La Moustache ****
Realização: Emmanuel Carrère. Elenco: Vincent Lindon, Emmanuelle Devos, Mathieu Amalric, Hippolyte Girardot, Cylia Malki, Macha Polikarpova, Fantine Camus. Nacionalidade: França, 2005.
Seguindo uma sugestão da mulher, Agnès (Emmanuelle Devos), Marc (Vincent Lindon) tira o bigode que usa há mais de dez anos. Mas, inacreditavelmente, ninguém repara, nem a mulher, nem os amigos. Marc aceita a brincadeira durante os primeiros momentos, mas depois começa a achar este um fingimento de mau gosto. A sua preocupação toma contornos mais graves quando várias pessoas em quem ele confia, entre as quais Agnès, lhe asseguram que ele nunca usou bigode.
Marc começa aqui uma espiral de verdadeira paranóia que irá abalar por completo a sua bem estruturada vida em termos amorosos, profissionais e mentais. Marc vai-se quebrando pouco a pouco, à medida que outros pormenores da sua vida se vão desfazendo quando confrontados com uma nova realidade. Marc começa a questionar-se sobre tudo, desconfia dos outros, depois da lucidez do seu próprio olhar, ao ponto de já não acreditar em nada do que vê, e confessando que só através dos olhos de Agnès é que consegue ter certezas.
Em redor deste incidente levantam-se questões sobre a indiferença que pode surgir numa vida de rotina entre um casal, ou da falta de confiança. Em nenhum momento Agnès considera deixar Marc, mesmo não acreditando nele. Mas qual deles é que ela ama? Será Marc o mesmo homem com e sem bigode?
Num momento de desespero Marc foge para Hong Kong, onde, anónimo e independente dos olhares de outros, repete incansavelmente percursos e gestos, através dos quais tenta materializar uma realidade. Neste ponto, a linearidade temporal da narrativa é interrompida: esta viagem é um sonho? anterior à crise? existiu sequer?
A percepção do espectador identifica-se com a de Marc, numa impressionante e comovente interpretação de Vincent Lindon, partilhando também da sua vertigem, da sua dolorosa solidão, da angústia de, de repente, toda uma realidade ser posta em causa. Emmanuelle Devos, que partilha com Lindon uma forte cumplicidade, é perturbante, vacilando numa preocupação sincera que pode, a qualquer momento, transformar-se numa manipulação maquiavélica.
O realizador Emmanuel Carrère, autor do livro homónimo que serve de base a este filme e argumentista de “L’Adversaire” (Nicole Garcia, 2002), desloca-se com habilidade sobre a ténue linha que divide realismo e fantástico, realidade e imaginário, numa constante atmosfera de ruptura.
O bigode transforma-se aqui num símbolo de fraqueza, de incompreensão entre um casal, o elemento frágil que separa a vida quotidiana da loucura. O final é inquietante, de digestão e divagação longas.