Shooting Dogs ****
Realização: Michael Caton-Jones. Elenco: John Hurt, Hugh Dancy, Dominique Horwitz, Louis Mahoney, Nicola Walker, Steve Toussaint, David Gyasi, Susan Nalwoga, Victor Power, Jack Pierce, Musa Kasonka Jr., Kizito Ssentamu Kayiira, Claire-Hope Ashitey. Nacionalidade: Reino Unido / Alemanha, 2005.
Os dois filmes de Michael Caton-Jones actualmente em cartaz, “Shooting Dogs” e “Basic Instinct 2”, não podiam ser mais distintos, e espero sinceramente que ninguém ponha em dúvida que bilhete comprar. E quem ache que tendo visto o filme “Hotel Rwanda”, já viu tudo o que há para ver sobre o massacre étnico que decorreu naquele país africano na Primavera de 1994, fique a saber que há espaço suficiente para mais do que um filme sobre este tema.
Ruanda, Abril de 1994. A Escola Técnica Oficial de Kigali é gerida, há 10 anos, pelo Padre Christopher (John Hurt). Joe Connor (Hugh Dancy) é um jovem professor, idealista e ingénuo que foi para África para «fazer a diferença». Infelizmente a história tem mostrado que a herança colonial deixada em África pelos ocidentais fez diferença, sim, mas não no melhor sentido e o Ruanda é mais um exemplo disso.
Quando o presidente ruandês Habyarimana é morto, tem início uma guerra étnica entre a maioria Hutu e a minoria Tutsi, que resultou na matança - sobretudo com catanas - de 800.000 Tutsis entre Abril e Junho de 1994. Rapidamente a escola, que também alberga forças de manutenção de paz da ONU, se torna um refúgio para os Tutsis.
Baseado numa história verídica (o co-argumentista, David Belton, é jornalista da BBC e estava no Ruanda quando começou o massacre), mas com personagens ficcionais, “Shooting Dogs” equilibra bem os eventos reais - foi filmado nos verdadeiros locais e com muitos sobreviventes desta tragédia como figurantes e técnicos - e o drama de um padre católico cuja fé é posta à prova pela hipocrisia dos políticos Hutu e por toda aquela carnificina; de um dedicado professor que procura em si a coragem de ficar e lutar ao lado dos seus alunos; e de um oficial da ONU, o Capitão Charles Delon (Dominique Horwitz), impedido de interferir no conflito, ironicamente limitado a matar os cães que comem os cadáveres que cercam a escola para prevenir um risco de saúde pública.
Apesar do filme ser apresentado do ponto de vista de estrangeiros, a sua convicção, compaixão e força não surgem diminuídos. E da inevitável comparação com “Hotel Rwanda” atrevo-me a dizer que “Shooting Dogs” sai a ganhar. Condenado a ficar na sombra do primeiro, dado o timing de lançamento e a projecção dos Oscar, este filme é mais poderoso do ponto de vista do relato histórico. É também mais duro e Caton-Jones revela mais coragem que Terry George ao abordar o tema da raça como motivo da indiferença internacional, quando Rachel (Nicola Walker), a jornalista da BBC, fala de como se comoveu com o massacre do Kosovo, pela identificação com aquelas pessoas, enquanto que ali permanecia indiferente, mesmo contra a sua vontade, porque «são apenas africanos mortos». É a existência de europeus na escola que lhe dá o motivo para fazer uma reportagem.
O mais marcante deste filme é o vazio deixado pelo resto do mundo, a grande apatia internacional. As imagens de arquivo da porta voz do Departamento de Estado dos EUA debatendo a diferença semântica entre ‘actos de genocídio’ e ‘genocídio’, sendo que o último obrigaria a comunidade internacional a intervir continua a fazer-me sentir o estômago às voltas.
“Shooting Dogs” recorre à solução fácil, mas eficaz, de confrontar o milagre da vida com a tragédia da chacina que rodeia esse nascimento. E é um filme pejado de referências religiosas e de dúvidas morais. Mas, abstraindo-nos dos conceitos mais fechados de ‘Deus’, é de amor que se trata, essa força comum que une todos os seres. De uma forma honesta e pungente, “Shooting Dogs” faz um retrato tocante sobre a humanidade e sobre a assustadora capacidade do homem de infligir, por puro medo, a maior das crueldades sobre o seu irmão.
Talvez o grito de África acorde em nós algum sentimento de culpa, que surge camuflado no altruísmo de dar algo em troca. Mas este é um filme que todos os ruandeses quereriam que o mundo visse. Devemos-lhes, pelo menos, isso. Ainda que nos custe algumas lágrimas.
Para saber mais:
http://www.shootingdogsfilm.blogspot.com
http://rwandansurvivors.blogspot.com
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CITAÇÕES:
“We are not here to inforce peace, but to monitor it.”
DOMINIQUE HORWITZ (Capitaine Charles Delon)
“Over here they’re just dead Africans... What an awful thing to say!”
NICOLA WALKER (Rachel)
“Does He love everyone?”
CLAIRE-HOPE ASHITEY (Marie)
“Joe - How much pain can a human being endure? If you feel enough pain, does everything shut down before you die?
Christopher - God only knows.
Joe - Maybe you should ask Him... If He’s still around...”
HUGH DANCY (Joe Connor) e JOHN HURT (Christopher)
“Joe - Where is God in the middle of all this, in the middle of all this suffering? “Find fulfillment in everything.” “30 years in this bloody continent. The only thing that never changed was hope. We always had hope. Now... I think we’re running dry.” “Even now, when I look into your eyes the only feeling I have inside is... love.” “We were fortunate. This time we have been given, we must use it well.”
Christopher - He’s right here among this people. Suffering.”
HUGH DANCY (Joe Connor) e JOHN HURT (Christopher)
JOHN HURT (Christopher)
JOHN HURT (Christopher)
JOHN HURT (Christopher)
CLAIRE-HOPE ASHITEY (Marie)