Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Una Semana Solos ***

29.04.09, Rita

Realização: Celina Murga. Elenco: Magdalena Capobianco, Eleonora Capobianco, Natalia Gómez Alarcón, Ignacio Gimenez, Lucas del Bo, Gastón Luparo, Ramiro Saludas, Federico Peña, Manuel Aparício, Mateo Braun. Nacionalidade: Argentina, 2007.





À semelhança da conterrânea Lucrecia Martel em “La Mujer Sin Cabeza”, em “Una Semana Solos” Celina Murga (“Ana Y Los Otros”) dá também a sua visão do aborrecimento da burguesia argentina. Aqui com um sonoro “Martin Scorsese presents” antes dos créditos iniciais.


Sem preparação, caímos no meio dos hábitos diários de um grupo de jovens, cujas relações familiares só a pouco a pouco se tornam claras. Sob a supervisão tolerante, e quase despercebida, da empregada Esther (Natalia Gomez Alarcon), estes adolescentes e pré-adolescentes, jogam computador, distraem-se na piscina, e quando já nada os entusiasma, aproveitam para entrar nas casas dos vizinhos que, como eles, se encontram desocupadas.


O argumento de Murga e Juan Villegas não se centra em nenhum dos jovens em particular, ainda que haja um ligeiro foco em María (Magdalena Capobianco), a mais velha do grupo e o elo de ligação (telefónico) com os adultos que deveriam estar a tomar conta deles. A ausência dos pais nunca é justificada com nenhum motivo concreto, ainda que se subentenda uma actividade de lazer e se perceba o eterno adiar do regresso (à responsabilidade?).


O condomínio privado onde eles vivem é uma comunidade fechada, com estritas regras de funcionamento e, cedo nos começamos a aperceber, que o que os protege não são mais do que doces cadeias de uma prisão de luxo.


O aparecimento de Juan (Ignacio Gimenez), o irmão de Esther, como ela oriundo de uma pobre povoação de Entre Rios, vem destabilizar a homogeneidade do grupo que, em nenhum momento, se sente confortável na sua presença. Mesmo quando Esther sugere que o irmão acompanhe alguns dos outros rapazes à piscina pública e se pressente uma aproximação entre eles, essa ilusão é abandonada quando o irmão de María, Facundo (Lucas del Bo), traz uma coca-cola para os outros dois, mas não para Juan.


Aqui está um grupo de jovens que respeita uma série de regras absurdas sem sequer as questionar (como a impossibilidade de levar ténis calçados para o recinto da piscina pública), mas que não vêem qualquer problema em decidir simplesmente não ir à escola, ou invadir a privacidade dos seus pares. Mas nada disto é feito com estrondo. Murga contém as emoções e as tensões, tudo é subtil: a primeira aparência de rufia de Juan, a humilhação de que ele é objecto para entrar no condomínio, os preconceiros, as relações emocionais (o interesse, o ciúme), a exposição da mesquinhez e a vergonha na atribuição de culpas.


O isolamento físico destes jovens representa um isolamento social muito maior. Ignorantes e despreocupados, eles não têm consciência desse outro mundo. Quando, no regresso da escola, María observa pela janela do autocarro um bairro de lata (um outro estilo de “condomínio privado” onde a dificuldade reside em sair e não em entrar), a sua expressão é vazia de entendimento. Olhar não é, de todo, o mesmo que ver.


O conjunto de interpretações surpreendentemente naturais confere a dose de indiferença das gerações a quem nada nunca faltou. Habituados que estão a que o mundo se limpe sozinho depois dos seus estragos, ceder a todos os caprichos sem pensar nas consequências ou nos sentimentos dos outros é o seu modus operandi. O seu desprezo pelos bens materiais vai tendo efeitos destrutivos cada vez maiores. Como se, de cada vez, a catarse só fosse possível indo um pouco mais além.


Confesso que a minha satisfação pessoal exigia uma solução mais dramática. Ou talvez fosse o meu cinismo que esperava o óbvio. Mas suponho que ultrapassar o comportamento aceitável tem diferentes consequências dependendo da qualidade dos infractores. O mundo continua a não ser justo: ensinar não implica, necessariamente, aprender.