Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Carne Fresca, Procura-se ****

21.09.04, Rita

T.O. : De Grønne Slagtere. Realização: Anders Thomas Jensen. Elenco: Nikolaj Lie Kaas, Mads Mikkelsen, Line Kruse. Nacionalidade: Dinamarca, 2003.





Quem se siga pelo título português (“The Green Butchers” em inglês) e procure a segunda longa-metragem do argumentista Anders Thomas Jensen uma comédia ligeira poderá facilmente desiludir-se. O prémio de Melhor Filme na Semana dos Realizadores da edição do Fantasporto deste ano é tudo menos leve.


Aqui conta-se a história de dois homens: Svend (Mikkelsen), cuja ambição é movida por um profundo complexo de inferioridade (relacionado com um estranho problema de sudação); e Bjarne (Kaas), que perdeu a mulher e os pais num acidente de viação e a quem tudo lhe é indiferente, até conhecer Astrid (Kruse), que trabalha no cemitério da cidade. Para escaparem a um patrão opressor decidem abrir o seu próprio talho. Para isso, Bjarne vê-se obrigado a mandar desligar a máquina de ventilação que mantém o seu irmão gémeo vivo, de forma receber o dinheiro que os pais lhes deixaram. Mas é só depois de um bizarro acidente, e uma ainda mais bizarra atitude de pânico, que a loja começa a ter sucesso.


Quem viu o recente “Wilbur Decide Matar-se”, também escrito por Jensen, terá reparado no seu gosto de fazer humor a partir da miséria humana, mas nunca de uma forma condescendente ou trivial. Jensen preocupa-se sobretudo com a forma como as pessoas se ligam ao seu próprio passado. Svend usa os horrores da sua infância para justificar os do presente, procurando obsessivamente a sua identidade no trabalho e duvidando da sua capacidade até ao último momento. Por sua vez, Bjarne é obrigado a confrontar o seu passado e assumir para si mesmo que a sua indiferença é apenas uma capa.


Estabelece-se uma curiosa correlação entre a câmara frigorífica e a máquina do sanatório. Instrumentos de conservação e de morte. A legitimidade e a motivação das atitudes de Svend são equacionadas com a decisão de Bjarne de desligar a máquina. Um certo laivo de justiça pessoal paira no ar.


Este filme é enganadoramente simples e sadicamente divertido. O duplo sentido de cada frase vai-se desvelando ao longo da história. Na deliciosa fotografia, a paleta de cores é dominada pelo verde, símbolo da ganância, da decrescente humanidade e do passado como tormento. Jensen trabalha equilibradamente a comédia e o macabro, sem nunca ultrapassar a linha que poderia levar-nos à repulsa. Dessa forma, estes personagens, decididamente cruéis, acabam por se tornar estranhamente agradáveis. Talvez porque apenas procurem o amor.




CITAÇÕES:


“É a altura dos churrascos, não é boa altura para terminarmos.”
MADS MIKKELSEN (Svend para Tina)