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Realização: Mike Leigh.
Elenco: Sally Hawkins, Alexis Zegerman, Andrea Riseborough, Samuel Roukin, Sinead Matthews, Kate O'Flynn, Sarah Niles, Eddie Marsan.
Nacionalidade: Reino Unido, 2008.
SRC=http://eur.i1.yimg.com/eur.yimg.com/ng/xp/yahoo_manual/20080418/16/4233863152.jpg>ALIGN=JUSTIFY>Sem as ironias que o título ‘Happy-Go-Lucky’ poderia originar, o último filme de Mike Leigh (
“Naked”,
“Secrets & Lies”,
“Vera Drake”) é sobre uma pessoa genuinamente feliz e sem um lado negro pelo qual o cinismo dos dias de hoje nos habituou a esperar.
ALIGN=JUSTIFY>Poppy (Sally Hawkins) vai todos os dias de bicicleta para o trabalho, mas quando a sua bicicleta é roubada ela limita-se a um curto desabafo. O prazer no seu trabalho como professora primária é notório quando faz máscaras de papel a imitar pássaros e coloca toda a aula a piar e a bater as asas. Como hobby faz trampolim e adora sair à noite com a irmã e as amigas. Poppy quer que todos sejam felizes e não consegue evitar tentar ligar-se aos outros, por muito ténue que seja essa relação social (vide o delicioso exemplo do empregado da livraria ou da expressiva professora de flamenco).
ALIGN=JUSTIFY>O seu maior desafio é personificado no instrutor de condução Scott (Eddie Marsan), de temperamento irritável, pessimista e controlador. O oposto da vivacidade, descontracção e alegria de Poppy. Entre eles estabelece-se uma dinâmica de método versus caos. Scott choca-se com a falta de concentração de Poppy e as suas inapropriadas botas, e instituiu a mnemónica "En-Ra-Ha" para o triângulo de espelhos retrovisores. O tom cómico da sua exasperação perante a constante boa-disposição de Poppy, e do degladiar do profissionalismo dele com a espontaneidade dela, far-se-á num acumular de tensão até à explosão dos ressentimentos e paranóias.
ALIGN=JUSTIFY>Scott é um ponto intermédio neste “estudo” sobre emoções recalcadas que se extravasam em actos agressivos. Apesar dos danos há ainda a esperança de aprendizagem. Numa fase inicial encontra-se um dos alunos de Poppy, que de repente se tornou violento com os colegas, mas que, com a ajuda de um assistente social (Samuel Roukin), é possível recuperar. Para além do remediável parece estar um sem-abrigo demente (Stanley Townsend) com quem Poppy se cruza.
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“Happy-Go-Lucky” é também um ensaio sobre a educação e a aprendizagem, de como uns usam o conhecimento para se libertarem e outros acorrentam as suas mentes com regras e falsas expectativas. Ao contrário de ambas as suas irmãs (Kate O'Flynn e Caroline Martin), Poppy recusa-se a que a vida a derrube ou a deprima, elevando-se acima do cinismo que o sorriso da sua companheira de casa Zoe (Alexis Zegerman) já não consegue esconder. Num mundo onde os pais cada vez mais abdicam das suas responsabilidades como educadores,
“Happy-Go-Lucky” fala ainda da responsabilidade dos professores em identificar as dificuldades emocionais dos seus alunos.
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“Happy-Go-Lucky” contraria a miséria pessoal que habitualmente habita o universo de Mike Leigh e é, possivelmente, a sua obra mais refrescante (colorida da forte paleta da fotografia de Dick Pope). Felizmente, isso não impediu que o seu trabalho com os actores (“explorados” em workshops de improvisação) mantivesse uma caracterização detalhada. Sally Hawkins (
“Cassandra’s Dream”), vencedora do Urso de Prata da última edição do Festival de Berlim, vai de uma exuberância que começa por ser estranha, porque atípica, passando por uma fase quase irritante (quem é que aguenta uma pessoa que nunca se chateia com nada?) e terminando por se adentrar e contagiar-nos com a vontade de ser também a assim (a expressão
‘lust for life’ é incontornável).
ALIGN=JUSTIFY>Talvez num mundo cheio de tragédias, numa vida onde a sorte não tem lugar, seja possível manter-se a inocência, a abertura aos outros, a compaixão, tudo isso sem ter de pedir desculpa por quem somos. Um filme sobre a aprendizagem a vários níveis. Porque ser feliz também é disciplina.