La Graine et le Mulet *** 1/2
Realização: Abdel Kechiche. Elenco: Habib Boufares, Hafsia Herzi, Faridah Benkhetache, Abdelhamid Aktouche, Bouraouia Marzouk, Alice Houri, Cyril Favre, Leila D'Issernio, Abdelkader Djeloulli, Sami Zitouni. Nacionalidade: França, 2007.

Slimane Beiji (Habib Boufares) é um emigrante magrebino na casa dos sessenta prestes a ser despedido do estaleiro onde trabalhou durante 35 anos na cidade piscatória de Sete, no sul de França. Separado da mulher Souad (Bouraouia Marzouk), Slimane partilha a vida com Lilia (Leila D’Issernio), dona de um pequeno hotel, e a sua filha Rym (Hafsia Herzi). Todos os domingos, a numerosa família reúne-se, sob a batuta de Souad, para comerem o seu delicioso couscous de peixe (daí o título original do filme: o grão e a tainha). À primeira reacção desânimo de Slimane perante uma vida falhada, onde se sente incapaz de prover as necessidades dos seus, Slimane decide refazer a sua vida transformando um velho barco num restaurante que servirá o couscous de peixe como especialidade.
“La Graine et le Mulet” faz o retrato do quotidiano de uma família árabe imigrante em França, das dificuldades para o início de um negócio, do racismo latente da pequena burguesia, e das relações familiares que se constroem, que se destroem, que se testam e se refazem. A incompreensão, o ciúme, a lealdade, a cobardia, todos estes elementos vão sendo revelados, até à noite de inauguração que trás ao de cima o melhor e o pior de cada um.
As mulheres em “La Graine et le Mulet” são as mais activas, as que resolvem os problemas, as optimistas. São elas as primeiras a ultrapassar os ressentimentos e a fazer os sacrifícios necessários quando está em causa o bem dos seus entes queridos. Os homens limitam-se a uma reacção. A concretização do sonho de Slimane depende do apoio incondicional da sua enteada Rym. Ao ponto de questionarmos se a ideia original, cuja génese não é mostrada, não terá partido dela. É também a sua força de vontade que instiga o simples companheirismo nos outros homens (ainda que eles não se dêem conta disso).
Abdel Kechiche (“L’Esquive”, 2003), realizador de origem tunisina opta por uma abordagem quase documental, de planos longos que nos fazem sentir como pequenas moscas observando esta intimidade alheia. E é curioso que os 151 minutos de duração do filme não se façam sentir. O que sim surge como exagerado é a insistência nos close-ups. Kechiche não precisaria disso para nos fazer sofrer e torcer pelas suas personagens, basta simplesmente com o forte afecto que nutre por elas.
O elenco, maioritariamente constituído por estreantes, é bastante forte, destacando-se a subtileza de Habib Boufares, a expansividade de Hafsia Herzi (premiada com o César para Melhor Actriz Revelação) e a poderosa cena de desmoronamento emocional de Julia (Alice Houri), a cunhada russa de Slimane, vítima da infidelidade de Hamid (Abdelhamid Aktouche), o filho mais velho.
O filme tem início com o contraste entre pai e filho, a sua relação com o trabalho e os seus valores. É também um contraste entre primeiras e segundas gerações de emigrantes, sendo estas as que sofrem um maior desenraizamento e alienação. As possibilidades parecem ser maiores do que nos seus países, mas os desafios e as dificuldades não são de menor dimensão.
A adaptabilidade do ser humano continua a ser uma das suas características mais fascinantes. Só que essa capacidade tanto funciona na dor como na alegria. Mas quando o motor para as acções é o amor é mais fácil colocar o desencanto no retrovisor.