Realização: Aram Garriga. Género: Documentário. Nacionalidade: Espanha, 2007.
Um grupo de espanhóis, unidos por um gosto musical comum e munidos de enorme boa vontade, equipamento semi-profissional e muita “carolice”, apresentaram ao mundo “Introspective”. Documentário simples, despretensioso, eficaz e, acima de tudo, profissional. Sem apoios, patrocínios ou subsídios (lição para os portugueses verem e aprenderem alguma coisa?).
“Introspective” é uma viagem por um género musical que só se tornou género na cabeça de um “iluminado” jornalista da revista Wire. A necessidade de catalogar e encaixar certas bandas num determinado estilo, levou a que a tal revista criasse o termo “Pós-Rock” para identificar o género musical de bandas como Mogwai, Low, Piano Magic, entre outras.
O que o documentário se propõe a esclarecer é se essa catalogação faz algum sentido e o que é que têm em comum certas bandas que fazem uma sonoridade menos imediata, logo menos “pop”. O que não têm em facilidade de audição, estas bandas ganham em estrutura e textura. São predominantemente instrumentais, embora haja vocalizações numa boa parte delas. Aqui quem é rei é o pedal de distorção, que é carregado com uma insistente gentileza… Até se perder a gentileza e ficar só a insistência. Mas há beleza neste ruído. E deambulações musicais que apontam para um lado mais introspectivo. E a introspecção é mesmo o ponto mais comum que se pode apontar a todas as bandas que participam no documentário. Bandas, músicos e produtores, todos apresentam as suas reflexões sobre a música que fazem e sobre o impacto que isso tem nas suas vidas e na sociedade.
Uma bela surpresa, quer documental quer musical, este “Introspective”.
Realização: Azazel Jacobs. Elenco: Matt Boren, Ken Jacobs, Flo Jacobs, Richard Edson, Piero Arcilesi, Dana Varon, Eleanor Hutchins. Nacionalidade: EUA, 2008.
Após uma viagem de negócios a Nova Iorque, Mikey (Matt Boren) decide passar uma noite em casa dos pais, antes de regressar a Los Angeles. No dia seguinte, chegado ao aeroporto Mikey sente-se incapaz de partir e decide prolongar a sua estadia por mais um dia desculpando-se perante a sua mulher Laura (Dana Varon) com um problema de voos. Mas esse dia transforma-se em dois, três... Mikey refugia-se no casulo da protecção familiar, nos seus cadernos antigos e nos livros de banda desenhada, reencontra com um amigo de infância recentemente saído da prisão (Piero Arcilesi) e reaproxima-se de uma antiga namorada (Eleanor Hutchins).
A temática do homem que não quer ou não consegue crescer não é original, mas tende a ser tratada com mais humor e leveza do que em “Momma’s Man”. O filme de Azazel Jacobs, com uma clara influência de Cassavetes, é melancólico e nostálgico tanto na forma como no conteúdo. A imagem granulada fá-lo parecer um típico home video. O cenário é a casa dos pais do realizador, eles próprios encarregues de interpretar os pais de Mikey. O ambiente é silencioso mas pesado de olhares e gestos “barulhentos”. A casa é ela mesma um amontoado de caixotes de memórias, de pedaços de vida(s), de corredores e recantos.
Matt Boren dá o seu melhor a uma personagem definida apenas com base em “confusão” e “impotência”. Esse é um dos motivos porque nunca nos chega a ser simpático. Outro é o facto do filme se arrastar durante quase toda a sua duração. Acompanhar a descida de Mikey a um estado de imobilidade que o torna incapaz de atravessar a porta de casa.
A inércia pode ser tentadora. É tão fácil inventar desculpas para não enfrentar a realidade! Mas o regresso a casa (ou ao passado) é inatingível. Nada permanece: nem a juventude, nem os espaços, nem mesmo as memórias. Como é referido no momento de epifania ao som (magnífico, diga-se) de ‘Closer To Fine” das Indigo Girls, o equilíbrio só é possível, quando se aceita essa impermanência.
CLOSER TO FINE
Indigo Girls
I'm trying to tell you something about my life
Maybe give me insight between black and white
The best thing you've ever done for me
Is to help me take my life less seriously, it's only life after all
Well darkness has a hunger that's insatiable
And lightness has a call that's hard to hear
I wrap my fear around me like a blanket
I sailed my ship of safety till I sank it, I'm crawling on your shore.
I went to the doctor, I went to the mountains
I looked to the children, I drank from the fountain
There's more than one answer to these questions
pointing me in crooked line
The less I seek my source for some definitive
The closer I am to fine.
I went to see the doctor of philosophy
With a poster of Rasputin and a beard down to his knee
He never did marry or see a B-grade movie
He graded my performance, he said he could see through me
I spent four years prostrate to the higher mind, got my paper
And I was free.
I went to the doctor, I went to the mountains
I looked to the children, I drank from the fountain
There's more than one answer to these questions
pointing me in crooked line
The less I seek my source for some definitive
The closer I am to fine.
I stopped by the bar at 3 a.m.
To seek solace in a bottle or possibly a friend
I woke up with a headache like my head against a board
Twice as cloudy as I'd been the night before
I went in seeking clarity.
I went to the doctor, I went to the mountains
I looked to the children, I drank from the fountain
There's more than one answer to these questions
pointing me in crooked line
The less I seek my source for some definitive
The closer I am to fine.
I went to the doctor, I went to the mountains
I looked to the children, I drank from the fountain
There's more than one answer to these questions
pointing me in crooked line
The less I seek my source for some definitive
The closer I am to fine.
We go to the bible, we go through the workout
We read up on revival and we stand up for the lookout
There's more than one answer to these questions
pointing me in a crooked line
The less I seek my source for some definitive
The closer I am to fine
The closer I am to fine
The closer I am to fine
(1934-2008)
Realização: Kriv Stenders. Elenco: Richard Green, Tammy Anderson, Syd Brisbane, Stuart Clark, Catriona Hadden, Misty Sparrow. Nacionalidade: Austrália, 2007.
“Boxing Day” acompanha em tempo real 82 minutos da vida de Chris (Richard Green), um ex-presidiário e alcoólico em recuperação que, no dia seguinte ao Natal, se prepara para receber a visita da sua cunhada Donna (Tammy Anderson) e da sua sobrinha Brooke (Misty Sparrow) que ele criou como sua filha e o novo namorado de Donna, Dave (Syd Brisbane). Mas antes da sua chegada, Chris recebe a inesperada visita de Owen (Stuart Clark), um ex-companheiro de prisão, cuja proposta de negócio é veementemente rejeitada por Chris. Owen acaba por abandonar a casa de Chris, não sem antes deixar atrás de si uma informação com efeitos devastadores.
Ainda que pareça um único take, “Boxing Day” é composto de cerca de uma dúzia de longos takes que lhe conferem um forte tom documental, reforçado pelo diálogo maioritariamente improvisado, pela utilização da luz natural, sem música e praticamente sem montagem.
A câmara de Kriv Stenders, co-autor do argumento juntamente com o protagonista Richard Green, segue Christ por toda a casa, contornando todas as esquinas e voltando para trás em cada canto. O espaço compacto onde se desenrola a acção é um paralelo para a falta de escolhas com que Chris se vê confrontado. Aos poucos vemos a tentativa que faz para recuperar a sua vida, e o seu tormento interior perante um dilema moral.
Num elenco em que apenas um actor (Brisbane) é profissional, o mérito vai todo para Richard Green que carrega o peso deste filme aos ombros. Num registo que vai da fragilidade e insegurança à raiva e desespero, é ele que mantém a nossa atenção focada. Apesar de não chegar à hora e meia e da agilidade permitida pela câmara, o ritmo de “Boxing Day” arrasta-se de uma forma que ultrapassa o tempo real, o que acaba por prejudicar quer os momentos de tensão (levados a um extremo exagerado) quer os de explosão (que surgem com um incómodo toque de alívio).
Ter-se-ia apreciado uma melhor gestão da intensidade e uma maior contenção na facilidade dramática.
Realização: Abel Ferrara. Elenco: Willem Dafoe, Bob Hoskins, Matthew Modine, Asia Argento, Lou Doillon, Roy Dotrice, Frankie Cee, Sylvia Miles, Pras Michel. Nacionalidade: Itália / EUA, 2007.
“Go Go Tales” pretende ser um olhar sobre os bastidores de um clube de striptease em decadência, mas acaba por se limitar a documentar a técnica do seu realizador Abel Ferrara (“The Funeral”, “Mary”): o diálogo improvisado e sobreposto e a câmara irrequieta, da responsabilidade de Fabio Cianchetti, que evita que o filme, rodado quase inteiramente num espaço fechado, se torne claustrofóbico.
A acção de “Go Go Tales” decorre durante uma noite no Ray Ruby's Paradise. Ray Ruby (Willem Dafoe), o dono do clube, é um jogador viciado e um optimista crónico. Confrontado com as reivindicações salariais das dançarinas, a gravidez de uma delas, a dívida de quatro meses de renda à senhoria Lilian (Sylvia Miles), um chef de cozinha insatisfeito (Pras Michel) e a ameaça do seu irmão Johnnie (Matthew Modine), um famoso cabeleireiro, em he retirar todo e qualquer financiamento, Ray consegue ainda depositar a sua esperança num bilhete de lotaria e no sistema de arquivo do seu contabilista irlandês Jay (Roy Dotrice).
O compasso do filme é o da rotina diária, de empregados e dançarinas. Ferrara empenha-se no tratamento visual dos corpos destas, cobertos por todos os ângulos e enquadramentos possíveis, com um tratamento especial dado à principal atracção, a sensual e arrepiante Monroe (Asia Argento). O estímulo visual é reforçado pelo uso de imagens captadas por câmaras de vigilância, mas nem isso consegue camuflar o desinteressante argumento, ou disfarçar os estereótipos femininos, entre o tonto e o neurótico.
Aos actores, ou não lhes é dado nada para trabalhar, como Asia Argento ou Bob Hoskins no papel do Relações Públicas Baron, ou são empurrados para o exagero, como Matthew Modine e Daniel Dafoe, que conseguem pouco mais que uns breves momentos de comicidade.
Apesar da sua eficácia na evocação do ambiente de tentação e de ilusória intimidade característica deste tipo de espaços, “Go Go Tales” é um objecto sem forma que tenta tocar o humor e o drama simultaneamente, sem, no entanto, conseguir agarrar realmente nenhum dos dois.
Realização: Mike Leigh. Elenco: Sally Hawkins, Alexis Zegerman, Andrea Riseborough, Samuel Roukin, Sinead Matthews, Kate O'Flynn, Sarah Niles, Eddie Marsan. Nacionalidade: Reino Unido, 2008.
Sem as ironias que o título ‘Happy-Go-Lucky’ poderia originar, o último filme de Mike Leigh (“Naked”, “Secrets & Lies”, “Vera Drake”) é sobre uma pessoa genuinamente feliz e sem um lado negro pelo qual o cinismo dos dias de hoje nos habituou a esperar.
Poppy (Sally Hawkins) vai todos os dias de bicicleta para o trabalho, mas quando a sua bicicleta é roubada ela limita-se a um curto desabafo. O prazer no seu trabalho como professora primária é notório quando faz máscaras de papel a imitar pássaros e coloca toda a aula a piar e a bater as asas. Como hobby faz trampolim e adora sair à noite com a irmã e as amigas. Poppy quer que todos sejam felizes e não consegue evitar tentar ligar-se aos outros, por muito ténue que seja essa relação social (vide o delicioso exemplo do empregado da livraria ou da expressiva professora de flamenco).
O seu maior desafio é personificado no instrutor de condução Scott (Eddie Marsan), de temperamento irritável, pessimista e controlador. O oposto da vivacidade, descontracção e alegria de Poppy. Entre eles estabelece-se uma dinâmica de método versus caos. Scott choca-se com a falta de concentração de Poppy e as suas inapropriadas botas, e instituiu a mnemónica "En-Ra-Ha" para o triângulo de espelhos retrovisores. O tom cómico da sua exasperação perante a constante boa-disposição de Poppy, e do degladiar do profissionalismo dele com a espontaneidade dela, far-se-á num acumular de tensão até à explosão dos ressentimentos e paranóias.
Scott é um ponto intermédio neste “estudo” sobre emoções recalcadas que se extravasam em actos agressivos. Apesar dos danos há ainda a esperança de aprendizagem. Numa fase inicial encontra-se um dos alunos de Poppy, que de repente se tornou violento com os colegas, mas que, com a ajuda de um assistente social (Samuel Roukin), é possível recuperar. Para além do remediável parece estar um sem-abrigo demente (Stanley Townsend) com quem Poppy se cruza.
“Happy-Go-Lucky” é também um ensaio sobre a educação e a aprendizagem, de como uns usam o conhecimento para se libertarem e outros acorrentam as suas mentes com regras e falsas expectativas. Ao contrário de ambas as suas irmãs (Kate O'Flynn e Caroline Martin), Poppy recusa-se a que a vida a derrube ou a deprima, elevando-se acima do cinismo que o sorriso da sua companheira de casa Zoe (Alexis Zegerman) já não consegue esconder. Num mundo onde os pais cada vez mais abdicam das suas responsabilidades como educadores, “Happy-Go-Lucky” fala ainda da responsabilidade dos professores em identificar as dificuldades emocionais dos seus alunos.
“Happy-Go-Lucky” contraria a miséria pessoal que habitualmente habita o universo de Mike Leigh e é, possivelmente, a sua obra mais refrescante (colorida da forte paleta da fotografia de Dick Pope). Felizmente, isso não impediu que o seu trabalho com os actores (“explorados” em workshops de improvisação) mantivesse uma caracterização detalhada. Sally Hawkins (“Cassandra’s Dream”), vencedora do Urso de Prata da última edição do Festival de Berlim, vai de uma exuberância que começa por ser estranha, porque atípica, passando por uma fase quase irritante (quem é que aguenta uma pessoa que nunca se chateia com nada?) e terminando por se adentrar e contagiar-nos com a vontade de ser também a assim (a expressão ‘lust for life’ é incontornável).
Talvez num mundo cheio de tragédias, numa vida onde a sorte não tem lugar, seja possível manter-se a inocência, a abertura aos outros, a compaixão, tudo isso sem ter de pedir desculpa por quem somos. Um filme sobre a aprendizagem a vários níveis. Porque ser feliz também é disciplina.
A 61ª edição do Festival de Cinema de Cannes começa hoje com “Blindness”, o filme de Fernando Meirelles que adapta o romance ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ de José Saramago, inserido também na competição.
(trailer)
O verso da noite:
“Break my arms around the one I love”
A estrofe da noite:
“Get inside their clothes
with my green gloves
watch their videos, in their chairs.
Get inside their beds
with my green gloves
get inside their heads, love their loves.”
A música da noite: ‘Slow Show’
E foi assim o concerto de THE NATIONAL: um show sem pressas, magnético, envolvente e arrebatador.
Realização: Steven Sebring. Género: Documentário. Nacionalidade: EUA, 2008.
Patti Smith em versão “road movie” caseiro e particular. Eis uma possível descrição para o documentário de Steven Sebring. Mas Patti Smith é claramente maior que a vida. E a vida da senhora, além de invejável em termos artísticos, é um percurso notável de sentimentos, vivência, descobertas, fragilidades, dramas e muito boa música.
Filmado num preto e branco muito poético (com um curto apontamento de cor), este filme, narrado pela própria Patti Smith, leva-nos a conhecer as múltiplas facetas da artista, bem como a família, amigos e músicos desta.
Visualmente bonito, recheado de “potentes” extractos de concertos da cantora (Smith é claramente um animal de palco), “Dream of Life” é também um poema em constante crescimento.
Realização: Julian Schnabel. Género: Documentário. Nacionalidade: EUA / Reino Unido, 2007.
Lou Reed no seu melhor, a exorcizar os demónios que lhe rejeitaram a qualidade e importância do álbum que sucedeu a ‘Walk on the Wild Side’. Música. Muito boa música, muito bem filmada por Julian Schnabel e extremamente bem ilustrado pela irmã deste que realizou as curtas-metragens que percorrem o lado cénico do concerto.
E é hora e meia de grande música, com ‘Berlin’ a ser tocado na íntegra, apoiada por orquestra, coro e vozes únicas, como a de Antony. E (bolas!) como é único o momento em que o olhar de “pai babado” de Reed comtempla Antony, após este ter recriado ‘Candy Says’, como só ele sabe.
Para fãs de Reed e para os curiosos-melómanos de álbuns “amaldiçoados”.
T.O.: Roz. Realização: Alexander Voulgaris. Elenco: Alexander Voulgaris, Argiris Thanasoulas, Romanna Lobats, Christina Mathea, Dimitris Veanos, Teresa Kouroukli. Nacionalidade: Grécia, 2006.
Vassilis (o realizador Alexander Voulgaris), um jovem na casa dos 20 vive com o seu pai (Dimitris Veanos) e o irmão Sakis (Argiris Thanasoulas), um actor de televisão. Fechado num complexo de Peter Pan, ele investe todo o seu tempo em música e em sonhos despertos com Emily, uma irlandesa por quem se apaixonou numa passagem de ano em Berlim. Após recuperar de um cancro, a mãe (Teresa Kouroukli) abandonou a família. O pai voltou a casar, mas manteve-se distante e silencioso. Enquanto Sakis se passeia pelas ruas a coleccionar os números de telemóvel de jovens fans, Vassilis dedica-se ao seu documentário sobre música, através do qual conhece Snezana (Romanna Lobats), a filha de 11 anos de um casal ucraniano que Vassilis entrevista. Os dois tornam-se improváveis amigos, e, juntos, refugiam de um mundo que não entendem (ou que não os entende).
Aquele que pretendia ser um estudo sobre os medos e ansiedades de uma geração grega dividida entre uma infância cómoda e um imprevisível futuro de objectivos nebulosos, acaba por se tornar um teste à paciência do espectador, obrigado a suportar o arrastado ritmo quotidiano de personagens com as quais nunca se chega a identificar. À excepção de um momento surpreendente de humor, a solução fácil do desfecho serve apenas para confirmar, por um lado, a impossibilidade de uma amizade genuína que não se confunda com nada mais e, por outro, a total falta de necessidade desta história.
Alexander Voulgaris tem, no entanto, escolhas estéticas que não deixam de ser interessantes, dos bonecos biomórficos espalhados pelo quarto de Snezana (todo ele um reduto de elementos mágicos) às tintas que escorrem pela parede num simbolismo emocional. Mas tudo isso perde força quando estamos perante um argumento tão pessoal que parece não ter sido objecto das questões devidas.
É verdade, o “pink” vem do nome do poodle de Vassilis, Roz. As if it mattered anyhow...
Realização: Wong Kar Wai. Elenco: Norah Jones, Jude Law, Natalie Portman, Rachel Weisz, David Strathairn, Chan Marshall. Nacionalidade: Reino Unido / EUA, 2007.
Elizabeth (Norah Jones) vagueia pelas ruas de Nova Iorque, depois de um desgosto amoroso. No café de Jeremy (Jude Law) ela é tentada a provar a tarde de mirtilo, aquela que todos os dias é deixada intacta. Ao sair, Elizabeth esquece-se das chaves e volta para trás para encontrar, atrás do balcão do café, uma jarra cheia de chaves perdidas ou esquecidas. Elizabeth desabafa com Jeremy e a relação entre os dois começa a aprofundar-se em encontros regulares. Uma noite, Elizabeth adormece em cima do balcão e adivinha-se que Jeremy lhe roubou esse beijo. No dia seguinte Elizabeth sai da cidade. Na sua viagem, ela passa por Memphis, onde arranja trabalho como empregada de mesa e conhece Arnie Copeland (David Strathairn), um polícia alcoólico abandonado pela mulher Sue Lynne (Rachel Weisz), e por Las Vegas, onde empresta dinheiro a Leslie (Natalie Portman), uma jogadora inveterada que lhe dá o seu carro como garantia.
Wong Kar Wai tem um domínio estético irrepreensível, mas o que ele tinha conseguido em termos narrativos em obras como “In the Mood for Love” ou “2046”, também elas sobre o amor, a perda e a memória de um e outra, não funciona com este “My Blueberry Nights”. Nesta troca do “contemplativo” pelo “comercial” todos saímos a perder.
O argumento, co-escrito com Lawrence Block, propõe-se ser uma viagem de descoberta pessoal de uma rapariga normal através de outras pessoas que passam na sua vida, mas não conduz a lado nenhum. Elizabeth, a personagem de Norah Jones, não erra nem aprende, não cai nem se levanta, ou seja, não evolui. Sai da sua cidade mas nunca sai de si mesma, nunca se liga aos outros, nunca se envolve.
Para cúmulo, a escolha de Norah Jones (que parece ter sido feita através de um casting meramente auditivo) é desgraçadamente falhada. Se a sua música não passa de um morno sussurro, a sua interpretação é de uma insipidez sem limites. Sem emoção, sem sentimentos, sem capacidade para nos arrastar até si. Em contrapartida, as secundárias Natalie Portman como Leslie ou Rachel Weisz como Sue Lynne poderiam cada uma delas dar um filme, não só porque as suas personagens são muito mais interessantes mas sobretudo porque são Actrizes. O mesmo se passa com David Strathairn, com a sua efervescência camuflada. A opção de Chan Marshall (aka Cat Power) como a russa Katya é, no mínimo, dúbia. Além de que o uso demasiado recorrente da sua música ‘The Greatest’ consegue rasar o ridículo.
Wong Kar Wai costuma ser parco no que se refere a diálogos, o que, ao contrário de prejudicar as suas obras, reforça o seu impacto dramático, potenciado pela expressividade dos seus actores e pela sensibilidade do argumento. O mesmo não acontece neste caso, onde os mais abundantes diálogos se perdem em banalidades e numa desconsolada artificialidade. Talvez o facto de desta vez estar a trabalhar em inglês possa servir de justificação, mas não de desculpa.
O espaço americano, nas suas paisagens grandes e despojadas ou dos restaurantes pequenos e familiares, poderia ter servido a Wong Kar Wai como metáfora para o crescimento e desprendimento de Elizabeth, mas também esta gestão parece deixada ao acaso.
O elemento estético é, de facto, o único aspecto onde “My Blueberry Nights” marca pontos. Wong Kar Wai trocou o seu colaborador habitual Christopher Doyle por Darius Khondji mas manteve a sua assinatura, câmara-lenta, cores vibrantes e belos enquadramentos. E aqueles close-ups de gelado a derreter... Mnhamm! Ainda assim, algumas das opções, que começam por ser interessantes são levadas à exaustão, como é o caso dos planos através dos vidros do café de Jeremy.
Em suma, sim, “My Blueberry Nights” correspondeu às minhas expectativas. Infelizmente. Quem comece com este Wong Kar Wai terá na mão um mau cartão de visita.
CITAÇÕES:
“Elizabeth – So what's wrong with the Blueberry Pie?
Jeremy – There's nothing wrong with the Blueberry Pie, just people make other choices. You can't blame the Blueberry Pie, it's just... no one wants it.”
NORAH JONES (Elizabeth) e JUDE LAW (Jeremy)
“Katya – Sometimes, even if you have the keys those doors still can't be opened. Can they?
Jeremy – Even if the door is open, the person you're looking for may not be there, Katya.”
CHAN MARSHALL (Katya) e JUDE LAW (Jeremy)
“It took me nearly a year to get here. It wasn't so hard to cross that street after all, it all depends on who's waiting for you on the other side.”
NORAH JONES (Elizabeth)
... about almost nothing
O entusiasmo afrouxou após a audição da música ‘Anywhere I Lay My Head’ que dá nome ao álbum. Uma colagem demasiado próxima à versão dos This Mortal Coil de ‘Song to The Siren’ de Tim Buckley, mas sem sequer a mesma magia, desmistificou a frescura de originalidade que se esperava. De todos modos, deu-se o benefício da dúvida, afinal de contas nem Tom Waits nem David Bowie associariam o seu nome com displicência. E, na verdade, a voz de Scarlett Johansson não é de todo desagradável, ainda que mal conseguisse transparecer sob a máscara da orquestração.
Com atenção ouvi o álbum de uma ponta à outra. Infelizmente, a emoção continuou sem surgir. ‘Anywhere I Lay My Head’ permanece, ainda assim, como o registo mais bem conseguido.
Uma pena, miss Scarlett...
Menos mal que a semana passada me ofereci, finalmente, esta peça de colecção:
De 21 a 25 de Maio, o Cinema São Jorge recebe uma nova edição do Festival de Cinema Ibero-Americano, o Hola Lisboa, de onde se destaca a ante-estreia do filme “Tropa de Elite” de José Padilha. Bilhetes a 3,50 euros.
FILMES EM COMPETIÇÃO:
TROPA DE ELITE, de José Padilha (Brasil, 2007, 118min)
com Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Maria Ribeiro, Fernanda Machado
Nascimento, capitão da Tropa de Elite, lidera uma equipa de militares treinados para intervir em zonas de risco nas favelas do Rio de Janeiro. Cansado da corrupção existente na polícia, Nascimento procura um substituto para o seu cargo. Neto e Matias, ambos a realizar o curso de formação para entrarem na Tropa de Elite, destacam-se pela honestidade.
BARCELONA [UN MAPA], de Ventura Pons (Espanha, 2007, 90min)
com Núria Espert, Josep Maria Pou, Rosa Maria Sardà, Jordi Bosch, María Botto, Pablo Derqui, Daniel Medrán, Ramon Villegas
Rosa (Núria Espert) e Ramon (José María Pou) são um velho casal, donos de um edifício velho e que alugam quartos. Barcelona (un mapa) conta assim a história de seis personagens que vivem neste prédio. Ramon, antigo porteiro da ópera, pede a todos para irem embora, pois está a morrer e quer ficar sozinho nos últimos dias da sua vida. Incesto, homossexualidade e adultério cruzam-se na vida de todas as personagens.
SOÑAR NO CUESTA NADA, de Rodrigo Triana (Colômbia, 2006, 96min)
com Juan Sebástian Aragón, Diego Cadavid, Manuel José Chávez, Carlos Manuel Vesga, Verónica Orozco, Marlon Moreno, Carolina Ramírez, Carolina Cuervo
Colômbia, Maio de 2003. Baseado em factos reais, este filme conta a história de quatro soldados que pertencem a um grupo do exército nacional da Colômbia e que combatem a guerrilha na selva amazónica. Após desalojarem o inimigo, os soldados encontram 46 milhões de dólares escondidos pelos guerrilheiros. O aproveitamento milionário da situação acabará cedo em pesadelo.
DOT.COM, de Luís Galvão Teles (Portugal, 2007, 103min)
com João Tempera, Marco Delgado, María Adánez, Maria José, Margarida Carpinteiro, Adriano Luz, Isabel Abreu, José Eduardo, Lia Gama e Tony Correia
Águas Altas. Este é o nome de uma pequena e bela aldeia portuguesa do interior. Composta por gente humilde, Águas Altas está prestes a ser o centro do mundo. Tudo porque uma multinacional sediada em Madrid quer reclamar o nome do seu site para lançar uma água com o mesmo nome. Mas no interior da aldeia há quem queira vender o site à multinacional e quem, por outro lado, se mostre irredutível. Um diferendo que cai nas bocas do mundo e que arrasta uma enorme tempestade mediática e uma intervenção directa do Primeiro-ministro português. Está nas mãos dos aldeões gerir uma questão de identidade nacional perante a «invasão» espanhola.
PAÍ, Ó!, de Monique Gardenberg (Brasil, 2007, 96min)
com Lázaro Ramos, Stênio Garcia, Wagner Moura, Luciano Souza, Dira Paes, Érico Brás, Tânia Tôko, Emanuelle Araújo, Rejane Maia, Lyu Arisson, Valdinéia Soriano
No primeiro dia do Carnaval da Bahia, os habitantes de um animado cortiço localizado no Bairro da Barroquinha, logo abaixo do Pelourinho, se debatem com a notícia de que a impiedosa dona do pobre prédio fechara o registo de água para acabar com a festa de todos. Ó paí, ó, como o título indica em "dialecto baiano" ("olhe para isso, olhe"), volta as lentes para o espaço privado de um cortiço de onde vão surgir personagens-ícones da indústria cultural na Bahia. O filme faz uma rasura na superfície de uma reordenação urbanística do Pelourinho que violentou territorialidades negras em tentativas vãs de embranquecimento cultural e de desafricanização dos espaços públicos de Salvador.
PADRE NUESTRO, de Rodrigo Sepúlveda (Chile, 2006, 100min)
com Jaime Vadell, Luis Gnecco, Francisco Pérez-Bannen, Cecilia Roth, Amparo Noguera
Caco decide aproveitar os últimos dias que lhe restam de uma doença terminal, realizando uma viagem em família de retorno aos seus lugares de adolescência entre Valparaíso e Quintero. Do confronto entre o presente e passado resultará a reconciliação consigo próprio.
XXY, de Lucía Puenzo (Argentina, 2007, 86min)
com Inés Efron, Martín Piroyansky, Ricardo Darín, Valeria Bertuccelli, Germán Palacios, Carolina Pelleritti, Guillermo Angelelli
Alex, uma adolescente de quinze anos, hermafrodita, é despertada na sua curiosidade sexual pela presença de Álvaro, filho de um casal amigo, recém hospedado em casa dos pais. A confusão de Alex vai desencadear uma série de questões sobre os verdadeiros impulsos e sobre o destino que vai escolher.
RADIO CORAZÓN, de Roberto Artiagoitía (Chile, 2007, 100min)
com Claudia de Girolamo, Daniel Muñoz, Amparo Noguera, Tamara Acosta, Felipe Braun, Manuela Martelli, Néstor Cantillana, Daniel Alcaíno, Juana Viale
O filme Radio Corazón é baseado em três histórias que são ouvidas num programa de rádio popular chileno El Chacotero Sentimental. Estas histórias estão ligadas por um tema em comum – sexo - , onde os ouvintes relatam os seus envolvimentos e jogos amorosos num registo cómico ao dramático.
* Sinopses retiradas do site oficial
A abertura dos VIII Encontros de Viana, que terá lugar amanhã, dia 5, estará a cargo do filme “Aurora”, de F.W. Murnau.
Para os detalhes desta semana de cinema, vídeo, exposições e workshops, espreitar o site oficial.
40 anos depois, o Instituto Franco-Português apresenta um ciclo de cinema focado no Maio de 68. Os filmes em exibição compreendem, entre outros, o colectivo “Loin du Vietnam” (1967), “L’An 01” de Jacques Doillon (1973), “Un Film Comme les Autres” de Jean-Luc Godard (1968) e “Les Amants Réguliers” de Philippe Garrel (2005).