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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

L’Ivresse du Pouvoir ****

26.05.06, Rita

Realização: Claude Chabrol. Elenco: Isabelle Huppert, François Berléand, Patrick Bruel, Marilyne Canto, Robin Renucci, Thomas Chabrol, Jean-François Balmer, Pierre Vernier, Jacques Boudet, Philippe Duclos, Roger Dumas. Nacionalidade: França, 2006.





Pela sétima vez, Isabelle Hupert é a musa de Claude Chabrol, e carrega este filme com a leveza que só é possível a uma grande actriz. Desta feita, no papel da juíza de instrução Jeanne Charmant-Killman. Teimosa e incansável, Jeanne está decidida a limpar o sistema biunívoco de favores entre negócios e política. Um pouco à laia de exemplo, Jeanne manda prender o arrogante presidente de uma grande empresa, Michel Humeau (Francois Berleand). Uma série de provas incriminatórias atribuem a Humeau o gasto de avultadas somas de dinheiro da empresa em prendas para a sua amante. Humeau é preso sem sequer receber os medicamentos para a sua alergia dermatológica. No final do primeiro interrogatório a que Jeanne o sujeita, começamos a ter pena de quem quer que tenha de enfrentar a dura juíza apelidada de “piranha”. Entretanto, Jacques Sibaud (Patrick Bruel), um jovem arrogante que forneceu a Jeanne uma série de pistas proveitosas passa convenientemente a ocupar o lugar de Humeau na empresa.


Jeanne não teme ninguém e desde um senador ao juiz presidente, ela reduz todos ao seu verdadeiro tamanho. No entanto, a sua capacidade de controlo termina no campo laboral. Em casa, Philippe (Robin Renucci) é um marido à beira da depressão que, com a crescente notoriedade do caso de Jeanne, se sente cada vez mais à sombra da mulher.


O sobrinho do casal, Félix (Thomas Chabrol, o filho do realizador numa excelente participação) é o mentor de Jeanne, com os conselhos e o humor necessários, e contrapondo a sua falta de ambição à obsessão de Jeanne com o trabalho.


A estratégia do “grupo de interesses” de juntar Jeanne com uma outra juíza (Maryline Canto) com a expectativa de que esta limite a acção de Jeanne não funciona. Numa outra leitura deste ‘poder’, as duas mulheres juntam-se contra “os homens”, enquanto eles tratam de se delatar uns aos outros (quem disse que as mulheres são sempre cabras umas para as outras?).


Mas da mesma forma que a ignorância da lei não pode ser usado como desculpa, o desconhecimento das regras tácitas e códigos silenciosos de entendimento a nível tão elevado não permite automaticamente que Jeanne continue o seu caminho, por mais justas que sejam as suas intenções.


A origem humilde de Jeanne parece dar-lhe legitimidade para esta luta do mérito contra os privilégios. Mas Jeanne é também ela detentora de um poder que a domina. Também ela está ébria com o poder que a lei francesa lhe atribui. E da mesma forma que aquele grupo de empresários e políticos que usam fundos públicos no seu interesse particular, também Jeanne, na sua mistura charmosa (Charman) e mortal (Killman), parece ignorar que o seu poder é uma ilusão.


Enchendo este filme de humor (os interrogatórios de Jeanne no seu pequeno gabinete são hilariantes), e de detalhes (mentiras denunciadas no tom de voz e nos olhares), Chabrol despe todos eles dos seus privilégios, revelando pessoas incapazes de controlar as suas própria vidas.


A música de Matthieu Chabrol (também filho do realizador) reforça o tom crítico do filme e cria o ambiente adequado aos momentos mais hitchcockianos, enquanto a fotografia do português Eduardo Serra (na sua quinta colaboração com Chabrol) rodeia de cores naturais o natural jogo de influências.


“L’Ivresse du Pouvoir” fala da embriaguez do poder, dos seus efeitos secundários, da ressaca, e dos seus sérios perigos para a saúde.