicodependência, a depressão, a violência. Tudo ambientando numa Helsínquia fria.


Um filme negro e triste, para o qual contribui a escuridão do tempo de Inverno, das casas mal iluminadas, dos ambientes lúgubres. Apenas a cena inicial/final se reveste de luminosidade, como se depois de todas as desgraças que acabámos de assistir, aquela fosse a luz da esperança de que a vida tem lago de bom ainda reservado.


O argumento reforça ideias com falas repetidas por diferentes personagens, como o caso de “dinheiro é dinheiro” ou “o fim está próximo”. Alguns detalhes comuns – o movimento de dedos nervosos em torno de um elástico ou mãos que se apertam com angústia – acabam por unir todas as desgraças numa mesma tragédia universal. E esta surpreendente ordem, este equilíbrio insólito onde nenhuma acção é inócua, torna-se subitamente cruel.


Apesar de muito bem construído, e com interpretações exemplares, “Frozen Land” estica a sua duração até aos 130 minutos. Uma distribuição fora do circuito de festivais talvez necessite de um ligeiro ajuste.


No meio da miséria que a vida humana pode ser, resta sempre a esperança de um final feliz. Só isso pode explicar a capacidade, por vezes sobre-humana, de resistir ao sofrimento. Mas não estamos aqui por acaso, e aquilo que recebemos é aquilo que damos. Quando apenas usamos o mundo para tirar dele o que pretendemos, o mundo acabará por virar esse instinto predador contra nós. Isto se primeiro não nos auto-canibalizarmos.