A minha selecção pessoal, de uma semana repleta de “good movies”.
Com base no folclore alemão, uma jovem desperta de um sonho aterrorizante, onde é perseguida por um lobo. Mas a realidade para a qual desperta ameaça ser tão ou mais assustadora que a do seu inconsciente. 15 minutos de angústia muito bem filmados.
Gwynne McElueen, uma irlandesa, relata a sua experiência de correspondência com Jim, um americano com um talento especial para o desenho - o seu herói é o Capitão Penumbra. 5 anos após o início desta “amizade por carta”, Gwynne decide visitar Jim. “Penumbra” relata o percurso, físico e emocional, entre duas pessoas, usando as palavras de ambos, mas sobretudo as de Jim, lidas por pessoas encontradas pelo caminho e que, não o conhecendo o tentam descobrir. Um filme sobre a necessidade de comunicação, e sobre o poder das palavras para construírem as verdadeiras pontes.
As palavras como caminho para o passado, como testemunho do nosso trajecto histórico. Manuscritos com centenas de anos jazem esquecidos naquilo que foram um dia prósperas cidades, um bem precioso que perece sob a fome devoradora do deserto e das térmitas. Um documentário extraordinariamente consistente e elucidativo acerca do abandono e da urgência de o redimir.
Uma amostra aqui.
As palavras como caminho para o futuro, como causa e consequência do pensamento. Um documentário onde as palavras hábeis do escritor brasileiro Mário Quintana, utilizadas nas aulas, traduzem para as crianças um mundo que elas estão ainda a descobrir. Palavras que, pela sua própria originalidade e pelo seu poder, as fazem ir mais além. Afinal de contas, a mentira é apenas “uma verdade que se esqueceu de acontecer”.
A vida do dramaturgo através das mulheres que fizeram parte da sua vida, da esposa às amantes, da filha às colaboradoras. Da Bavaria para Berlim Oriental, uma vida foi marcada pela extrema necessidade de uma independência intelectual, num documentário exemplar.
Um estilo de videoclip filosófico, palavras com música, imagens com poesia, a voz profunda e olhar intrigante de Rosanne Cash. A compositora e cantora filha do primeiro casamento de Johnny Cash faz uma viagem pela sua história familiar, onde o mar e a música se misturam.
Uma experiência visual em três partes. Sinalização: fazendo uso da linguagem dos sinais urbanos como forma de comunicação, imediata, eficaz e extenuante. Traços: através da pintura evidencia-se a repetição dos padrões de relacionamento. Uma pedra rola: a consequência interminável e circular dos acontecimentos. Um jogo em que imagem e palavra se unem musicalmente (efeito infelizmente prejudicado pela necessidade de ler as legendas).
No Verão de 1984, enquanto em Los Angeles decorrem os Jogos Olímpicos, e em África sucumbe perante uma gigantesca seca, Victor passa uns dias com a sua tia e a sua prima de 15 anos. Entre a descoberta sexual e a profunda angústia adolescente de não pertencer a sítio nenhum e não ser entendido por ninguém, Victor é obrigado a lidar com um medo traumático do seu passado. E nada como um trauma para superar outro.
Um homem encontra uma porta fechada e decide abri-la por todos os meios possíveis. Uma metáfora de 3 minutos sobre os drásticos caminhos da obsessão e dos reflexos negativos da violência.
Baseado num conto de Edgar Allan Poe e com um visual muito perto do delicioso gótico de Tim Burton, Ed conta-nos a história de como foi parar dentro de um colete de forças. A culpa de tudo foi do terrível olho do seu pai que lhe causava uma angústia insuportável. Para se livrar dessa ansiedade, Ed traça um plano infalível. Ou talvez não. O que estamos dispostos a fazer para destruir a (natural) ansiedade que é a vida?
Impressionante documentário sobre o holocausto nas palavras de sobreviventes italianos. O seu relato desapaixonado, fruto da extenuante expiação a que devem ter sujeitados os seus fantasmas, consegue ser mais chocante que as duras imagens de arquivo reproduzidas. Sem sentimentalismos, porque a realidade é suficientemente escabrosa.
A XIV edição dos CAMINHOS DO CINEMA PORTUGUÊS decorrerá entre os dias 21 e 28 do próximo mês de Abril, em Coimbra, com as seguintes obras presentes a concurso:
LONGA-METRAGEM
“O Jardim do Outro Homem” (Sol de Carvalho, 95’)
“Suicídio Encomendado” (Artur Serra Araújo, 88’)
“Body Rice” (Hugo Vieira da Silva, 120’)
“Pele” (Fernando Vendrell, 102’ )
“Transe” (Teresa Villaverde, 126’)
“Atrás das Nuvens” (Jorge Queiroga 85’)
“Filme da Treta” (José Sacramento, 90’)
CURTA-METRAGEM
“Avé Maria” (João Botelho, 25’)
“Night Shop” (João Constâncio, 25’)
“Animalz” (Sérgio Cruz, 3’10’’)
“Espírito de Natal” (Victor Candeias, 25’)
“A Cura” (José Barahona, 29’)
“The End / Capítulo Final” (Victor Candeias, 12’30’’)
“História Desgraçada” (Elsa Bruxelas, 28’)
“Regresso a Casa” (João Maia, 25’)
“Manhã de Novembro, 1981” (Mariana Castro e Sílvia Santana, 15’06’’)
“O Buraco” (Miguel Gaudêncio 25’)
“Ladrões de Nêsperas” (Fernando Lobo Amaral, 11’44’’)
“Palavras Roubadas” (Luís Dias, 14’)
“O Operário em Construção” (Eduardo Nascimento e Pedro Canotilho, 15’)
“Cântico das Criaturas” (Miguel Gomes, 24’)
DOCUMENTÁRIO
“Maria” (Fábio Ribeiro e Nuno Gaspar, 15’)
“Logo Existo” (Graça Castanheira, 60’)
“Humanos – A Vida em Variações” (António Ferreira, 33’)
“Show da Fé” (António Contador, 3’)
“Life is Change” (Eduardo Morais de Sousa, 5’)
“Olhar o Cinema Português 1896-2006” (Manuel Mozos, 53’)
“Cartas a Uma Ditadura” (Inês de Medeiros, 60’)
“Ricardo Rangel – Ferro em Brasa” (Licínio de Azevedo, 48’)
“José Carlos Schwarz – A Voz do Povo” (Adulai Jamanca, 52’)
“Batalha de Aljubarrota” (Rui Pinto de Almeida, 52’)
“Batalha de La Lys” (Rui Pinto de Almeida, 53’)
“Brava Dança” (José F. Pinheiro e Jorge P.Pires, 80’31’’)
“A Minha Aldeia Já Não Mora Aqui” (Catarina Mourão, 60’)
“Pátria Incerta” (Inês Gonçalves e Vasco Pimentel, 52’)
“Eduardo Luiz - Retracto do Artista Desaparecido” (Victor Candeias, 55’)
“Ainda há Pastores?” (Jorge Pelicano, 73’)
ANIMAÇÃO
“Stuart” (Zepe, 11’26’’)
“A Culpa” (Irina Calado, 7’)
“In Silentiu (Silêncio)” (Irina Calado, 7’)
“Sem Dúvida, Amanhã…” (Pedro Brito, 7’)
“Turno da Noite: Fé” (Carlos Fernandes, 5’30’’)
“Jantar em Lisboa” (André Carrilho, 7’06’’)
“O Trabalho do Corpo” (Nuno Amorim, 7’06’’)
“A Noiva do Gigante” (Nuno Amorim, 9’04’’)
“O Pescador de Sonhos” (Igor Pitta Simões, 10’50’’ )
“Esperânsia” (Cláudio Jordão, 7’)
“A Religiosa II” (Clídio Nóbio, 2’)
“Quatro Elementos” (Janek Pfifer, 20’)
“Histórias de Molero – Todos os Gajos Têm Um Tio Maluco” (Afonso Cruz, 6’30’’)
Como complemento à selecção oficial do festival, continua a secção Ensaios Visuais, dedicada às escolas de cinemas e audiovisuais existentes nacionais (inscrições abertas até dia 10 de Abril).
Estão previstos ainda os workshops:
> Produção Filmes, com Henrique Espírito Santo
> Animação de Volumes com Cristina Teixeira
> Animação Digital - 3D Studio Max, com Fililpe Rocha
> Interpretação/Expressão, com Ana Paula de Jesus
> Realização - Como Realizar uma Curta?, com Rui Sousa
Mais informações em www.caminhos.info
Depois de uma semana de intensa actividade, foram estes os resultados da 9ª edição do Festival Internacional de Cinema de Famalicão.
No contexto deste encontro, foram ainda eleitos como os melhores filmes estreados em Portugal em 2006: “The Departed: Entre Inimigos” e “Match Point”
Do press-release da Cinemateca, chega-nos o anúncio de um ciclo sobre Jim Jarmusch. O programa completo pode ser consultado no site da casa do cinema.
«Nascido a 22 de Junho de 1953 no Ohio, Jim Jarmusch constituíu-se, nos anos 80, como principal rosto do "cinema independente americano", depois muito copiado e muito imitado. Aluno de Nicholas Ray e de Laslo Benedek na escola de cinema de Nova Iorque, uma das forças do cinema de Jim Jarmusch reside justamente no balanço perfeito entre "classicismo" e "modernidade", tanto no modo de fazer como nos universos e referências convocados. Cinéfilo esclarecido (descobriu o cinema, diz ele, na Cinemateca Francesa, ainda de Langlois, no princípio dos anos 70), Jim Jarmusch representa porventura no cinema americano o papel do último realizador filho de uma cultura cinéfila "clássica", capaz de citar Dreyer a propósito de um western de série B. [...] Vamos ver todos os seus filmes, incluindo algumas preciosidades nunca vistas em Portugal. Como TIGRERO, de Mika Kaurismäki, que reúne Jarmusch e Samuel Fuller, ou o filme de episódios TEN MINUTES OLDER: THE TRUMPET, que traz um impressionante plantel de cineastas. Abril será mês de "melancólica independência" na Cinemateca.»
T.O.: Man cheng jin dai huang jin jia. Realização: Zhang Yimou. Elenco: Chow Yun-Fat, Gong Li, Chou Jay, Liu Ye, Ni Dahong, Qin Junjie, Li Man, Chen Jin. Nacionalidade: Hong Kong / China, 2006.
O argumento co-escrito por Zhang Yimou, Wu Nan e Bian Zhihong adapta a peça de teatro de 1934 da autoria de Yu Cao situando a acção do filme no século X, durante a curta dinastia Tang. “Curse of the Golden Flower” não pretende fazer qualquer reprodução histórica, colocando-se antes ao nível de uma tragédia grega e/ou shakespeariana sob o peso da ancestral cultura chinesa.
A família real chinesa vive um período complicado. O imperador (Chow Yun Fat) decidiu envenenar a esposa (Gong Li), acrescentando um fungo ao seu remédio para a anemia. A emperatriz tem um envolvimento sexual com o seu enteado, o príncipe herdeiro (Lie Ye), que por sua vez tem um relacionamento amoroso com Chan (Li Man), a filha do médico imperial (Ni Dahong). O filho mais velho da imperatriz, o príncipe Jai (Jay Chou), regressou de um longo período de treino, mostrando ser o mais apto a assumir o trono. Em segundo plano está o mais novo e menos atendido príncipe Yu (Qin Junjie). Quando a imperatriz descobre os planos de envenenamento do seu marido, desenha um plano de vingança que vai testar a lealdade do seu filho Jai.
Apesar de conter a típica batalha épica com auxílio computorizado, a nível de artes marciais e cenas de luta, “Curse of the Golden Flower” é consideravelmente inferior aos anteriores filmes de Zhang Yimou, “Hero” (2002), “House of the Flying Daggers” (2004). Mas, num estilo coerente, mantém-se o espectáculo visual. Os cenários são opulentos, as cores saturadas, o guarda-roupa da responsabilidade de Yee Chung Man sumptuoso. Do dourado ao verde esmeralda, do amarelo ao vermelho, a brilhante e psicadélica mistura de cores emanadas das paredes, tectos, tapetes, mobiliário contrasta de uma forma extrema ao negro melodrama que se desenrola no interior do palácio imperial.
Incesto, traição, assassínio, segredos profundos e luta pelo poder é uma receita eficaz, mesmo que pouco original. Nas interpretações destacam-se um sádico e cruel Chow Yun Fat (“Crouching Tiger, Hidden Dragon”), uma sofrida, só e louca Gong Li (“Memórias de uma Geisha”) e um magnético Jay Chou, mais conhecido pela sua vertente musical.
Debaixo da bela e luxuriante aparência exterior, germina o lado mais sórdido da humanidade. Afinal aquele palácio deslumbrante não é mais do que uma gaiola bem decorada. A tragédia surge quando à rígida estrutura social imposta pelo exterior se vem opor a emoção pessoal. É na aniquilação de qualquer vestígio de humanidade individual (imperador e imperatriz nunca são referidos pelo seu nome próprio, mas pelo papel social que desempenham), que se sustentam os sistemas de governo autocráticos. As analogias entre a China de ontem e a de hoje ficam ao cargo, e à responsabilidade, de cada um.
CITAÇÕES:
“Aquilo que eu não te der, nunca o deves tomar pela força.”
CHOW YUN FAT (Imperador Ping)
Depois da sua ante-estreia na 7ª Festa do Cinema Francês, o ano passado, “Les Anges Exterminateurs” estreia amanhã nas salas portuguesas.
Infelizmente, e apesar da imagem tentadora que aqui coloco, eu recomendo vivamente quaisquer outros programas alternativos.
Realização: Guillermo del Toro. Elenco: Sergi López, Maribel Verdú, Ivana Baquero, Ariadna Gil, Doug Jones, Álex Angulo. Nacionalidade: México / Espanha / EUA, 2006.
O realizador de “El Espinazo del Diablo” (2001) e “Hellboy” (2004) constrói em “El Laberinto del Fauno” uma fábula fantástica sobre a Espanha franquista.
Em 1944, Carmen (Ariadna Gil) e a sua filha Ofelia (Ivana Baquero) chegam a uma aldeia onde reside o novo marido de Carmen, um capitão do exército franquista obcecado com com o filho que Carmen tem na barriga e com eliminar todos os rebeldes republicanos que combatem a ditadura a partir das montanhas. Entretanto, Ofelia descobre no bosque que rodeia a casa um fauno, uma figura mitológica que a intima a cumprir três tarefas para poder converter-se na princesa que já foi um dia.
O filme de Guillermo del Toro equilibra magistralmente o drama individual, o drama nacional e o sobrenatural, este último funcionando como metáfora das atribulações emocionais experimentadas pelas personagens. Entre o tom indiscutivelmente adulto e o tom duvidosamente infantil, em “El Laberinto del Fauno” a fantasia complementa a realidade, simultaneamente reforçando e atenuando o seu impacto.
“El Laberinto del Fauno” faz uso da figura circular não apenas na narrativa, mas também visualmente através da repetição, dos reflexos e da memória perdida. De um lado está Ofelia, que tenta recuperar o passado que esqueceu, do outro está o capitão Vidal cujo maior temor é ser esquecido.
Este é um filme altamente parcial, onde todos os desalmados militares estão do lado do mal e a heróica resistência republicana do lado do bem. Tendo em conta o resultado histórico dos acontecimentos, só resta a defesa da liberdade de pensamento como única arma contra uma opressão que visa eliminar qualquer sinal de identidade (aliás, a violência em “El Laberinto del Fauno” não raras vezes é feita sobre os rostos das vítimas). Mas a discussão política vai do plano ideológico ao plano moral, onde a morte pode também significar libertação (vide a cena em que Vidal se barbeia).
“El Laberinto del Fauno” é uma obra de proeza técnica, com especial destaque para a fotografia (Guillermo Navarro), o design de produção (Eugenio Caballero) e a caracterização (David Martí, Montse Ribé) – todos premiados com um Oscar. Mas “El Laberinto del Fauno” utiliza o género fantástico para um fim mais profundo que a simples auto-contemplação, como sucede muitas vezes. Para isso valem também as fortes interpretações, começando no genial Sergi López (“Harry, Un Ami Que Vous Veut Du Bien”, “Dirty Pretty Things”), passando por Maribl Verdú (“Y Tú Mamá También”) até à jovem e desarmante Ivana Baquero.
“El Laberinto del Fauno” transpira um extremo romantismo, com planos lindíssimos e imagens grotescas, e com fluidas transições entre cenas que conduzem suavemente o espectador entre o mundo real e o surreal. Somos colocados perante a evidência do sonho quando Ofelia regressa ao seu quarto de uma das suas incursões ao mundo do fauno por uma porta que contraria todas as leis físicas.
Em “El Laberinto del Fauno” a beleza convive de perto com a brutalidade e a crueldade. Realidade é dor, e nós somos reais na medida em que os nossos corpos são marcados. Apenas através da dor física parece ser possível libertar a mente dos seus fantasmas. E depois de uma perseguição final que faz lembrar “The Shining” de Stanley Kubrick, a entrega de uma criança a um mundo limpo deixa-nos a sensação angustiosa e contraditória da possibilidade de felicidade mas também da hipótese de tragédia.
CITAÇÕES:
“Quiero que le llames ‘padre’, ¿me has oído? ‘Padre’... Ese hombre ha sido muy bueno con nosotras, hija. No sabes cuanto. Es una palabra, Ofelia. No es más que una palabra.”
ARIADNA GIL (Carmen)
“Capitão Vidal – Digáme, ¿Porqué no me obedeció?
Dr. Ferreiro – Es que... Obedecer, por obedecer. Así sin pensarlo... Solo lo hacen gentes como usted, Capitán.”
SERGI LÓPEZ (Capitão Vidal) e ÁLEX ANGULO (Dr. Ferreiro)
Mais sobre o deus Pan (o correspondente grego do deus romano Fauno) aqui.
Realização: Steven Soderbergh. Elenco: George Clooney, Cate Blanchett, Tobey Maguire, Robin Weigert, Dave Power, Leland Orser, Tony Curran, Dominic Comperatore, Beau Bridges, Jack Thompson, Ravil Isyanov. Nacionalidade: EUA, 2006.
Berlim, Julho 1945. Logo após a rendição alemã, Estaline, Truman e Churchill reuniram-se na conferência de Potsdam para dividirem a Alemanha entre si. Berlim é uma cidade bombardeada. É também uma terra sem leis, onde não se pode confiar em ninguém, e pejada de jornalistas, entre os quais o correspondente Jake Geismer (George Clooney), que já tinha estado sedeado na cidade antes da guerra, onde tinha conhecido Lena Brandt (Cate Blanchett), actualmente é namorada do oficial designado para ser seu motorista em Berlim, Tully (Tobey Maguire). Tully está envolvido em negociatas no mercado negro, aproveitando as oportunidades que a guerra, ao contrário da paz, lhe trouxe. Mas é junto do general russo Sikorsky (Ravil Issykanov) que Tully vai tentar conseguir o dinheiro que precisa para ajudar Lena a sair da Alemanha, ao saber que aquele procura o falecido marido de Lena, Emil (Christian Oliver), um matemático a serviço das SS.
Baseado no livro de Joseph Kanon (2001) e adaptado por Paul Attanasio (“Quiz Show”, “Donnie Brasco”), o filme de Steven Soderbergh (“Erin Brockovich”, “Traffic”, saga “Ocean’s”) é uma homenagem ao film noir, irrepreensível em termos de estilo e de ambiente. Soderbergh filmou “The Good German” como se estivesse de facto em 1945, utilizando os materiais e aparelhos disponíveis na altura, bem como imagens de arquivo. Do genérico inicial ao poster, o visual é consistentemente anos 40, passando pela dupla de protagonistas, em especial Blanchett que até no sotaque faz lembrar Marlene Dietrich (e quanto de “Casablanca” anda por ali...).
Infelizmente o filme de Soderbergh, que está também a cargo da fotografia e da montagem, sob os pseudónimos de Peter Andrews e Mary Ann Bernard, respectivamente, negligencia o conteúdo a favor da forma. As personagens têm pouca densidade, e aos actores é dado muito pouco com que trabalhar, e por muitos bonitos que sejam Clooney e Blanchett, entre eles não existe qualquer química. Aliás, “The Good German”, peca, em contraste com a profunda beleza do seu jogo de luzes e sombras, pelo vazio emocional. Enquanto a personagem de Maguire está no filme a sensação de thriller mantém-se, mas após o seu desaparecimento, este filme reduz-se a um exercício estilístico.
Também não ajuda o facto de Soderbergh nos privar de um herói típico que mova a narrativa e nos comova. Em vez disso, ele opta por nos mostrar três pontos de vista, mas é através desta mudança de perspectiva que as respostas aos mistérios vão sendo dadas. São tocadas ao de leve algumas questões morais como a possibilidade de ignorar os crimes de guerra de um indivíduo se este possuir informações que beneficiem os vencedores; ou o “roubo de cérebros” efectuado no pós-guerra entre russos e americanos como recursos para guerras futuras. Mas tudo isto carece de sentimento. “The Good German” é como uma mulher extremamente bonita que desencanta assim que se fala com ela. É uma pena Sr. Soderbergh.
CITAÇÕES:
“Whenever you say to yourself, "That's the worst thing I've ever heard ...", stick around. That's Berlin.”
TONY CURRAN (Danny)
... recuperam-se filmes em atraso.
FULL FRONTAL - Vidas a Nu, de Steven Soderbergh (2002)
STROMBOLI, de Roberto Rossellini (1950)
ASSASSIN(S), de Mathieu Kassovitz (1997)
Realização: Bill Condon. Elenco: Jamie Foxx, Beyoncé Knowles, Eddie Murphy, Danny Glover, Jennifer Hudson, Anika Noni Rose. Nacionalidade: EUA, 2006.
25 anos após a sua estreia na Broadway, o musical “Dreamgirls” surge numa adaptação cinematográfica pelas mãos do argumentista de “Chicago” (2002) e realizador de “Kinsey” (2004).
“Dreamgirls” conta a história de Effie (Jennifer Hudson no papel interpretado na Broadway por Jennifer Holliday, vencedora de um prémio Tony), Deena (Beyonce Knowles) e Lorrell (Anika Noni Rose), The Dreamettes, um trio de cantoras na Detroit dos anos 60 - muito à semelhança das The Supremes. Descobertas num concurso de talentos por Curtis Taylor Jr. (Jamie Foxx), um vendedor de automóveis com ambições de agente musical, o filme acompanha a sua (tortuosa) escalada para o êxito, focando os seus romances, as suas ambições e as suas frustrações. Em determinado momento, Effie é forçada a sair do grupo e Deena assume a liderança, ao mesmo tempo que o seu manager tenta acomodar o estilo das The Dreamettes às mudanças musicais dos anos 70. Em pano de fundo está o movimento de direitos civis que marcou essa época dos Estados Unidos.
Desengane-se quem está à espera de puro divertimento, “Dreamgirls” é um filme sentimental até à medula, que explora sem pudor as emoções do espectador. Um dos exemplos disso é a canção “And I Am Telling You I’m Not Going”, um dos momentos mais fortes do filme, que é arrastada até à exaustão da intérprete Jennifer Hudson e do espectador. Ao contrário de “Chicago”, a músicas que em “Dreamgirls” são utilizadas fora do espectáculo, isto é, como diálogo entre as personagens, surgem forçadas e com um conteúdo tremendamente previsível.
Em termos de história, teria sido interessante ver aprofundada a questão dos roubos musicais que músicos brancos (dos quais Elvis Presley é apenas um exemplo) faziam da música negra. Infelizmente, um tema tão soturno, iria escurecer os luxuriantes guarda-roupa de Sharen Davis e fotografia de Tobias A. Schliessler. Independentemente do fraco argumento, Bill Condon tem uma forte noção estética, e “Dreamgirls” tem momentos verdadeiramente bonitos, como é o caso do movimento circular da câmara em torno de uma personagem - e usado pelo menos duas vezes ao longo do filme - fazendo uma elipse temporal e espacial.
Mas onde “Dreamgirls” surpreende verdadeiramente, sobretudo pelas fracas expectativas, é nas interpretações (exceptuando a unidimensionalidade da personagem de Foxx). Eddie Murphy, no papel de uma estrela auto-destrutiva, James ‘Thunder’ Early (uma aproximação a James Brown, quem diria que Murphy sabia cantar?) está de tirar a respiração. Por outros motivos, também Beyoncé Knowles (uma sessão fotográfica cola-a na perfeição ao visual de Diana Ross). Aquela que poderia facilmente ser a personagem mais detestável do filme é, graças a Knowles, de uma timidez e simplicidade desarmantes. Muito à semelhança da sua própria humildade em aceitar um papel num filme que dá mais protagonismo a uma estreante do que a ela mesma. Chega-se, pois, à forte interpretação (não só musical) da estreante Jennifer Hudson, a tão falada excluída do programa de talentos "American Idol" e ainda mais falada vencedora do Oscar de Melhor Actriz Secundária. Com uma voz impressionantemente forte e segura ela entrega-se a Eddie de uma forma audaciosa e comovente. (Atenção também à voz de Anika Noni Rose, o terceiro e mais negligenciado elemento do grupo.)
Bumpy road to success. Happy ending. No surprises...
CITAÇÕES:
“Deena, you know why I chose you to sing lead? Because your voice... has no personality. No depth. Except for what I put in there.”
JAMIE FOXX (Curtis Taylor Jr.)
Realização: Richard Eyre. Elenco: Judi Dench, Cate Blanchett, Bill Nighy, Andrew Simpson, Juno Temple, Max Lewis. Nacionalidade: Reino Unido, 2006.
Barbara Covett (Judi Dench) é professora de história num liceu de Londres. Barbara é uma mulher solitária a quem os anos trouxeram uma elevada dose de cinismo e para ela a educação reduz-se a um controlo de uma população juvenil com um futuro cheio de limitações. A chegada à escola de Sheba Hart (Cate Blanchett), uma nova professora de arte, proporciona a Barbara a possibilidade de uma nova amizade. Quando Barbara descobre que Sheba tem um caso com um aluno seu de 15 anos (Andrew Simpson), ela aproveita esse segredo em comum para se aproximar ainda mais de Sheba e exercer o seu poder sobre ela, através de uma chantagem emocional e de um pesado jogo psicológico.
O argumento de Patrick Marber (“Closer”), com base no livro de Zoë Heller, “What Was She Thinking: Notes on a Scandal”, é uma visão perturbante sobre o efeito tóxico da solidão crónica, mesmo quando esta é vivida no seio de uma família. Barbara percebe que, pela partilha deste segredo que pode destruir a família e a vida de Sheba, tem a oportunidade de extorquir de Sheba uma amizade sem limites. Sheba é obrigada a jurar que irá terminar o romance, mas à sua vontade falta-lhe a força. Perante esta nova traição, a raiva e o ciúme impelem Barbara a tomar medidas mais drásticas.
O filme de Richard Eyre (“Iris”, 2001) beneficia de personagens profundas e desenhadas em detalhe, interpretadas com ferocidade por uma Cate Blanchett (“The Aviator”, “Babel”) de intensa beleza e à beira do colapso nervoso e uma Judi Dench (“Mrs. Henderson Presents”, “Casino Royale”) simultaneamente ameaçadora e vulnerável, que, do alto dos seus 72 anos abdica de toda a vaidade. A par desta dupla está Bill Nighy, cuja interpretação tem um peso dificilmente comparável ao cantor Billy Mack de “Love Actually” (2003) ou ao pirata Davy Jones em “Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest” (2006).
A narrativa move-se ao ritmo da narração de Barbara, que descreve subjectivamente os acontecimentos da sua vida num diário, adensando a atmosfera claustrofóbica de uma obsessiva, possessiva e retorcida forma de amar. Apesar da cena final quebrar a força de um final que se queria mais dúbio, o texto de “Notes on a Scandal” é belíssimo e impregnado de humor inteligente. Quando às emoções, as mais fortes decorrem no apartamento de Barbara, onde a música de Phillip Glass coloca os nossos nervos em ponto de ebulição e onde temos o prazer de ver contracenar duas actrizes de excepção.
Como conselho paternal fica o “cuidado com o desnível”, aquele que se abre – por vezes, perigosamente – entre a vida que construímos e aquela que imaginámos. Como ansiedade final fica a tendência patológica do ser humano procurar o seu sentido nesta e não naquela.
CITAÇÕES:
“My father always said ‘mind the gap’. The distance between life as you dream it and... life as it is.”
CATE BLANCHETT (Sheba Hart)
“Barbara Covett – Do you know much about wine?
Richard Hart – I know I like drinking it!”
JUDI DENCH (Barbara Covett) e BILL BIGHY (Richard Hart)
“We are bound by the secrets we share.”
JUDI DENCH (Barbara Covett)
“Judas had the dignity to hang himself, but only according to Matthew, the most sentimental of the apostles.”
JUDI DENCH (Barbara Covett)
Realização: Paul Verhoeven. Elenco: Carice van Houten, Halina Reijn, Thom Hoffman, Jochum ten Haaf, Peter Blok, Derek DeLint, Sebastian Koch, Christian Berkel, Waldemar Kobus, Dolf DeVries, Michiel Huisman, Ronald Armbrust. Nacionalidade: Holanda / Bélgica / Reino Unido / Alemanha, 2006.
Duas mulheres encontram-se num kibutz em Israel em 1956, a partir daí um longo flashback conduz-nos ao passado de uma delas, Rachel Stein (Carice van Houten), uma cantora judia que, no final da Segunda Guerra Mundial, se encontra refugiada na casa de uma família cristã da Holanda rural. Depois da destruição do seu esconderijo e sem família, ela acaba por se juntar a uma célula da resistência holandesa comandada por Gerben Kuipers (Derek de Lint, que a minha retina guardou da série televisiva “China Beach”). Aí, disfarçando-se de loura ariana, ela assume a identidade Ellis de Vries e, seduzindo o oficial alemão Ludwig Müntze (Sebastian Koch, “Das Leben der Anderen”), consegue infiltrar-se no seu escritório e obter informações para os seus companheiros. Fora dos seus planos estava, no entanto, o amor.
O realizador de “RoboCop” (1987), “Total Recall” (1990), “Basic Instinct” (1992), “Showgirls” (1995) e “Starship Troopers” (1997), regressa às raízes holandesas com “Zwartboek”, um filme inspirado em eventos reais que se debruça sobre o vasto limbo de nuances morais que, por via da guerra, se estende entre as definições de bem e mal (um exemplo disso é o do advogado Wim Smaal (Dolf DeVries) que negoceia com os nazis pela libertação de prisioneiros da resistência).
Misturando o político e o pessoal, no longo trabalho dos co-argumentistas Verhoeven e Gerard Soeteman, testam-se amizades e lealdades face a interesses pessoais e ao instinto de sobrevivência. O bem e o mal mostram-se exteriores aos actos, que podem ser ambas as coisas dependendo de quem os vê e desde que lugar. Neste jogo duplo, o sexo é usado como moeda de troca e como forma de poder.
Mas apesar das interpretações capazes de Carice van Houten, Sebastian Koch e Thom Hoffman (Hans Akkermans, “Dogville”) no papel de líder da resistência, “Zwartboek” opta por soluções muito pouco originais e que, em pouco tempo, o farão desaparecer da memória do espectador. O sentimento é puxado por vezes ao exagero, tornando-o ainda mais pesado do que as suas duas horas e meia de duração. E nem as diversas viragens na narrativa conseguem justificar a nossa atenção, não fosse a câmara de Karl Walter Lindenlaub estar completamente apaixonada pelas desconcertantes naturalidade e beleza de van Houten.
O final não apresenta resoluções, mostrando a mesma ambiguidade que a moral destes indivíduos, que tentam confusamente lidar com a inocência, o desespero, a sua vontade e a sua ideologia. Na euforia do pós-guerra, a chocante vontade de vingança mostra que as lições não foram aprendidas, e que do mal dificilmente se pode gerar qualquer outra coisa. Nos sobreviventes sobra a culpa.
Entre os dias 16 e 24 deste mês, terá lugar a 9ª edição do Festival Internacional de Cinema de Famalicão, focado nas relações da Sétima Arte com a Literatura. Os filmes a concurso estarão divididos nas seguintes secções:
I. ADAPTAÇÕES DE OBRAS LITERÁRIAS
II. BIOGRAFIAS E DOCUMENTÁRIOS SOBRE TEMAS LITERÁRIOS
III. ADAPTAÇÕES DE OBRAS LITERÁRIAS PARA CRIANÇAS E JOVENS
Entre os dias 16 e 18 terá também lugar o I Encontro de Blogues de Cinema, que contará com um workshop sobre “As Vanguardas Cinematográficas nas Décadas de 20 a 40”.
Realização: Clint Eastwood. Elenco: Ken Watanabe, Kazunari Ninomiya, Tsuyoshi Ihara, Ryo Kase, Shido Nakamura, Hiroshi Watanabe, Takumi Bando, Yuki Matsuzaki, Takashi Yamaguchi, Eijiro Ozaki, Nae, Nobumasa Sakagami. Nacionalidade: EUA, 2006.
No seguimento de “Flags Of Our Fathers” surge “Letters From Iwo Jima”, a segunda parte do díptico de Clint Eastwood sobre a batalha de Iwo Jima.
Um grupo de soldados japoneses prepara-se para o ataque americano à ilha cavando trincheiras no meio da praia da ilha de Iwo Jima. Sabendo que esse será o primeiro lugar a ser arrastado no ataque americano, o seu novo líder ordena que se façam túneis na montanha, onde terão uma melhor posição para combater o inimigo e proteger a ilha e, consequentemente, o Japão. Após a batalha de Saipan, os contingentes da Marinha Imperial e Força Aérea japonesas cancelam quaisquer reforços para a ilha. Em desvantagem numérica, sem comida e água, assolados pela desinteria, a morte destes homens torna-se uma realidade iminente.
Olhando pelo lado japonês, Clint Eastwood humaniza o inimigo americano através de três personagens: o general a cargo da defesa da ilha, Tadamichi Kuribayashi (Ken Watanabe); um ex-padeiro convocado para a guerra, Saigo (Kazunari Ninomiya); e um ex-atleta olímpico, o Tenente Baron Nishi (Tsuyoshi Ihara). São sobretudo as cartas dos dois primeiros às suas mulheres que dão nome ao filme. Embora estas missivas não sejam o motor da narrativa são essenciais para a caracterização destas personagens.
“Letters from Iwo Jima” é um filme mais forte que “Flags of our Fathers”, e é aquele que dá ao conjunto o seu peso devido (evidenciando as poucas diferenças que existem entre os homens que se enfrentam numa guerra). Da mesma forma que os japoneses mal aparecem em “Flags of our Fathers”, a presença dos americanos neste filme é também reduzida. Mas enquanto o primeiro lidava sobretudo com os efeitos (e custos) do pós-guerra, o segundo debruça-se mais profundamente sobre a realidade da guerra, a tragédia de morrer sem um motivo válido, a reacção perante a inevitabilidade (“O que vou fazer depois de morreres?”, pergunta a mulher de Saigo quando ele é recrutado) e o conceito de honra (onde entra o ritual suicídio).
O argumento de Iris Yamashita e Paul Haggis baseia-se na correspondência do real General Kuribayashi, publicada postumamente, um homem cuja anterior experiência na América lhe truxe uma visão do mundo que chocava com a propaganda imperialista do seu país. O erguer da bandeira no Monte Suribachi pelos americanos, a imagem que serve de ponto de partida para o filme anterior, é aqui visto do outro lado da História.
A escuridão da fotografia de Tom Stern, entre os cinzentos e os castanhos, constrói o ambiente de tragédia e resignação. Os rasgos de cor surgem fora da guerra, ou então no fogo das explosões e muito marcadamente no sol vermelho da bandeira japonesa.
Clint Eastwood revela uma segurança desarmante na realização. As ferozes imagens de batalha são brilhantemente filmadas, com a mesma intensidade da compaixão que revela perante as emoções. Sem actos heróicos, “Letters From Iwo Jima” é um filme silenciosamente corajoso e comovente.
CITAÇÕES:
“Parabéns, o seu marido vai para a guerra!”
“É estranho, prometi lutar até à morte pela minha família, mas só de pensar nela torna-se difícil cumprir a promessa.”
KEN WATANABE (General Tadamichi Kuribayashi)
Realização: Robert De Niro. Elenco: Matt Damon, Angelina Jolie, Robert De Niro, Alec Baldwin, John Turturro, William Hurt, Billy Crudup, Tammy Blanchard, Michael Gambon, Eddie Redmayne, John Sessions, Timothy Hutton, Lee Pace, Keir Dullea, Martina Gedeck, Mark Ivanir, Gabriel Macht, Joe Pesci, Oleg Stefan. Nacionalidade: EUA, 2006.
A celeuma à volta de “The Good Shepherd” prende-se essencialmente com o nome de Robert De Niro na realização (pelo menos foi essa a minha motivação.) O seu nome trouxe para o projecto uma série de nomes sonantes (William Hurt, Michael Gambon, Alec Baldwin, Billy Crudup, John Turturro, Timothy Hutton, Angelina Jolie, Joe Pesci, e até uma fugaz aparição de Keir Dullea – “2001: A Space Odyssey”), o que não significa necessariamente uma série de interpretações memoráveis.
De Niro revela a destreza de quem está dentro do assunto há muito tempo – com algumas soluções esteticamente muito bem conseguidas –, mas o argumento de Eric Roth (co-argumentista de "The Insider” de Michael Mann e de “Munich” de Steven Spielberg) deixa bastante a desejar quer em termos do desenho das personagens quer em termos narrativos.
“The Good Shepherd” é uma versão ficcional do nascimento da CIA e dos seus primeiros ano de actividade, centrando a sua acção em torno de personagem de Matt Damon, Edward Wilson, que se baseia livremente numa composição de diversos intervenientes reais da história da agência, entre os quais James Jesus Angleton, um antigo director de contra-informação.
Abril 1961. O Senador Philip Allen (William Hurt) encarregue de reportar directamente ao Presidente, quer resposta de Wilson, pois dada a elevada confidencialidade da operação, a fuga de informação deverá ter vindo de uma alta patente da agência. Wilson recebe uma fotografia e uma fita áudio de uma fonte anónima e que deverá estar na raiz do falhanço americano da Invasão da Baía dos Porcos em Cuba.
O primeiro de muitos flashbacks leva-nos para os tempos da universidade Yale, a entrada de Wilson na fraternidade Skull & Bones, a sua relação com uma colega surda (Tammy Blanchard), o convite para fornecer informações sobre um dos seus professores (Michael Gambon), suspeito de actividades nazis, o seu casamento com Clover (Angelina Jolie), e a sua imediata saída para o estrangeiro numa operação do Office of Strategic Services (OSS), e o posto de director de contra-informação na recém criada Central Intelligence Agency (CIA).
Edward Wilson poderia ser simplesmente um homem duro, mas a personagem de Damon é tão hermética e sem emoções que as suas relações mas íntimas se tornam pouco credíveis, dificultando gravemente a empatia do espectador. E os dilemas morais que ele é forçado a enfrentar não compensam o seu fraco arco evolutivo e a sua previsibilidade.
Com saltos temporais nem sempre facilmente identificáveis, “The Good Shepherd” torna-se confuso em vez de misterioso. Sugestões que parecem prometer revelações importantes, revelam-se frustrantes, como é o caso da carta deixada pelo pai de Wilson (e que parecia ser o seu “Rosebud”), o tempo perde-se em cenas dispensáveis como os rituais da fraternidade. Mas “The Good Shepherd” tem um visual sofisticado e uma aura de máfia que consegue, apesar de tudo, ir alimentando o nosso imaginário. E as cenas partilhadas entre Damon e Oleg Stefan, no papel de Ulysses (nome de código do seu homólogo russo) compensam em tensão o tom morno que sobra para o resto.
Mas não deixa de ser um pouco deprimente que num filme de espiões – haverá profissão com uma mística mais sedutora? – todos passem a vida a lamentarem-se por não terem amigos verdadeiros e não poderem confiar em ninguém.
CITAÇÕES:
“I want this… to be the eyes and ears of our country, not the heart and soul.”
ROBERT DE NIRO (Bill Sullivan)
“Hello, I believe you know me as Ulysses. Do you know what our code name is for you... it's "Mother". Yes, they said you were the quiet type. But your silence speaks volumes, what is the saying? "Your silence is deafening," yes that is it. You will be a great adversary Mother, hopefully for many years.”
OLEG STEFAN (Ulysses)
“You know what I tell people when they ask why I don't use the word "the" when I talk about CIA? Do you put a "the" in front of God?”
LEE PACE (Richard Hayes)