L’Enfant ***
Realização: Jean-Pierre e Luc Dardenne. Elenco: Jérémie Renier, Déborah François, Jérémie Segard, Fabrizio Rongione, Olivier Gourmet, Stéphane Bissot, Mireille Bailly. Nacionalidade: Bélgica / França, 2005.
Mantendo o pano de fundo dos reveses das classes baixas da Bélgica industrial, os irmãos Dardenne conseguem com “L’Enfant” um resultado mais acessível que os anteriores “Rosetta” e “Le Fils”. O que não quer dizer necessariamente melhor. Em 2005, em Cannes, “L’Enfant” recebeu a Palma de Ouro, “Rosetta” recebeu o mesmo prémio na edição de 1999, mas, para mim, “Le Fils” continua a ser o trabalho mais forte e mais coeso dos Dardenne.
Sonia (Deborah Francois), uma jovem de 18 anos, regressa a casa depois do nascimento do seu filho, Jimmy, para descobrir que o namorado Bruno (Jérémie Renier) sub-alugou o seu apartamento enquanto ela estava no hospital a dar à luz e ele dormia num abrigo. Num tom de hábito, Sonia perdoa Bruno, com a condescendência de quem espera pouco mais dele. Bruno é um pequeno criminoso, sem amigos (apenas cúmplices), que faz uso de jovens para levar a cabo os seus pequenos golpes. Mas a Bruno falta-lhe engenho e ambição, os seus pequenos meios chegam para os seus pequenos fins, e a sua despreocupação com o dinheiro “ganho” nunca o fará chegar mais longe.
A vida de Bruno é feita de objectos, um casaco, uma máquina fotográfica, um chapéu. Tudo pode ser trocado, vendido, comercializado. É com essa frieza que Bruno aproveita a oportunidade de vender o seu filho para adopção por 5.000 euros.
Bruno e Sonia vivem uma relação imatura. A constante postura de Bruno de pedido de desculpas, encontra em Sonia uma receptividade de quem quer muito ser amada e que, por isso, tudo aceita. Mas a cega confiança que Sonia deposita nele é destruída, num misto de incompreensão e raiva, com o desaparecimento de Jimmy.
Sonia é a única pessoa a quem Bruno parece conseguir ligar-se, é por ela que ele volta atrás. E é através do seu companheiro de assaltos de 14 anos, Steve (Jérémie Segard), que Bruno tenta remediar as consequências do seu comportamento e a sua indiferença para com Jimmy.
Os Dardenne não constroem convincentemente em Bruno uma personagem tão dura e fria que torne credível a venda do seu filho com base num impulso. Além disso, o permanente silêncio desse recém-nascido torna-o quase ausente na história, como um boneco. No cinema realista e humanista dos Dardenne, este tipo de pormenores é indesculpável. Por outro lado, Bruno não demonstra um fio de sentimento pelo filho (o mais próximo a isso que ele parece conseguir chegar é ao dar-se conta de que isso lhe falta). Ao contrário do filme “Tsotsi”, onde um bebé muda o rumo do protagonista, a redenção de Bruno é muito pouco merecida.
Mas, em contrapartida, a mão dos Dardenne não falha no que toca a mostrar o mais escuro da condição humana com um toque devastadoramente leve. O ambiente das ruas, do tráfego, das luzes florescentes, engolem estas personagens sujas e de roupas velhas tornando-as invisíveis. As opções de confronto fogem ao habitual histerismo, e a falta de maturidade para verbalizar os confrontos permite soluções mais emocionais, mas nem por isso menos brutais.
Bruno passeia um carrinho de bebé vazio, tal como passeia uma moto avariada, símbolos das suas falhas humanas. Do que lhe falta ainda crescer, porque é ele a verdadeira criança desta história. E todo o crescimento é feito com dor.