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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

“Food for thought” - cozinhada por Abel Ferrara

12.05.06, Rita




Uma das coisas boas do cinema de qualidade é permanecer uma fonte privilegiada de “food for thought”. De, mais do que nos mostrar, fazer-nos pensar. E nada como uma digestão profunda e demorada para darmos o tempo passado isolados numa sala escura como bem empregue.


Tudo isto a propósito do último filme de Abel Ferrara, “Mary”. Mas esta não é ainda a crítica ao filme. É só para deixar algo que mastigar durante o fim-de-semana.


Abertamente religioso, sem ser doutrinário, “Mary” fala da procura incessante pelo verdadeiro significado das coisas.


A maioria das pessoas é ensinada a preencher esse vazio através de um conjunto de respostas que lhes são entregues numa forma ordenada, com sentido, e com muito boa publicidade por trás – a religião, qualquer uma.


Há também quem se mantenha longe dessas inquietudes, achando que o mundo material providencia todas as respostas e preenche todas as necessidades. Até ao dia em que tudo perde o seu sentido, em que o que tínhamos por certo nos é arrebatado e damos por nós no meio de um pesado nada.


Muitas vezes, são esses os momentos de revelação. No desespero do sofrimento descobrimos o que estava ali pronto, à nossa frente, só á espera que o aceitássemos. Que estivéssemos preparados para o compreendermos, despojados de orgulho e limpos de preconceitos. E a verdade está ali, encadernada num conjunto coeso de páginas – a religião, uma vez mais.


Esse caminho espiritual que cabe a todos fazer, a razão porque fomos colocados neste mundo, o processo de crescimento que precisamos fazer acerca de nós próprios, dos outros, do mundo (afinal é tudo o mesmo), é encurtado com o fast-food espiritual que constitui a religião. Conclusões pré-cozinhadas, suficientemente gerais e ambíguas para agradarem a uma grande quantidade de pessoas.


Muito possivelmente (com grande probabilidade) as conclusões a que chegamos por via do nosso próprio esforço e as que chegamos por via do esforço feito por grandes pensadores do passado, aqueles que se deram ao trabalho de desenhar a estrada, serão bastante semelhantes. E aqui não há lugar a grandes distinções, pois qualquer que seja a religião o amor não deixa de ser o conceito de base.


A grande diferença está no meio de chegar às respostas. Aceitarmos o que outros pensaram, aceitarmos a sua experiência e a sua aprendizagem sem questionarmos e dispensarmos o nosso próprio pensamento, as nossas experiências e a nossa própria aprendizagem, é um caminho. Na minha opinião, o mais fácil. E o menos gratificante. O verdadeiro prazer é sermos nós a descobrir o sagrado que está dentro de cada ser humano. E dentro de cada ser não-humano também. Tudo é sagrado e deve ser respeitado como tal.


Nos dramatismos da religião católica, do sacrifico de Jesus Cristo por todos nós, da culpa de judeus, romanos, ou outros, fica-me a questão: se Deus tudo sabe, sabia também como tudo iria decorrer, por isso cada actor desempenhou exactamente o papel que lhe cabia, de Pilatos a Torquemada, nesse grande desígnio universal que todos se esqueceram de nos dizer qual é.


Por isso, sem guião e na base do improviso, tentarei desempenhar o meu papel o melhor possível, decidindo no sentido do bem, procurando respeitar tudo e todos. Só posso esperar que, quando chegar o momento do realizador gritar “Corta!”, eu possa descansar com a certeza de ter usado a verdade em cada uma das minhas palavras.



[Acho que excedi um pouco o âmbito deste blog com estas contemplações, mas a arte é também os seus frutos, as reflexões que gera e as ideias que desperta.]


 

A Rapariga da Mão Morta - curta

11.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Alberto Seixas Santos. Elenco: Rita Martins, Madalena Vitorino, Bia Gomes, Maria Inês Soares. Nacionalidade: Portugal, 2005. 16 min.


SRC=http://photos1.blogger.com/blogger/2401/2641/400/ARapariga_Corte.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>O meu “mea culpa” à Rita Martins por não ter ido ver o “Lavado em Lágrimas”. Desta feita vi-a em “A Rapariga da Mão Morta”, a curta de Alberto Seixas Santos que está a ser apresentada como complemento do filme dos irmãos Dardenne “L’Enfant”.

ALIGN=JUSTIFY>Não me apetece falar sobre o filme, sem história, sem caminho, sem ritmo e sem propósito. A interessante opção de som na cena final, onde apenas se ouvem os carros (ainda que a cena em si seja incompreensível) não compensa a péssima captação dos diálogos, mesmo apesar da fraca originalidade dos poucos que se conseguem entender. E depois há Madalena Vitorino numa debitação de palavras tão artificial como aquela mão falsa.

ALIGN=JUSTIFY>Felizmente há Rita Martins, de uma naturalidade desarmante, na agilidade com que integra a prótese nos seus gestos do dia-a-dia, na convicção das ilusões, nas palavras assumidas como suas, no olhar perdido à procura da Lua.






Manuale d’Amore ***

10.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Giovanni Veronesi. Elenco: Carlo Verdone, Luciana Littizzetto, Silvio Muccino, Sergio Rubini, Margherita Buy, Jasmine Trinca, Rodolfo Corsato, Dino Abbrescia, Dario Bandiera, Luis Molteni, Sabrina Impacciatore, Anita Caprioli, Francesco Mandelli. Nacionalidade: Itália, 2005.


SRC=http://www.kataweb.it/cinema/rendercmsfield.jsp?field_name=Image&id=287017>


ALIGN=JUSTIFY>Sem grandes expectativas que de chegue ao nosso país, “Manuale d’Amore” foi um dos grandes êxitos de bilheteira do ano passado em Itália e Espanha. O argumento de Giovanni Veronesi e Ugo Chiti conta quatro histórias distintas, unidas entre si pelo tema comum do amor, aqui diferenciado em quatro relações (ou talvez se trate de apenas uma única relação em diferentes fases).

ALIGN=JUSTIFY>Tommaso (Silvio Muccino) apaixona-se pela bela Giulia (Jasmine Trinca, “La Meglio Gioventù”). À primeira vista, como deve ser. Mas Giulia não está interessada (também como deve ser). A embriaguez da sedução marca este momento. O primeiro encontro, o primeiro beijo, a primeira noite juntos, é o idílio do enamoramento.

ALIGN=JUSTIFY>Barbara (Margherita Buy) e Marco (Sergio Rubini) passam por um momento de impasse no seu casamento. O peso do tédio e do aborrecimento levam Barbara a tentar uma última alternativa para a reaproximação, e até a ideia de um filho como solução para o seu problema começa a ser conjecturada.

ALIGN=JUSTIFY>Ornella (Luciana Littizzetto) fica destroçada com a traição do seu marido. Querendo superar a situação com uma força superior a ela mesma, acaba por empreender uma luta contra todos os homens. Com a agravante de ela ser polícia de trânsito.

ALIGN=JUSTIFY>Goffredo (Carlo Verdone) é um pediatra de meia-idade, que se encontra magoado, confuso e só, após o abandono da sua mulher. Para superar este momento e caminhar no sentido da reconstrução, Goffredo recorre a um livro de auto-ajuda intitulado ‘Manuale d’Amore’.

ALIGN=JUSTIFY>“Manuale d’Amore” não é marcado por uma forte originalidade. Com efeito, associa entre si uma série de clichés com os quais todos facilmente nos podemos identificar. Mas é essa humildade e simplicidade que acabam por ser o elemento mais cativante deste filme. A paixão, a crise, a traição e o abandono são todas elas histórias normais, como tantas outras. Ridículas, dramáticas e irónicas, tal como a vida.

ALIGN=JUSTIFY>Ao contrapor momentos de grande carga emocional com outros extremamente cómicos, Giovanni Veronesi joga com as emoções do espectador, transmitindo a instabilidade emocional característica das relações amorosas. E apesar de um pequeno problema de ritmo, o realizador consegue, com alguma agilidade, unir estes quatro episódios, fazendo as personagens de cada história cruzarem-se suavemente com as das outras. Pena é que o recurso a comentários directos à câmara e à voz off se tenha quase apenas limitado à primeira história.

ALIGN=JUSTIFY>Do conjunto de interpretações as mais marcantes são, sem dúvida, a de Luciana Littizzetto no terceiro segmento e a de Carlo Verdone no último.

ALIGN=JUSTIFY>Talvez “Manuale d’Amore” pretendesse ser uma comédia romântica, mas o seu tom pessimista, apesar do humor tipicamente italiano, deixa uma certa sensação de desconforto. Apenas o primeiro momento parece conter algum optimismo, todo o restante filme está impregnado de um considerável desamor. E o tom irónico da comédia não ajuda a aliviar esse sentimento de condenação que parece marcar todas as relações descritas.

ALIGN=JUSTIFY>Da génese ao apocalipse, “Manuale d’Amore” atreve-se, ainda que com superficialidade, a decompor sentimentos. No final, confirma-se a frustração de, para malentendidos, ilusões, tragédias, romances eternos ou relações efémeras, não existirem manuais eficazes.

ALIGN=JUSTIFY>Sem regras nem leis, sem poder tirar exemplos dos outros ou mesmo do nosso próprio passado, cabe-nos a nós combater os medos, arriscando em cada nova experiência. E arriscar implica apostar tudo, deixando no bolso uma única certeza: de que o amor não é o fim, mas o processo (de crescimento, claro).






Shooting Dogs ****

09.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Michael Caton-Jones. Elenco: John Hurt, Hugh Dancy, Dominique Horwitz, Louis Mahoney, Nicola Walker, Steve Toussaint, David Gyasi, Susan Nalwoga, Victor Power, Jack Pierce, Musa Kasonka Jr., Kizito Ssentamu Kayiira, Claire-Hope Ashitey. Nacionalidade: Reino Unido / Alemanha, 2005.

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ALIGN=JUSTIFY>Os dois filmes de Michael Caton-Jones actualmente em cartaz, “Shooting Dogs” e “Basic Instinct 2”, não podiam ser mais distintos, e espero sinceramente que ninguém ponha em dúvida que bilhete comprar. E quem ache que tendo visto o filme “Hotel Rwanda”, já viu tudo o que há para ver sobre o massacre étnico que decorreu naquele país africano na Primavera de 1994, fique a saber que há espaço suficiente para mais do que um filme sobre este tema.

ALIGN=JUSTIFY>Ruanda, Abril de 1994. A Escola Técnica Oficial de Kigali é gerida, há 10 anos, pelo Padre Christopher (John Hurt). Joe Connor (Hugh Dancy) é um jovem professor, idealista e ingénuo que foi para África para «fazer a diferença». Infelizmente a história tem mostrado que a herança colonial deixada em África pelos ocidentais fez diferença, sim, mas não no melhor sentido e o Ruanda é mais um exemplo disso.

ALIGN=JUSTIFY>Quando o presidente ruandês Habyarimana é morto, tem início uma guerra étnica entre a maioria Hutu e a minoria Tutsi, que resultou na matança - sobretudo com catanas - de 800.000 Tutsis entre Abril e Junho de 1994. Rapidamente a escola, que também alberga forças de manutenção de paz da ONU, se torna um refúgio para os Tutsis.

ALIGN=JUSTIFY>Baseado numa história verídica (o co-argumentista, David Belton, é jornalista da BBC e estava no Ruanda quando começou o massacre), mas com personagens ficcionais, “Shooting Dogs” equilibra bem os eventos reais - foi filmado nos verdadeiros locais e com muitos sobreviventes desta tragédia como figurantes e técnicos - e o drama de um padre católico cuja fé é posta à prova pela hipocrisia dos políticos Hutu e por toda aquela carnificina; de um dedicado professor que procura em si a coragem de ficar e lutar ao lado dos seus alunos; e de um oficial da ONU, o Capitão Charles Delon (Dominique Horwitz), impedido de interferir no conflito, ironicamente limitado a matar os cães que comem os cadáveres que cercam a escola para prevenir um risco de saúde pública.

ALIGN=JUSTIFY>Apesar do filme ser apresentado do ponto de vista de estrangeiros, a sua convicção, compaixão e força não surgem diminuídos. E da inevitável comparação com “Hotel Rwanda” atrevo-me a dizer que “Shooting Dogs” sai a ganhar. Condenado a ficar na sombra do primeiro, dado o timing de lançamento e a projecção dos Oscar, este filme é mais poderoso do ponto de vista do relato histórico. É também mais duro e Caton-Jones revela mais coragem que Terry George ao abordar o tema da raça como motivo da indiferença internacional, quando Rachel (Nicola Walker), a jornalista da BBC, fala de como se comoveu com o massacre do Kosovo, pela identificação com aquelas pessoas, enquanto que ali permanecia indiferente, mesmo contra a sua vontade, porque «são apenas africanos mortos». É a existência de europeus na escola que lhe dá o motivo para fazer uma reportagem.

ALIGN=JUSTIFY>O mais marcante deste filme é o vazio deixado pelo resto do mundo, a grande apatia internacional. As imagens de arquivo da porta voz do Departamento de Estado dos EUA debatendo a diferença semântica entre ‘actos de genocídio’ e ‘genocídio’, sendo que o último obrigaria a comunidade internacional a intervir continua a fazer-me sentir o estômago às voltas.

ALIGN=JUSTIFY>“Shooting Dogs” recorre à solução fácil, mas eficaz, de confrontar o milagre da vida com a tragédia da chacina que rodeia esse nascimento. E é um filme pejado de referências religiosas e de dúvidas morais. Mas, abstraindo-nos dos conceitos mais fechados de ‘Deus’, é de amor que se trata, essa força comum que une todos os seres. De uma forma honesta e pungente, “Shooting Dogs” faz um retrato tocante sobre a humanidade e sobre a assustadora capacidade do homem de infligir, por puro medo, a maior das crueldades sobre o seu irmão.

ALIGN=JUSTIFY>Talvez o grito de África acorde em nós algum sentimento de culpa, que surge camuflado no altruísmo de dar algo em troca. Mas este é um filme que todos os ruandeses quereriam que o mundo visse. Devemos-lhes, pelo menos, isso. Ainda que nos custe algumas lágrimas.


ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>Para saber mais:
http://www.shootingdogsfilm.blogspot.com
http://rwandansurvivors.blogspot.com




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ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>“We are not here to inforce peace, but to monitor it.”
DOMINIQUE HORWITZ (Capitaine Charles Delon)


ALIGN=JUSTIFY>“Over here they’re just dead Africans... What an awful thing to say!”
NICOLA WALKER (Rachel)

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>“Does He love everyone?”
CLAIRE-HOPE ASHITEY (Marie)


ALIGN=JUSTIFY>“Joe - How much pain can a human being endure? If you feel enough pain, does everything shut down before you die?
Christopher - God only knows.
Joe - Maybe you should ask Him... If He’s still around...”
HUGH DANCY (Joe Connor) e JOHN HURT (Christopher)

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA> “Joe - Where is God in the middle of all this, in the middle of all this suffering?
Christopher - He’s right here among this people. Suffering.”
HUGH DANCY (Joe Connor) e JOHN HURT (Christopher)


ALIGN=JUSTIFY>“Find fulfillment in everything.”
JOHN HURT (Christopher)

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>“30 years in this bloody continent. The only thing that never changed was hope. We always had hope. Now... I think we’re running dry.”
JOHN HURT (Christopher)


ALIGN=JUSTIFY> “Even now, when I look into your eyes the only feeling I have inside is... love.”
JOHN HURT (Christopher)

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>“We were fortunate. This time we have been given, we must use it well.”
CLAIRE-HOPE ASHITEY (Marie)
















Lie With Me ***

08.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Clément Virgo. Elenco: Lauren Lee Smith, Eric Balfour, Richard Chevolleau, Don Francks, Polly Shannon, Michael Facciolo, Kristin Lehman, Nicola Lipman, Kate Lynch. Nacionalidade: Canadá, 2005.

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ALIGN=JUSTIFY>Leila (Lauren Lee Smith) vive segundo os seus instintos. O sexo é, para ela, animal, mas é também uma fonte de poder sobre os homens. Leila não abdica do controlo na sua própria vida, mas o iminente divórcio dos seus pais vem abalar o extremo oposto em que ela se encontra, confirmando o seu descrédito na durabilidade das relações.

ALIGN=JUSTIFY>Nesse Verão em Toronto, Leila conhece David (Eric Balfour). A sedução é fácil e satisfatória. Leila sabe que quer David, e que David a quer, mas à medida que começam a perceber que existem sentimentos a sustentar o seu desejo um pelo outro, o seu analfabetismo emocional faz-se notar. Pouco articulados na linguagem do amor, Leila e David parecem apenas conseguir comunicar através dos seus corpos.

ALIGN=JUSTIFY>Sexo é comunicação e, cada vez mais, nas relações modernas, é a única linguagem utilizada. Conhecer o outro, entrar na sua intimidade e partilhar dela, dá trabalho, e também medo. Face a esse medo e à perturbação que a ligação emocional provoca no normal funcionamento da sua vida, Leila recua. Mas fá-lo tarde demais. A vida segura que construiu começa a desmoronar-se em torno desse sentimento recusado. Leila começa a questionar-se sobre se é verdadeiramente independente, ou apenas tem medo de sentir. E acabará por entender que o desejo pode tapar a possibilidade de amor e que uma das condições essenciais para ser feliz é tornar-se vulnerável.

ALIGN=JUSTIFY>Baseado no livro de Tamara Faith Berger, que escreveu também o argumento em conjunto com o seu marido e realizador Clément Virgo, “Lie With Me” é um filme sexualmente explícito, mas longe de ser chocante, feito com realismo e sem vergonha (a entrega dos actores é notória), sobre o dilema que se estabelece entre o sexo sem contexto e o compromisso emocional, e sobre a procura de uma solução em que um e outro vivam, e onde a espontaneidade e a profundidade se misturem.

ALIGN=JUSTIFY>“Lie With Me” contrasta cenas sexuais intensas com detalhes de vidas solitárias, uma duplicidade que se reflecte no próprio título: entre o deitarem-se juntos (‘lie with me’) e o viverem juntos uma mesma mentira (‘lie with me’), pode esconder-se aquilo que todos - mesmo o que se negam a aceitá-lo - andam à procura: o amor.

ALIGN=JUSTIFY>Mas sexo não é amor. E não é amor aquilo que Leila e David começam por fazer. No entanto, o abismo entre um e outro é bem menos acentuado do que muitas das teorias pseudo-modernas nos querem fazer crer.

ALIGN=JUSTIFY>Fugimos de sentimentos só para ver se eles correm mais do que nós, mas querendo secretamente que eles ganhem, e nos apanhem já sem fôlego para lhes resistirmos.

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ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA> “Leila - I love you and I don’t know what to do with it.(...)
David - I don’t want to be with you.”
LAUREN LEE SMITH (Leila) e ERIC BALFOUR (David)


ALIGN=JUSTIFY> “When I stop fucking looking for his love, then I stop running.”
LAUREN LEE SMITH (Leila)








The Proposition ****

05.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: John Hillcoat. Elenco: Guy Pearce, Ray Winstone, Emily Watson, John Hurt, Richard Wilson, Danny Huston, Tom Budge, David Wenham, Robert Morgan, Boris Brkic, Iain Gardiner. Nacionalidade: Austrália / Reino Unido, 2005.

SRC=http://us.movies1.yimg.com/movies.yahoo.com/images/hv/photo/movie_pix/first_look/the_proposition/guy_pearce/prop3.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>O gang dos irmãos Burns é procurado pela violação e o violento assassinato de uma mulher grávida. Depois de um tiroteio, dois dos irmãos são detidos, Charlie (Guy Pearce) e Mikey (Richard Wilson), o mais novo. O capitão Stanley (Ray Winstone), deixa Charlie em liberdade na condição de ele matar o seu irmão mais velho, Arthur Danny Huston, o cabecilha do gang. Para garantir este acordo, Stanley mantém Mikey preso e Charlie tem 9 dias para cumprir o acordo. Caso contrário, Mikey será enforcado.

ALIGN=JUSTIFY>O argumento do músico Nick Cave, numa linguagem própria mas inteiramente credível, faz uso de uma terra austera e sem lei - a da Austrália de 1880s - para contar a história de dois homens, cada um com o seu dilema. O arco evolutivo de Charlie e de Stanley, o seu antagonista, movem-se paralelamente, enquanto o primeiro vive com introspecção o dilema de escolher entre o irmão mais novo e irmão mais velho (entre a inocência e a crueldade), Stanley oscila entre a lei e um código de justiça que ele julga mais eficaz. Ambos agem segundo a crença de um poder moral mais elevado, mas ambos se mostram incapazes de prever as consequências dos seus actos.

ALIGN=JUSTIFY>Stanley (Ray Winstone), cuja decisão choca os restantes guardas, ansiosos por vingança, e em especial o seu superior Eden Fletcher (David Wenham), um sádico burocrata que representa toda a dureza do colonialismo, tenta domesticar uma terra que ele considera selvagem, ao mesmo tempo que tenta proteger a sua mulher Martha (Emily Watson) de toda aquela agrura. Na sua aparente fragilidade, Martha representa a força moral e a ilusão da civilização, tranquila na sua elegante casa colonial, com o seu jardim no meio de uma paisagem desértica.

ALIGN=JUSTIFY>“The Proposition” é um filme violento e brutal, mas imensamente poético, sobre escolhas, sobre amor e traição, sobre vingança e redenção. A sua intensidade reside sobretudo nas suas personagens complexas e ambíguas, cheias de cinzentos e imprevisíveis - que permitem todas elas grandes interpretações. Há uma iminente sensação de tragédia, quase épica pela dimensão das paisagens, por um céu vasto e vazio. O calor e o suor, a sujidade e o pó, as moscas e as árvores mortas, enchem este filme de pessimismo e desespero.

ALIGN=JUSTIFY>O design de produção de Chris Kennedy e a fabulosa fotografia do francês Benoit Delhomme dão um enorme poder emocional às impressionantes paisagens do interior australiano. A música de Nick Cave e Warren Ellis passeia-se por “The Proposition” como um fantasma - em especial o tema “The Rider” - impregnando este filme de uma força que restitui ao Western o seu antigo misticismo.


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ALIGN=CENTER>Mais um belo cartaz:


SRC=http://us.movies1.yimg.com/movies.yahoo.com/images/hv/photo/movie_pix/first_look/the_proposition/propposterbig.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>“What I hope the film generates at the end are periods of intense violence followed by periods of sadness and longing and to me that's something that's reflected in Australia and the Australian Outback.”
NICK CAVE



ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#E90909>THE RIDER
Nick Cave


'When?' said the moon to the stars in the sky
'Soon' said the wind that followed them all

'Who?' said the cloud that started to cry
'Me' said the rider as dry as a bone

'How?' said the sun that melted the ground
and 'Why?' said the river that refused to run

and 'Where?' said the thunder without a sound
'Here' said the rider and took up his gun

'No' said the stars to the moon in the sky
'No' said the trees that started to moan

'No' said the dust that blunted its eyes
'Yes' said the rider as white as a bone

'No' said the moon that rose from his sleep
'No' said the cry of the dying sun

'No' said the planet as it started to weep
'Yes' said the rider and laid down his gun




































The Death of Mr.Lazarescu ***

04.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>T.O.: Moartea domnului Lazarescu. Realização: Cristi Puiu. Elenco: Ion Fiscuteanu, Luminita Gheorghiu, Gabriel Spahieu, Doru Ana, Dana Dogaru, Florin Zamfirescu, Clara Voda, Adrian Titieni, Mihai Bratila, Monica Barladeanu. Nacionalidade: Roménia, 2005.

SRC=http://www.bfi.org.uk/sightandsound/images/issue/420/mr-lazarescu_420.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>Um viúvo de 63 anos (Ion Fiscuteanu) vive com os seus gatos num pequeno e sujo apartamento em Bucareste. Uma noite, as dores de estômago e de cabeça agravam-se (para além dos normais efeitos do excesso de bebida) e decide chamar uma ambulância. Enquanto espera, pede uns comprimidos aos vizinhos e fala com a sua irmã, lamentando-se da ausência da sua única filha que vive no Canadá. Com a chegada da ambulância e da paramédica Mioara (Luminita Gheorghiu) tem início uma epopeia pelo sistema de saúde romeno, num duro contraste entre o cuidado e a indiferença.

ALIGN=JUSTIFY>O título deste filme não deixa grandes dúvidas quanto ao seu desfecho. Cristi Puiu consegue gerir esse aspecto sem prejudicar em nenhum momento o interesse do filme, fazendo um uso inteligente e equilibrado do humor negro. Filmado num estilo realista e muito próximo do documental este drama humano faz um uso exímio do ritmo, de tal forma que o cansaço e exasperação, a revolta contra a ineficácia e a burocracia, são também nossos.

ALIGN=JUSTIFY>À medida que a noite avança e o dia começa a despontar, a saúde de Lazarescu deteriora-se diante dos nossos olhos, mas a verdadeira protagonista deste filme é Mioara, é a ela que vemos mudar, num arco consistente e credível, do profissionalismo mais frio ao carinho e protecção pelo seu paciente. Ion Fiscuteanu como Lazarescu e Luminita Gheorghiu como Mioara estão excepcionais, revelando os frutos das três semanas de ensaios impostas por Puiu.

ALIGN=JUSTIFY>“The Death of Mr.Lazarescu” é o primeiro de uma proposta série de seis filmes - Six Stories from the Bucharest Suburbs - todos eles sobre diversas formas de amor. Aqui fala-se do amor pelo humano. Dois improváveis heróis, numa odisseia banal, mas nem por isso menos valorosa, mostram-nos que a eficácia profissional raramente pode ser descolada da eficácia emocional.





Géminis ***

03.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Albertina Carri. Elenco: Cristina Banegas, Daniel Fanego, María Abadi, Lucas Escariz, Julieta Zylberberg, Damián Ramonda. Nacionalidade: Argentina / França, 2005.

SRC=http://www.cinenacional.com/images/galeria/fotos/g/geminis01.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>À frente de uma família argentina de classe alta, tipicamente matriarcal, está Lucía (Cristina Banegas), superficial e controladora, tentando impor a sua bem pensada ordem em tudo o que a rodeia, num claro contraste com um pai quase autista de tão ausente (Daniel Fanego). Mas há algo que foge ao controlo de Lucía, quase como símbolo da podridão de um sistema baseado nas aparências - a relação incestuosa entre os seus filhos, Meme (María Abadi) e Jere (Lucas Escáriz).

ALIGN=JUSTIFY>Ezequiel (Damián Ramonda), o irmão mais velho, chega de Barcelona com Montse (Julieta Zylberberg) para se casar, num casamento teatralizado apenas para a sua família. Numa das cenas mais fortes deste filme, é Montse quem evidencia o mal que se gera dentro de um organismo pouco saudável, que impõe aos outros a sua vontade para camuflar a sua própria fragilidade.

ALIGN=JUSTIFY>A utilização de uma situação extrema para questionar as convenções e tradições deste conjunto de pessoas afasta o espectador da possibilidade de identificação. E, apesar dos esforços de Cristina Banegas (cuja cena final é demonstrativa do seu poder), a crítica social acaba por cair na caricatura, um pouco à semelhança de Norma Aleandro em “Señora Beba”.

ALIGN=JUSTIFY>É só quando se afasta desse objectivo, que o filme de Albertina Carri (o seu documentário “Los Rubios” fez parte da selecção do IndieLISBOA do ano passado) mostra mais força. Sem nunca apresentar um ponto de vista moralizador, sem explicações, justificações ou críticas, e inclusivamente com uma certa cumplicidade. Carri capitaliza nas interpretações naturais de Abadi e Escáriz; não fosse a condenação social e poderíamos até ver este amor e este desejo como algo puro. Mas, por outro lado, Carri perde a oportunidade de tirar partido do confronto com a personagem do irmão mais velho.

ALIGN=JUSTIFY>A câmara de Guillermo Nieto move-se pelos corredores da casa, descobrindo os seus meandros numa atmosfera opressiva. Sabemos de antemão e sem surpresa que a tensão acumulada caminhará para um inevitável clímax de tragédia grega, cuja força é potenciada pelo desajuste com a contenção emotiva que marca todo o restante filme.

ALIGN=JUSTIFY>Por vezes, o que está de errado na fotografia é simplesmente o lado de cá, o humano.





XIII CAMINHOS DO CINEMA PORTUGUÊS - Premiados

02.05.06, Rita



A XIII edição dos CAMINHOS DO CINEMA PORTUGUÊS que teve lugar em Coimbra, premiou os seguintes filmes:



PRÉMIOS DO JÚRI OFICIAL

PRÉMIO MELHOR LONGA METRAGEM - CATEGORIA PELÍCULA
PRÉMIO CIDADE DE COIMBRA

COISA RUIM, de Tiago Guedes e Frederico Serra
MENÇÃO HONROSA - MELHOR LONGA METRAGEM
ODETE, João Pedro Rodrigues

PRÉMIO MELHOR FILME
ALICE, de Marco Martins

PRÉMIO MELHOR ANIMAÇÃO - CATEGORIA VÍDEOHISTÓRIA DE UM CARAMELO, de Pedro Mota Teixeira
MENÇÃO HONROSA - MELHOR ANIMAÇÃO - CATEGORIA VÍDEO
MENU, de Joana Toste

PRÉMIO MELHOR ANIMAÇÃO - CATEGORIA PELÍCULA
HISTÓRIA TRÁGICA COM FINAL FELIZ, de Regina Pessoa

PRÉMIO MELHOR CURTA METRAGEM - CATEGORIA VÍDEO
UMA NOITE AO ACASO, de Victor Candeias
MENÇÃO HONROSA - CURTA METRAGEM - CATEGORIA VÍDEO
actor VALDEMAR SANTOS, por Berço de Pedra.

PRÉMIO MELHOR CURTA METRAGEM - CATEGORIA PELÍCULA
PRÉMIO RUA LARGA

A ESTRELA, de António Duarte

PRÉMIO MELHOR DOCUMENTÁRIO - CATEGORIA VÍDEO
DOCUMENTO BOXE, de Miguel Clara Vasconcelos
MENÇÃO HONROSA - DOCUMENTÁRIO - CATEGORIA VÍDEO
UMA VIDA NOVA, de Nuno Pires

PRÉMIO MELHOR DOCUMENTÁRIO - CATEGORIA TV
LAURA, de Graça Castanheira
MENÇÃO HONROSA - DOCUMENTÁRIO - CATEGORIA TV
CARTA DE CHAMADA, de Cristina Ferreira Gomes

PRÉMIO MELHOR DOCUMENTÁRIO
FALTA-ME, de Cláudia Varejão

PRÉMIO REVELAÇÃO
LEONARDO SIMÕES, director de fotografia, pelo CEGA PAIXÃO


PRÉMIO JÚRI FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE CINECLUBES

PRÉMIO D. QUIJOTE
UMA NOITE AO ACASO, de Victor Candeias


PRÉMIOS JÚRI IMPRENSA

PRÉMIO IMPRENSA
FALTA-ME, de Cláudia Varejão


PRÉMIOS DO PÚBLICO

PRÉMIO DO PÚBLICO NA CATEGORIA DE PELÍCULA
PRÉMIO REN - REDE ELÉCTRICA NACIONAL

COISA RUIM, de Tiago Guedes e Frederico Serra

PRÉMIO DO PÚBLICO NA CATEGORIA DE VÍDEO
RUPOFOBIA, de Telmo Martins

PRÉMIO DO PÚBLICO NA CATEGORIA DE TELEVISÂO
CARTA DE CHAMADA, de Cristina Ferreira Gomes


PRÉMIO ARDENTER IMAGINE
ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS


Mais informações em www.caminhos.info

 


Drawing Restraint 9 ***

01.05.06, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Matthew Barney. Elenco: Matthew Barney, Björk, Mayumi Miyata, Shiro Nomura, Tomoyuki Ogawa, Sosui Oshima. Nacionalidade: EUA / Japão, 2005.

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ALIGN=JUSTIFY>“Drawing Restraint 9” não é um filme, e antes que se criem expectativas de tal, é melhor deixá-lo claro desde início. “Drawing Restraint 9” é um objecto de arte, que usa o cinema como veículo, tirando partido da imagem e do som. Só assim se pode entender a ausência de enredo, de ritmo e de personagens.

ALIGN=JUSTIFY>E, no entanto, é um objecto imensamente belo.

ALIGN=JUSTIFY>“Drawing Restraint 9” começa com uma mulher embrulhando um fóssil, numa dança coreografada de mãos e papéis. O embrulhos são selados com um símbolo oval atravessado por uma barra (a plenitude restringida por uma barreira). Acompanhamos depois dois visitantes ocidentais (Barney e Björk) que, separadamente, são levados para bordo do baleeiro japonês Nisshin Maru. Os visitantes são lavados e vestidos com fatos feitos de peles de animais na preparação de uma cerimónia de casamento. No convés do navio, a tripulação ocupa-se com o molde de uma piscina de vaselina - um molde onde se repete novamente o símbolo oval - em sinal de todo o esforço que está implícito no trabalho criativo.

ALIGN=JUSTIFY>Após a cerimónia do chá (onde se proferem as únicas frases de diálogo), um ritual de partilha feito de utensílios surpreendentemente orgânicos, ocorre uma tempestade que provoca o vazar da vaselina. O líquido viscoso entra nas cabines inferiores, inundando-as. Os visitantes juntam-se num ritual de amor-morte, onde a mutilação simboliza a mutação provocada pelo amor, a transformação permitida pela libertação das barreiras exteriores para que as emoções se unam. Enquanto isso, Björk canta COLOR=#AAAAAA>“from the moment of commitment, nature conspires to help you”
.

ALIGN=JUSTIFY>Ao longo de mais de duas lentas horas, o realizador do ciclo “Cremaster” (na sua primeira colaboração com a sua companheira Björk, também responsável pela banda sonora) cria, com imagens de tirar a respiração, um ambiente de opressão onde apenas se consegue respirar quando as barreiras que sustêm a forma são derrubadas, e a forma libertada assume a sua verdadeira essência emocional.

ALIGN=JUSTIFY>“Drawing Restraint 9” é uma experiência sobretudo sensorial, de um forte poder imagético, usando a baía de Nagasaki como pano de fundo. Um produto de difícil digestão, profundamente trabalhado, com algumas poderosas - mas surreais - ideias. Mas, como cinema, é bem mais interessante de olhar do que de ver.




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