ALIGN=JUSTIFY>Para começar, sejamos honestos, este filme-concerto-postal
vale pela parte do meio: o concerto. E sim, o postal de Toronto também é catita
e tal, mas... O concerto dos Broken Social Scene (BSS) é o motor de tudo. Para
quem não conhece os BSS, são uma banda de Toronto, Canadá. Aliás, chamar aos BSS uma banda é algo redutor, pois
eles são um projecto de muitos músicos que residem em Toronto, e, que por
sinal, cantam e tocam muito bem. Quem não os conhece, que se dê ao trabalho
de os procurar na net (ela existe é para isso, não é para andar a regar couves
virtuais ou ver as fotos ridículas das férias do colega de trabalho, a quem
chamamos "amigo"). ALIGN=JUSTIFY>O filme, como dizia o outro senhor, não é um mau filme. Lá
está: temos o concerto a ocupar 75% da película. O problema são os outros 25%.
E o problema dá pelo seguinte nome: argumento. O enredo, a história, o "era uma
vez", aquilo que sustenta a narrativa é... Bem, é mau. É xixi-cocó, como diria o
filho de 4 anos de uns amigos (reais) meus. Os actores até cumprem a sua parte,
mas a história é barro mal amassado e mal atirado à parede. Temos uma espécie
de retrato de três fãs dos BSS, jovens adultos, bem parecidos, cheios de energia e
amor para espalhar por toda a gente, hetero ou homo (conforme os gostos). Eles
a viver em Toronto, ela a regressar a Toronto, para umas férias. Há uma greve
de recolha de lixo na cidade. Há um concerto gratuito dos BSS. E os três da vida
airada querem ir ao concerto. O resto é uma tentativa de fazer um longo videoclip
para o concerto dos BSS. O que é pena, pois os BSS não precisam de videoclips.
Apenas precisam de ser vistos a actuar ao vivo, em todo o seu esplendor sonoro e
emotivo. ALIGN=JUSTIFY>E, para quem quiser conhecer esse esplendor, aqui ficam os
Broken Social Scene, no concerto que o filme retrata:
ALIGN=JUSTIFY>Escrever sobre a genialidade é uma coisa tramada. Escrever sobre Phil Spector é ainda mais tramado. Dizer que o tipo é um génio, que ajudou a definir muita da música moderna, que produziu algumas das bandas mais influentes do século XX, dizer tudo isso e mais umas coisas, é pouco. Mas não vos vou massacrar com clichés... ok, vou, mas em quantidades moderadas e toleráveis. ALIGN=JUSTIFY>Para a maioria dos portugueses, Phil Spector é um tipo relativamente desconhecido. Os que o descobriram recentemente, não o reconhecerão pelo seu génio musical, nem pelas canções que criou, nem pelas bandas que produziu. Conheceram-no pelo escândalo da morte da actriz Lana Clarkson e pelo circo mediático que envolveu o julgamento que o condenou, em 2009, a 19 anos de prisão. Ah, também o podiam ter conhecido pelos cortes de cabelo, mas isso é outra história. Felizmente mais cómica. ALIGN=JUSTIFY>The Agony and the Ecstasy of Phil Spector é um bom documentário para conhecer melhor a enfant terrible da produção musical. Da ascensão à queda do homem/mito, Vikram Jayanti realiza um filme inteligente, muito bem montado, que retrata o criador da "Wall of Sound" a chegar aos 70 anos, na sua habitual opulência, um excêntrico de gosto duvidoso, um eremita de constantes paranóias, com uma "língua" afiadíssima para velhas contas e muitas, e boas, histórias para contar. Isto tudo na véspera do seu primeiro julgamento, em 2007. O resto é história. Uma história de final triste.
ALIGN=JUSTIFY>Realização: Kelly Reichardt. Elenco: Michelle Williams, Bruce Greenwood, Will Patton, Paul Dano, Zoe Kazan, Shirley Henderson, Neal Huff, Tommy Nelson, Rod Rondeaux. Nacionalidade: EUA, 2010.
ALIGN=JUSTIFY>1845. Em busca das terras prometidas, três famílias de colonos americanos acabam perdidas na planície desértica do Oregon, após terem sido conduzidas por um atalho sob a liderança de Stephen Meek (Bruce Greenwood). Sem água, com pouca comida e sem destino à vista, a sua confiança em Meek é rapidamente destruída. O encontro com um índio (Rod Rondeaux) poderá ser a sua salvação ou a sua condenação. Não sem, antes, testar os preconceitos que definiram a dizimação étnica que marcou a história americana. ALIGN=JUSTIFY>Quem conhece o trabalho de Kelly Reichardt (“Old Joy”, “Wendy and Lucy”), sabe que o mesmo não prima pela intensidade de ritmo, e “Meek's Cutoff” não é excepção. Com a agravante do fraco argumento (Jonathan Raymond) que o sustenta. O extenuante caminho das suas personagens e a lentidão com que o mesmo é feito faz-se sentir em cada cadeira da sala de cinema. Inevitavelmente, desligamo-nos (se alguma vez chegámos sequer a sentir qualquer empatia) destas agrestes personagens e do seu destino. ALIGN=JUSTIFY>Ignorando a sua origem ou a sua resolução (talvez para nos deixar com o mesmo sentimento de dúvida vivido pelo grupo), quase como se de uma fotografia se tratasse, Reichardt parece estar mais interessada no cenário natural. É aí que beneficiamos da soberba fotografia de Chris Blauvelt, e damos por nós perdidos naquelas infinitas e desarmantes paisagens. “Meek's Cutoff” podia (deveria?) ser apenas isto.
ALIGN=JUSTIFY>Chile, 1973. Um violento golpe militar retira Salvador Allende do poder. Mario (Alfredo Castro) é um funcionário forense encarregue de escrever os relatórios de autópsias, encantado pela sua vizinha da frente Nancy (Antonia Zegers), uma bailarina de cabaret recentemente despedida por causa da sua anorexia. ALIGN=JUSTIFY>Mario é uma espécie de espectro, de uma frieza inexpressiva, preso a uma rotina de gestos mecânicos, mas persistente nessa paixão que guarda atrás dos seus olhos e debaixo da pele. Nancy é misteriosa e intensa, em constante negação da realidade do seu corpo como do mundo em geral. ALIGN=JUSTIFY>Apesar dos sinceros apontamentos cómicos, “Post Mortem” é uma reacção ao caos da vida: enquanto uns endurecem com a brutalidade dos acontecimentos, outros enlouquecem. A relação de Mario e Nancy acaba por funcionar como paralelo à realidade política envolvente. A traição será dupla, como dupla será a raiva que inevitavelmente se liberta. ALIGN=JUSTIFY>Os planos de Sergio Armstrong, cuidadosamente estudados, obrigam o espectador a pensar naquilo que se encontra fora do ecrã, seja pelos efeitos sonoros, seja pelo enquadramento das personagens. O longo e estático plano final como acto de vingança desesperada de uma tragédia já anunciada.
ALIGN=JUSTIFY>Realização: Peter Mullan. Elenco: Conor McCarron, Gregg Forrest, Gary Milligan, Joe Szula, Richard Mack, Peter Mullan, Marianna Palka, Mhairi Anderson. Nacionalidade: Reino Unido / França / Itália, 2010.
ALIGN=JUSTIFY>Na Glasgow de 1972, um jovem tenta escapar à imobilidade social que a classe (trabalhadora) a que pertence parece estar votada. Utilizando a sua inteligência como arma, rapidamente se dá conta que o seu universo (pais, colegas, escola) estão determinados a condená-lo ao padrão de comportamento que esperam dele. ALIGN=JUSTIFY>Um pai abusivo e alcoólico, uma mãe submissa, um irmão delinquente, e a brutalidade dos gangs sociopatas que rodeiam o seu quotidiano, todos contribuem para a sua humilhação e desvalorização. E quando John (Conor McCarron) cede finalmente à raiva e à agressividade da sua afirmação como indivíduo, e se torna também ele um NED (Non-Educated Delinquent), apenas um professor manifesta alguma frustração perante o desperdício do seu potencial. ALIGN=JUSTIFY>Combate-se a alienação com uma rebeldia sem direcção. O pequeno poder dos impotentes manifestando-se através de extrema violência. Como animais presos numa jaula da qual não são capazes de fugir, e impedindo a luta de qualquer um que se atreva sequer a imaginá-lo possível. ALIGN=JUSTIFY>Mullan sabe do que fala e, não fosse pelo desnecessariamente poético final, ainda sentiria o murro no estômago.
ALIGN=JUSTIFY>O amor como um conceito de perfeição pelo qual nos apaixonamos. Uma ideia abstracta que desdenha tudo mais. O amor como um jogo, uma competição que acaba por ela mesma admitir, tacitamente, que quem compete não é, por si só, merecedor. ALIGN=JUSTIFY>Arquitectado como um bailado, de corpos, de sentimentos, que se aproximam e afastam ao som de palavras, pensamentos e desejos, “Les Amours Imaginaires” materializa-se num triângulo amoroso intercalado, em forma de vaticínio, com relatos de amores não correspondidos. ALIGN=JUSTIFY>Infelizmente, a segunda incursão de Xavier Dolan na realização vive de uma atracção que o espectador nunca chega a conseguir partilhar, de tão desinteressante e vácuo que é o objecto de afecto. Emocionalmente não somos conduzidos a nenhum lugar. ALIGN=JUSTIFY>O olhar de 22 anos de Dolan, de inegável sensibilidade estética, é ainda um olhar superficial e imaturo, perdido na homenagem às suas próprias referências e inspirações. Mas aguardemos pelo futuro com atenção.
ALIGN=JUSTIFY>Prud'Hommes é um tribunal de trabalho suíço que funciona na lógica dos julgados de paz, procurando uma conciliação entre as partes e evitando a ida a julgamento. ALIGN=JUSTIFY>A câmara de Stéphane Goël funciona como testemunha ocular destes processos: empregados (nomeadamente emigrantes) explorados por patrões pouco escrupulosos, outros objecto de insultos, abusos ou pressões, ou trabalhadores que, negligenciando as suas tarefas, pretendem ainda assim exigir seus direitos. ALIGN=JUSTIFY>Em vez de ser um meio de realização pessoal, o mundo laboral surge como um elemento moral e emocionalmente perturbador. Tudo acaba, por fim, por se reduzir ao dinheiro. Digerido pela máquina judicial, o humano não é, de todo, o valor mais bem cotado.
ALIGN=JUSTIFY>Em 1977, Joyce McKinney, ex-miss Wyoming, desesperadamente apaixonada pelo jovem mórmon Kirk Anderson, seguiu-o até Inglaterra, onde alegadamente o raptou e o manteve atado à cama como forma de o livrar da lavagem cerebral que a sua “seita” lhe tinha imposto, naquilo a que mais tarde chamou de “three days of fun, food and sex”. Detida em Londres uns dias depois, a sua história serviu de alimento para os tablóides durante largos meses. ALIGN=JUSTIFY>Uma e outros usando-se mutuamente, duas versões da realidade em contenda, com a verdade, muito possivelmente, algures a meio caminho entre ambos. ALIGN=JUSTIFY>È sobre a verdade, e a forma como ela pode ser usada, manipulada e distorcida para distintos fins que o documentário de Errol Morrisa se debruça. Dando rédea solta aos seus entrevistados, onde se inclui uma instável McKinney, Morris tira todo o partido cómico das suas contradições e linguagem, ilustrando aguçadamente as suas histórias com trechos de filmes antigos, e fazendo um fabuloso e imaginativo trabalho de composição gráfica. ALIGN=JUSTIFY>Se dissermos uma mentira bastantes vezes, acabaremos por acreditar verdadeiramente nela. Assim é McKinney. Assim é a imprensa de escândalos. Ambas obsessivas e manipuladoras. Ambas pisando uma ténue linha entre a lucidez e a loucura.
ALIGN=JUSTIFY>“Rubber” é a inesperada história de um pneu (Robert) que ganha vida, que enfrenta desconcertantes descobertas e que se deixa embriagar pelo seu próprio talento. Tudo para gáudio do voyeurismo sádico de um grupo de espectadores. ALIGN=JUSTIFY>Porquê um pneu? Por nenhuma razão. ALIGN=JUSTIFY>Uma abstracção surreal, por vezes demasiado repetitiva, mas que se assume, sem quaisquer compromissos, como a visão do seu criador, Quentin Dupieux. ALIGN=JUSTIFY>Com grande probabilidade, a obra mais estranha da edição deste ano do IndieLisboa.