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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Life is a Miracle *****

23.09.04, Rita

T.O.: Zivot je cudo. Realização: Emir Kusturica. Elenco: Slavko Štimac, Nataša Šolak, Vesna Trivalić, Vuk Kostic, Aleksandar Berček, Stribor Kusturica, Nikola Kojo. Nacionalidade: Sérvia e Montenegro / França, 2004.





Bósnia. 1992. Luka (Štimac), um engenheiro sérvio de Belgrado, arrasta a sua mulher Jadranka (Trivalić), uma ex-cantora de ópera e o seu filho Milos (Kostic), aspirante a jogador de futebol, para uma pequena aldeia onde pretende construir uma linha férrea que potencie o turismo.


Num ambiente bucólico reúnem-se personagens surreais e estranhos animais (grandes interpretações do gato e do burro). Ninguém acredita que a guerra chegará até ali, mas nem mesmo o capitão Aleksic (Stribor Kusturica, filho do realizador) consegue fugir à evidência. Milos é recrutado e feito refém. Jadranka foge com um músico húngaro. O exército entrega a Luka uma mulher muçulmana, Sabaha (Šolak), uma refém que deverá ser trocada por Milos. Mas Luka e Sabaha contrariam o mundo, apaixonando-se.


Kusturica faz com que a vida e a música continuem apesar da guerra e uma história de amor emerge do caos. Os conflitos a grande escala nem sempre são válidos a nível individual. E ficamos optimistas de que será esse o sentimento que poderá salvar a humanidade das profundezas das suas tendências auto-destrutivas.


O cómico convive de perto com o trágico, como no jogo de futebol, onde a violência é despoletada por uma motivação fútil que, vista de longe, é simplesmente absurda. Tal como a guerra. Em tudo reside a dualidade. O próprio comboio, elo de comunicação, acaba por ser fonte de ameaças, na guerra e no tráfico.


Numa linha que nos reporta a Gato Preto, Gato Branco, Kusturica mantém as duas horas e meia de filme em constante movimento, enchendo cada cena de informação muito além de texto ou história. São paisagens deslumbrantes de cor e de luz, música fascinante e uma mística especial que os envolve. Ao espectador é pedido que assimile tudo, mas a digestão, sob pena de congestão, tem de ser feita aos poucos.


No Smoking Orchestra, a banda tecno-rock cigana da qual Kusturica é guitarrista tende algumas vezes a sufocar o drama. Quando estamos a entrar na curva da tristeza somos interrompidos por instrumentos a uma velocidade tal que nos é quase impossível ficar sentados a lamuriar qualquer desgraça. Kusturica peca por não nos deixar ir ao fundo dos sentimentos, dos bons e dos maus. A constante oscilação entre alegria frenética e dor aguda é um duro exercício de iô-iô emocional.


Este filme é exuberante, nas imagens, no som, nas personagens. Talvez um pouco ingénuo na sua abordagem, mas tecnicamente irrepreensível, com um trabalho detalhado e exímio de fotografia (Michel Amathieu), de guarda-roupa (Zora Popovic) e de cenários (Milenko Jeremic).


Tendo em conta a ínfima probabilidade genética e temporal de cada um de nós estar neste momento aqui mesmo, e todas as contingências que o Homem cria para dificultar a sua própria existência, a vida é, de facto, um milagre.