Realização: Stephen Frears. Elenco: Judi Dench, Bob Hoskins, Will Young, Kelly Reilly, Thelma Barlow, Christopher Guest. Nacionalidade: Reino Unido, 2005.
1931. Depois da morte do marido, a rica e excêntrica viúva de 69 anos Mrs. Henderson (Judi Dench) não se consegue contentar com bordados e decide comprar o velho teatro Windmill no West End londrino. Para o gerir, contrata Vivian Van Damm (Bob Hoskins), que sugere que o musical que vão produzir, “Revudeville” seja exibido em sessões contínuas, como forma de se diferenciarem dos outros teatros. Mas rapidamente esta ideia é copiada, e Mrs. Henderson sugere que, à semelhança do Moulin Rouge parisiense, o espectáculo inclua raparigas nuas. Para contornar a pressão dos censores, Mrs. Henderson consegue convencer o Lord Chamberlain (Christopher Guest) de que a nudez é arte.
Inspirado em acontecimentos reais, o Windmill permaneceu aberto mesmo com os raids aéreos durante a Segunda Guerra Mundial, tendo apenas fechado as suas portas entre 4 e 16 de Setembro 1939, daí herdando o slogan “We Never Closed”. E ali se formou uma família, onde Mrs. Henderson e Van Damm eram os guardiões.
Judi Dench está excelente, dominando o ecrã com uma energia e uma força que os seus 71 anos não atenuam. Impressionantemente cómica no registo de rebeldia adolescente, mas evidenciando a sabedoria pragmática da experiência, uma personagem a quem o que lhe falta em conhecimento do mundo do espectáculo lhe sobra em imaginação. E que ansiava por emoções, mesmo que fossem vividas através de outros.
Mas a dinâmica dramática do filme reside na relação de raiva, controlo e ciúme, mas também de admiração e afecto que se estabelece com Van Damm (um imprescindível Bob Hoskins). Entre insultos e sarcasmo, ambos partilham uma forte persistência e uma paixão por aquilo que estão a construir.
De não esquecer Kelly Reilly, forte e vulnerável, e o seu belíssimo peito. Felizmente para “Mrs. Henderson Presents”, a abordagem artística de Stephen Frears retira qualquer lascívia à nudez que marca todo o filme. Adicionalmente, está o argumento cheio de humor de Martin Sherman, onde se mistura sabiamente a tragédia, sem que nunca um choque com o outro.
Um filme divertido, tocante e envolvente.
CITAÇÕES:
“You must never interrupt a perfectly good argument.”
JUDI DENCH (Laura Henderson)
“It’s surprising to find that standing naked on a stage in front of an audience is the safest place to be.”
KELLY REILLY (Maureen)
“You can take these young soldier's lives, but before you do, don't take their joy.”
JUDI DENCH (Laura Henderson)
T.O.: Memoirs of a Geisha. Realização: Rob Marshall. Elenco: Zhang Ziyi, Ken Watanabe, Michelle Yeoh, Gong Li, Kaori Momoi, Tsai Chin, Cary-Hiroyuki Tagawa, Suzuka Ohgo. Nacionalidade: EUA, 2005.
Lamechas, aborrecido e previsível.
Na sala cheguei a pensar que a minha irritação se devia apenas a não me ter conseguido abstrair durante quase todo o filme da respiração incomodativa do senhor que se sentou ao meu lado. Mas agora, no silêncio, a má impressão permanece.
Eu já tinha visto o livro “Memórias de uma Gueixa” nas primeiras estantes das livrarias e nunca me senti seduzida por aquilo que me parecia uma leitura de Verão. Agora descubro que (ao contrário do que eu pensava quando estava a ver o filme), o autor é o americano Arthur Golden, que conta de ouvir dizer e que foi processado pela ex-gueixa de quem ele diz ter recolhido a informação para o livro. Este facto, aliado à produção Hollywoodesca de Rob Marshall (“Chicago”, 2002) justificam completamente a aura de falsidade que envolve este filme e que impede qualquer possibilidade de emoção.
Telegraficamente, “Memórias de uma Gueixa” conta a história de Chiyo (Suzuka Ohgo), a filha de um pobre pescador que, em 1929, é vendida para uma casa de gueixas (um género de animadoras sociais). A la Dickens ela é objecto da crueldade da gueixa mais importante da casa, Hatsumomo (Gong Li), que a vê como uma futura rival. É ainda na infância que um encontro com um gentil homem de negócios (Ken Watanabe) irá fazê-la decidir pela vida de gueixa. Já adolescente, Chiyo (Zhang Ziyi) é amadrinhada por Mameha (Michelle Yeoh), que a baptiza de Sayuri e que lhe ensina a arte, pelos seus próprios motivos pessoais.
As personagens não têm profundidade psicológica, não há conflitos dramáticos que captem o nosso interesse, os diálogos são pobres e ridículos (a metáfora sexual da cobra e da gruta ainda me causa arrepios), e tudo em inglês. Deus nos livre que os americanos tenham alguma vez de ver um filme com legendas!!! Mas também, num elenco de chineses, malaios e japoneses, talvez o inglês fosse de facto o denominador comum. (Mais um ponto a acrescentar a esta fantasia ocidental de uma Cinderela asiática: todos os orientais são iguais!) E vemos grande actores como Michelle Yeoh (“O Tigre e o Dragão”), Ken Watanabe (“Batman Begins”)e Gong Li (“A Tríade de Xangai”, “Hero”) castrados numa das suas ferramentas essenciais, a palavra. Quando à protagonista Zhang Ziyi (“Hero”, “O Segredo dos Punhais Voadores”, “2046”), de indiscutível beleza, tem ainda muito para aprender com no que a expressividade diz respeito, inclusivamente com a pequena Suzuka Ohgo que faz o papel de Chiyo na infância.
Mas há que dar a mão à palmatória, Rob Marshall percebe de sumptuosidade. Por isso junta a bela fotografia de Dion Beebe, o design de produção de John Myhre, o guarda-roupa de Colleen Atwood e a música de John Williams. Mas nem só de técnica se faz um filme. E, sem essência, isto é só cosmética, que na manhã seguinte está colada à almofada. Nada disto soa a verdade. É apenas uma bonita mentira, para quem quiser acreditar. Se ao menos mentisse melhor...
NOTA para quem for já a correr comprar este livro: é bastante provável a nova edição tenha já o poster do filme na capa. Tenham atenção e não comprem por engano “A Sombra do Vento” de Carlos Ruiz Záfon!
CITAÇÕES:
“Remember, Chiyo, geisha are not courtesans. And we are not wives. We sell our skills, not our bodies. We create another secret world, a place only of beauty. The very word "geisha" means artist and to be a geisha is to be judged as a moving work of art.”
MICHELLE YEOH (Mameha)
“It is not for geisha to want. It is not for geisha to feel. Geisha is an artist of the floating world. She dances, she sings. She entertains you, whatever you want. The rest is shadows, the rest is secret.”
ZHANG ZIYI (Sayuri)
Realização: Duncan Tucker. Elenco: Felicity Huffman, Kevin Zegers, Fionnula Flanagan, Elizabeth Peña, Graham Greene, Burt Young, Carrie Preston, Venida Evans. Nacionalidade: EUA, 2005.
A premissa de “Transamerica” é antiga: um pai e um filho numa road trip que reforça a ligação entre ambos. Mas o argumentista-realizador Duncan Tucker, na sua estreia nas longas-metragens, marca a diferença com um pai que sofre disforia de género, ou seja, é transsexual.
Bree (Felicity Huffman) - anteriormente conhecida por Stanley - vive no sul da Califórnia e está a uma semana de fazer a operação que finalizará o processo para se tornar mulher. Um telefonema de Nova Iorque informa-a de que Toby (Kevin Zegers), o filho incógnito de Stanley agora com dezassete anos, se encontra detido por actos de delinquência. A psicóloga de Bree, Margaret (Elizabeth Peña), recusa-se a assinar a autorização para a operação enquanto Bree não resolver este assunto do seu passado. Por isso, ocultando a sua identidade sob a capa de uma organização religiosa, Bree vai pagar a fiança de Toby. E assim tem início a sua viagem através da América, ambos em busca do seu sonho: Bree da sua operação, Toby da sua carreira no cinema pornográfico.
Bree vive para o dia em que se tornará totalmente ela, mas é o processo gradual de se afirmar perante Toby que, em última instância, será a afirmação perante si própria. A tensão desta viagem reside sobretudo no facto de Bree se comportar instintivamente de uma forma paternal sem, no entanto, querer revelar a sua paternidade. Quando Bree se confronta com os seus pais, e especialmente uma mãe (Fionnula Flanagan) inconformada com o desaparecimento do seu filho Stanley, dá-se uma mudança de papéis, e é Toby que assume o papel protector face a Bree.
Tucker teve a ideia para este filme pela amizade que estabeleceu com uma mulher e que só mais tarde veio a descobrir ser transsexual. Optando por evitar os assuntos sociais mais polémicos, deu maior relevância ao lado humano. “Transamerica” é um filme que se ri de si mesmo, mas que, ao mesmo tempo, enfrenta com força uma verdade que magoa, mas cujo confronto conduz a melhores qualidade humanas. Mas a atitude global é tão positiva que nunca somos levados ao sentimentalismo. Como a personagem de Bree, “Transamerica” não é exactamente uma comédia nem exactamente um drama, mas um pouco de ambos. Um balanço equilibrado entre seriedade e humor, com a transsexualidade como pano de fundo.
Apesar de ser um projecto anterior, o papel de Felicity Huffman (apoiado pelo produtor e marido William H. Macy) acaba por estar altamente potenciado pela projecção de Huffman na série “Desperate Housewives”. É a sinceridade da entrega de Huffman que impede que este filme seja um sermão sobre a tolerância ou sobre os valores conservadores da família tradicional (sim, porque, apesar de tudo, Bree é também ela conservadora). O seu poder de transformação, que passou também por técnicas vocais que lhe permitiram baixar o registo da sua voz, fez dela uma mulher que se veste cuidadosamente, mas que se move com rigidez, tensão e incerteza, como se não estivesse ainda habituada ao corpo pelo qual tanto lutou.
A opção de uma mulher para fazer o papel de um homem que se quer tornar uma mulher não é chocante se pensarmos que essa mulher é de facto quem ele já se sente e quem ele quer ser. Por isso é tão marcante a cena em que Bree coloca um dedo num disco de vinil para ouvir a voz da cantora ficar grave como a de um homem.
Não, o mundo não é justo. Não, não nascemos todos iguais e com iguais oportunidades. Não, não há soluções fáceis.
CITAÇÕES:
“Bree - I got a phone call last night from a juvenile inmate of the New York prison system. He claimed to be Stanley's son.
Margaret - No third-person.
(...)
Bree - My son.”
FELICITY HUFFMAN (Bree) e ELIZABETH PEÑA (Margaret)
“Murray - Your mother and I both love you.
Elizabeth - But we don't respect you!”
BURT YOUNG (Murray) e FIONNULA FLANAGAN (Elizabeth)
“We all look much happier than we really are.”
CARRIE PRESTON (Sydney)
“Hormones are hormones. Yours and mine just happen to come in purple little pills.”
FELICITY HUFFMAN (Bree)
“Toby - Your parent's house is a lot nicer.
Bree - My parent's house comes with my parents.”
KEVIN ZEGERS (Toby) e FELICITY HUFFMAN (Bree)
Realização: Bennett Miller. Elenco: Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Clifton Collins Jr., Chris Cooper, Bruce Greenwood, Bob Balaban, Amy Ryan, Mark Pellegrino, Allie Mickelson, Marshall Bell, Araby Lockhart. Nacionalidade: Canadá / EUA, 2005.
15 de Novembro de 1959. Em Holcomb, Kansas a abastada família Clutter é assassinada. Truman Capote (Philip Seymour Hoffman), experimentando ainda o êxito do seu último livro, “Breakfast at Tiffany’s”, lê a notícia desse massacre no New York Times e decide fazer um artigo para o New Yorker sobre os efeitos desse evento naquela comunidade. Acompanhado da sua amiga de infância Harper Lee (Catherine Keener), que está prestes a lançar o livro “To Kill a Mockingbird” vencedor do prémio Pulitzer, Capote inicia a sua pesquisa.
À medida que vai entrando nos detalhes desta história sórdida, quer através do detective que está a investigar o caso, Alvin Dewey (Chris Cooper), quer pela captura dos assassinos Perry Smith (Clifton Collins Jr.) e Richard Hickock (Mark Pellegrino), Capote decide que aquele material deverá ser utilizado para um livro - o romance não-ficcional “In Cold Blood” (1966), que lhe traria fama internacional.
Capote estabelece uma relação de proximidade com os reclusos, especialmente Perry, com o qual sente uma estranha identificação pelo seu carácter sensível, temperamental, criativo e incompreendido. O conflito de Capote, o seu dilema moral, é entre a obsessão por terminar um livro que se arrasta com os consecutivos adiamentos da execução dos criminosos, e a compaixão que sente por eles.
Em vez de condensar a vida de Capote em duas horas, Bennett Miller opta por se focar num acontecimento que marcou a sua vida, incluindo um forte desgaste emocional com graves e irreversíveis custos para a sua sanidade e integridade. De tal forma que, depois deste livro, ele não voltou a terminar mais nenhuma obra, tendo sucumbido ao álcool e às drogas que conduziram à sua morte em 1984.
O argumento de Dan Futterman, com base no livro de Gerald Clark “Capote: A Biography”, vai desvendando subtilmente as neuroses de Capote, a deterioração da sua relação com o também escritor Jack Dunphy (Bruce Greenwood), a alienação relativamente aos seus amigos, o ciúme pelo êxito de Harper Lee, o seu problema com o álcool. Ainda assim ficamos com a sensação de que, da mesma forma que Capote manipula tudo e todos para alimentar a sua obra e o seu ego, também neste filme ele é manipulado para efeitos dramáticos.
Mas ver Philip Seymour Hoffman compensa tudo. Depois de uma carreira cheia de fortes interpretações, Philip Seymour Hoffman tem aqui um papel à sua medida. Hipnotizador: na excentricidade, na voz infantil, nos maneirismos que nunca caem na caricatura, na sua linguagem corporal, nas suas capas emocionais. Catherine Keener e Chris Cooper estão inquestionavelmente bem, mas “Capote” é Philip Seymour Hoffman.
A reconstrução do período entre 1959 e 1965 está pensada ao pormenor (até a embalagem da aspirina) e o cuidado para que Hoffman pareça mais baixo do que realmente é para se assemelhar a Capote (que tinha 1,60m enquanto Hoffman tem 1,78m) é patente quer na filmagem quer no guarda-roupa. É esta atenção ao detalhe que nos faz sair de uma sala com a certeza de que o cinema é uma arte de artes.
“Capote” é um filme rico, absorvente e cheio de matizes. Um filme cativante sobre o agonizante processo criativo de um escritor.
CITAÇÕES:
“Ever since I was a child, folks have thought they had me pegged, because of the way I am, the way I talk. And they're always wrong.”
PHILIP SEYMOUN HOFFMAN (Truman Capote)
“It's as if Perry and I grew up in the same house. One day he stood up and he went out the back door and I went out the front.”
PHILIP SEYMOUN HOFFMAN (Truman Capote)
“I thought that Mr. Clutter was a very nice gentleman. I thought so right up to the moment that I cut his throat.”
CLIFTON COLLINS JR. (Perry Smith)
Realização: James Mangold. Elenco: Joaquin Phoenix, Reese Witherspoon, Ginnifer Goodwin, Robert Patrick, Dallas Roberts, Dan John Miller, Larry Bagby, Shelby Lynne, Tyler Hilton, Waylon Malloy Payne, Shooter Jennings. Nacionalidade: EUA, 2005.
Eu só conhecia Johnny Cash de nome e eis-me diante de uma versão da sua vida. E a vida de Cash tem tudo o que é preciso para justificar um filme: uma infância marcada por uma relação complicada com o pai, a morte trágica do irmão, o estrelado, a negligência da família, um problema com álcool e drogas, e a redenção às mãos de uma mulher que o amava. Assim dito, parece que já vi esta vida em algum lugar. E é basicamente isso, a mesma história, outras personagens. E continua a funcionar.
Confesso que me é bastante indiferente se se trata ou não de uma história real. Aliás, mais do que uma biografia, este filme é uma história de amor. A primeira parte constrói o caminho para o encontro de Johnny Cash (Joaquin Phoenix) e June Carter (Reese Witherspoon), a segunda é a tentativa de Cash conquistar June, a terceira é o esforço determinado de June em salvar a vida de Cash.
James Mangold apostou, inteligentemente, naquilo que mais poderia diferenciar este filme de outros biopics. Mas a grande mais-valia de “Walk the Line” são, sem dúvida, as interpretações (em voz real) de Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon. Ainda que alguns dos momentos mais fortes sejam dominados por outros actores, como é o caso de Robert Patrick como pai de Cash, de Ginnifer Goodwin no papel da esposa de Cash, e a fala de Dallas Roberts (Sam Philips) no estúdio de gravação.
Johnny Cash forma a sua banda em 1954 em Memphis com o guitarrista Luther Perkins (Dan John Miller) e o baixista Marshall Grant (Larry Bagby). E o início da sua carreira é feita em tournées de caravana por todo o país, acompanhado por artistas como Elvis Presley (Tyler Hilton), Roy Orbison (Johnathan Rice), Jerry Lee Lewis (Waylon Payne) e uma conhecida cantora country, June Carter.
O argumento de Gil Dennis e James Mangold, baseado nas duas autobiografias de Cash, tenta fazer a viagem pelos “como” e “porquê” de Cash, mas a raiz dessas respostas reside na parte inicial do filme, que é exactamente a que tem menos tempo. Somos levados a correr pelo seu conflito com o pai na infância, a sua ida para a força aérea, a compra da primeira guitarra na Alemanha. Tudo é acelerado (possivelmente na mesa de montagem), para se poder chegar ao momento dos êxitos musicais reconhecíveis e à história de amor que move o filme.
Em “Walk the Line” os clichés abundam, mas a química de Phoenix e Wittherspoon e o seu empenho conseguem contorná-los. Os números musicais contam também a sua história (e quando dei por mim tinha o pé a marcar o tempo das músicas), ilustrando a relação de amor e admiração mútua entre uma mulher com um forte sentido de moral e um homem com uma história de comportamento auto-destrutivo. Ele criou canções de tristeza, culpa e redenção, ela deu-lhe a razão para ele não se deixar sucumbir aos seus demónios.
Johnny Cash era o rebelde de negro que cantava sobre cocaína, a vida na prisão, sobre matar um homem para o ver morrer, ou magoar-se a si mesmo para saber se conseguia sentir. Mas tudo o que fez, toda a sua vida foi o esforço de chamar a atenção da única pessoa a quem ele queria provar o seu valor: o seu pai.
Quanto às outras categorias todas, tenho as minhas dúvidas, mas se houvesse Oscar® para melhor cartaz, o meu voto ia para este:
CITAÇÕES:
“God said not to touch the apple. He didn't say have a nibble, He didn't say touch it every once in a while! He said "Don't. Touch. It." Don't think about touchin' it, don't sing about touchin' it, don't think about singing about touchin' it. Don't touch it!”
WAYLON MALLOY PAYNE (Jerry Lee Lewis)
“Director da prisão - Mr. Cash, please refrain from singing songs that would remind them that they're in prison.
Johnny Cash - You think they forgot?”
JAMES KEACH (Director da prisão) e JOAQUIM PHOENIX (Johnny Cash)
“Now you'll finally be able to sing your music without being a fake.”
ROBERT PATRICK (Ray Cash)
No passado domingo, dia 19, a British Academy of Film and Television Arts entregou os seus Orange British Academy Film Awards. Aqui fica o palmarés (vencedores a vermelho):
O prémio THE ORANGE RISING STAR AWARD, que vem substituir o ORANGE FILM OF THE YEAR, o único votado pelo público, foi atribuído a James McAvoy, que pudemos ver no papel de Mr.Tumnus no filme “As Crónicas de Narnia”. Os restantes candidatos eram Gael Garcia Bernal, Chiwetel Ejiofor, Rachel McAdams e Michelle Williams.
O prémio ACADEMY FELLOWSHIP foi atribuído a Lord Puttnam, produtor cinematográfico, e o MICHAEL BALCON AWARD PARA A MELHOR CONTRIBUIÇÃO BRITÂNICA PARA O CINEMA a Robert ‘Chuck’ Finch e Bill Merrell, a equipa de electricistas do filme “Harry Potter and the Goblet of Fire”, entre outros.
Realização: Mikael Håfström. Elenco: Clive Owen, Vincent Cassel, Jennifer Aniston, RZA, Giancarlo Esposito, Melissa George, Addison Timlin. Nacionalidade: EUA, 2005.
Charles Schine (Clive Owen) é um publicitário de Chicago casado com a bonita, mas ocupada, Deanna (Melissa George) e com uma filha doente. Há sete anos que eles poupam para um tratamento médico de Amy (Addison Timlin). Uma manhã, Deanna tira dinheiro da carteira de Charles e ele fica sem poder pagar o bilhete de comboio. Uma bela estranha, Lucinda Harris (Jennifer Aniston), paga os 9 dólares do bilhete de Charles, e assim tem início a atracção entre ambos. Mas, por este pecado, eles terão de pagar ainda em vida. La Roche (Vincent Cassel) tratará disso, com agressões e chantagens consecutivas.
O filme de Håfström lida com as consequências de um erro e de várias más decisões, daquelas que sabemos à partida que vão trazer problemas. Tem o suave moralismo do “fazer o que está correcto” que implica que todo e qualquer instinto deve ser recalcado, mas o que nos impele para continuar é o sadismo de ver até onde se pode descer para evitar enfrentar as consequências dos nossos actos.
Clive Owen tem capacidade de desenvolver e alcançar a evolução emocional que a sua personagem lhe exige. O mesmo não se pode dizer de Jennifer Aniston, que apesar de umas breves nuances iniciais, acaba por cair no seu irritante registo “Friends”. Além disso, a química entre ambos é tão completamente inexistente (sobretudo pela falta de sex appeal de Aniston) que é impossível acreditar neste affair. Apesar de tudo, tendo-a visto em “The Good Girl” (Miguel Arteta, 2002), ainda a espero ver tornar-se algo mais do que uma promessa. Mas quem realmente merece toda a cena em que pisa, é Vincent Cassel. Se um thriller depende de um bom herói (e Owen é um), depende na mesma medida de um bom vilão, e Cassel não podia ser melhor - pior, claro.
A história de “Derailed” é previsível, incluindo os twists, mas não deixa de cumprir o seu papel de entretenimento. O ritmo é adequado, e a realização competente, apesar de algumas falhas de argumento. Mas não fosse o elo fraco do casting de Aniston, e este poderia ter sido um filme bem melhor.
Da mesma forma que um “one-night stand”, este filme agarra-nos um pouco enquanto dura, mas será difícil recordá-lo na manhã seguinte.
FUTILIDADES:
Porque gosto muito deste senhor, e já não olhava insistentemente para ele desde “Sin City”, fica aqui uma foto.
Realização: Stephen Gaghan. Elenco: George Clooney, Christopher Plummer, Jeffrey Wright, Chris Cooper, Matt Damon, Amanda Peet, Mazhar Munir, Nicky Henson, Peter Gerety, Alexander Siddig, Amr Waked, William Hurt, Robert Foxworth, Daisy Tormé, Tim Blake Nelson, Akbar Kurtha, Nadim Sawalha, Mark Strong, Sonell Dadral. Nacionalidade: EUA, 2005.
“Syriana” é um filme complexo e ambíguo, cheio de duplicidades e interesses escusos. Tal como os meandros da indústria petrolífera internacional.
Bob Barnes (George Clooney) é um operacional da CIA que vende dois mísseis Stinger a um iraniano em Teerão. As companhias petrolíferas Connex e Killen preparam uma fusão que está a ser bloqueada pelo governo. A Connex está a perder para os chineses os seus direitos de exploração no Médio Oriente, enquanto a Killen, presidida pelo agressivo Jimmy Pope (Chris Cooper), adquiriu os direitos de acesso ao petróleo do Kazaquistão. Dean Whiting (Christopher Plummer) é um advogado de Washington com claros interesses em que esta fusão se concretize, e encarrega o jovem advogado Bennett Holiday (Jeffrey Wright) de descobrir e eliminar qualquer problema que possa servir de argumento ao governo para a impedir. Os chineses compram um poço de petróleo no Golfo Pérsico, despedindo parte dos seus trabalhadores, entre os quais os paquistaneses Wasim Khan (Mazhar Munir) e o seu pai. A única forma de arranjar trabalho é aprendendo árabe, por isso Arash inscreve-se com o amigo Farooq (Sonell Dadral) numa escola árabe, onde lhe ensinam também a fé muçulmana. Em Genebra, o analista financeiro Bryan Woodman (Matt Damon) torna-se consultor de um príncipe reformista (Alexander Siddig), pretenso herdeiro do trono de uma nação árabe.
Tudo isto em duas horas de filme!
Escrito e realizado por Stephen Gaghan, vencedor do Oscar pelo argumento de “Traffic” (2000), “Syriana” é um filme de ficção, mas parece real. A câmara move-se em ambiente quase documental, a imagem pouco tratada e os movimentos bruscos aproximam-nos daquele mundo. E o ideal, em termos de tempo, teria sido de facto meter tanta história e tantas personagens fantásticas num formato mais alargado. Cada segundo do filme é necessário, e o ritmo não abranda até ao final, mas ficamos também sem tempo para respirar ou digerir toda a informação que estamos a receber. Sem condescendência para o espectador, Gaghan não faz nenhuma explicação do que sucede, confiando que nós, ao longo do filme, iremos perceber a intricada rede em que se movem todas aquelas personagens. Mas um espectador mais preguiçoso terá de fazer um enorme esforço para ir ligando as diferentes histórias de “Syriana”, que, à semelhança de “Traffic”, acabam por coincidir num sentido final.
Mas quem consiga desenredar o novelo terá um entendimento mais profundo das complexidades que rodeiam a corrida pelo petróleo. Onde a extrema dependência americana do petróleo do Médio Oriente não só justifica todo o tipo de acções, como também condiciona a sua política externa. Com efeito, Syriana é um termo usado em Washington para descrever um Médio Oriente reformulado e reestruturado segundo a ideologia ocidental.
Com base no livro “See No Evil” de Robert Baer, um ex-operacional da CIA, Gaghan faz uma profunda reflexão sobre a nossa assustadora realidade. E a maior verdade deste filme é não oferecer soluções, pelo menos enquanto os poderes instituídos se mantiverem nos seus confortáveis e super-protegidos assentos. A mesma ambiguidade estende-se às personagens. Gaghan não as julga, porque cada uma delas está a ser impelida por forças superiores a elas mesmas, seguindo o seu instinto de sobrevivência.
Aliado a um bom argumento, estão grandes interpretações. George Clooney está muito bem (apesar - ou devido? - aos quilos a mais), e, se depois de “O Brother, Where Art Thou?” (2000) eu já desconfiava que ele era um actor, agora tive a confirmação. Mas é complicado neste tipo de filme atribuir-lhe tão claramente o papel principal. Confesso o meu apreço especial pelo sinuoso Jeffrey Wright, mas não posso deixar de mencionar um sinistro Christopher Plummer e Alexander Siddig como o Príncipe Nasir Al-Subaai.
Infelizmente, nada do que vemos no ecrã é verdadeiramente chocante ou surpreendente, apenas triste. Este é um filme sobre a impotência: impotência para combater as grandes empresas, impotência para reformar as rígidas monarquias do Médio Oriente, impotência para acreditar que os EUA almighty olhem alguma vez para lá do seu umbigo.
“Syriana” é um filme de ficção mais duro e poderoso pela falta dela.
NOTA PESSOAL:
Quando, depois deste filme, chego a casa e vejo a Secretária de Estado dos EUA dizer barbaridades com um sorriso cínico na cara e sei de um
relatório da ONU recomendando o encerramento da prisão de Guantanamo e que os americanos insistem estar feito com parcialidade, bem... o meu estômago revolve-se em ácidos e a minha crença de que algum dia o mundo irá encontrar o seu caminho fica um pouco mais ténue.
CITAÇÕES:
“Corruption charges. Corruption? Corruption ain't nothing more than government intrusion into market efficiencies in the form of regulation. That's Milton Friedman. He's got a god-damn Nobel Prize. We have laws against is precisely so we can get away with it. Corruption is our protection! Corruption is what keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are here in the white-hot center of things instead of fighting each other for scraps of meat out there in the streets. Corruption is how we win.”
TIM BLAKE NELSON (Danny Dalton)
“You want to know what the business world thinks of you? We think a hundred years ago you were living out here in tents in the desert chopping each others heads off, and that's exactly where you're gonna be in another hundred. So yes, on behalf of my firm, I accept your money.”
MATT DAMON (Bryan Woodman)
“Not guilty until being investigated.”
CHRISTOPHER PLUMMER (Dean Whiting)
A 3ª edição do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa, que terá lugar de 20 a 30 de Abril, irá homenagear quatro realizadores, no âmbito da secção Herói Independente: Michael Glawogger, Jay Rosenblatt, Nobuhiro Suwa e Edgar Pêra.
Este ano, além das salas do Fórum Lisboa e Cinemas King, também as duas salas do Cinema Londres estarão disponíveis, o que permitirá a exibição de cerca de 24 sessões diárias.
«Glawogger, aclamado realizador austríaco, é autor de extraordinários documentários, tais como o assombroso “Megacities” (já exibido em Portugal, com bastante êxito, num ciclo organizado pela Zero em Comportamento, no Cine 222), ou o seu último épico, “Workingman’s Death”, um objecto provocador que denuncia o trabalho que se faz em todo o mundo sob condições extremas. Poético e sensível, Michael Glawogger destaca-se pelo seu estilo único. “Slumming”, a mais recente longa de ficção do cineasta, vai ser exibida em antestreia mundial na secção competitiva da próxima edição do Festival de Berlim.
«Inteligente, clarividente, analítica, lírica e surreal. Estas são algumas das principais características da obra notável de Jay Rosenblatt, na sua maioria constituída por curtas-metragens experimentais a preto e branco, compostas a partir de filmes retirados de arquivos históricos, found footage e filmes educacionais do pós-Segunda Guerra Mundial, e que são colecções de reflexões perturbantes sobre a sociedade e as suas políticas. O IndieLisboa distinguiu o seu “Phantom Limb” no ano passado com o prémio Onda Curta.
«Já o realizador japonês Nobuhiro Suwa é o herdeiro oriental do cinema europeu. Se “H Story” parte da memória de “Hiroshima, Mon Amour” de Alain Resnais, o seu quarto e mais recente filme, “Un Couple Parfait”, evoca Antonioni, neste retrato de uma relação moribunda, com as devastadoras interpretações de Valeria Bruni-Tedeschi e Bruno Todeschini. Os filmes de Suwa nunca tiveram estreia comercial em Portugal, e esta será uma oportunidade única para o público português conhecer o seu belíssimo trabalho.
«Por fim, Edgar Pêra, o primeiro Herói Independente português a que o IndieLisboa presta homenagem. Com uma obra multi-facetada, experimental, descomprometida e inclassificável, Pêra trilhou um caminho caracterizado por uma profunda independência. Até hoje, num percurso que conta com um sem número de obras realizadas nos mais diversos formatos e suportes, apenas “A Janela - Maryalva Mix” contou com financiamento público. O realizador está a acabar o seu mais recente filme que o IndieLisboa apresentará em antestreia, num programa que irá passar em revista a sua obra.
«Além destes 4 programas de homenagem, o IndieLisboa, em colaboração com o Instituto do Cinema Sueco, vai organizar uma retrospectiva de 110 anos de curtas-metragens suecas, onde serão mostrados trabalhos de Ingmar Bergman, Jan Troell, Roy Andersson e Lukas Moodyson, entre outros.»
Realização: Ang Lee. Elenco: Heath Ledger, Jake Gyllenhaal, Michelle Williams, Anne Hathaway, Randy Quaid. Nacionalidade: EUA, 2005.
Este filme é uma experiência emocional e, como todas elas, dolorosa. A polémica em redor da temática homossexual é, a meu ver, completamente secundária e só serve para distrair do verdadeiro tema de “Brokeback Mountain”: de como o amor pode ser simultaneamente belo e destruidor.
Wyoming, EUA. Verão de 1963. Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) são contratados pelo rancheiro Joe Aguirre (Randy Quaid) para guardarem a suas ovelhas na Brokeback Mountain. O extrovertido Jack fica designado para dormir com os animas no alto da montanha, enquanto o pacato e taciturno Ennis (ajudado por um forte sotaque) fica encarregue do acampamento no vale. Durante estas semanas de isolamento a camaradagem cresce entre ambos. Até uma noite fria, regada com whisky, onde a partilha da tenda acorda uma atracção que já se insinuava.
Este encontro é marcado pela agressividade, que deriva sobretudo da negação do desejo e do sentimento. E Ang Lee filma tudo isto de uma forma tão honesta e real que somos levados de imediato para a espiral de inquietude de ambas as personagens.
No final desse Verão, a separação conduz Ennis para os braços da sua noiva Alma (Michelle Williams) e Jack de volta aos rodeios, para mais tarde também ele casar com Lureen Newsome (Anne Hathaway). A experiência dos sentimentos daquele Verão abala por completo a sua identidade, da negação à confrontação, e, anos mais tarde, o reencontro irá conduzi-los a uma vida dupla. Apenas Jack conseguirá de alguma forma aceitar este amor. Para Ennis esta será uma penosa luta. O segredo que partilham tem capacidade para destruir as suas vidas, as suas famílias e finalmente eles próprios.
Uma bem escrita adaptação do conto de Annie Proulx por Larry McMurtry e Diana Ossana, numa abordagem profunda, realizada com grande sensibilidade, e muito bem interpretada por dois grandes jovens actores, que capturam na perfeição as hesitações e estranhezas da sua situação, ainda que Heath Ledger seja quem de facto se destaca. As secundárias Michelle Williams e Anne Hathaway também não ficam atrás e, especialmente a primeira, tem momentos verdadeiramente intensos.
Tanto Ennis como Jack parecem deslocados dentro da sua própria pele, sofridos, e cheios de incertezas, em que o fatalismo de um contrasta grandemente com o optimismo e persistência do outro. Mas essas barreiras pessoais, tal como as externas, em vez de enfraquecerem o sentimento fortalecem-no. Mas, inevitavelmente, a insatisfação acaba por se acumular de uma forma dolorosa. Porque apesar dos breves momentos que passam juntos nenhum dos dois é verdadeiramente feliz. Simplesmente porque o amor em pequenas doses acaba por se tornar isso mesmo: pequeno.
Ang Lee filma com a calma necessária para que a história e as personagens se desenvolvam de uma forma credível. Sem chocar, não abdica nunca da veracidade e mostra o que tem de mostrar. Ang Lee não faz concessões, e não sufoca as suas personagens em camadas de insinuações. A vestir o filme está a música de Gustavo Santaoalla, e a dar-lhe forma a elegante fotografia de Rodrigo Prieto, especialmente nos exteriores.
A grande falha de “Brokeback Mountain” é a gestão de tempo. As elipses temporais pouco claras tornam complicado seguir o passar do tempo, sem ter de ser preciso olhar para as filhas de Ennis e ver que idade têm ou para os pêlos grisalhos nas patilhas de Jack. E “Brokeback Mountain” deveria ter terminado com o fechar do ciclo na própria Brokeback Mountain, uma cena antes do final.
Apesar disso, Ang Lee consegue aqui um filme comovente e trágico sobre a angústia de um amor que fica por viver. Um filme onde todos fogem ao confronto, com a verdade, com os sentimentos, com a infidelidade, com a sexualidade. Lee entende a importância do silêncio entre os dois homens, e filma-os com contenção e intimidade. Um filme também corajoso, sobretudo por ser feito no e sobre os Estados Unidos, um país preso num fervor religioso, onde está na moda odiar e descriminar.
Um aviso para os que insistem em resistir a este filme, devido a qualquer rótulo que lhe tenham colocado: o prejuízo é vosso.
CITAÇÕES:
“It could be like this, just like this, always.”
JAKE GYLLENHAAL (Jack Twist)
“There ain't never enough time, never enough...”
JAKE GYLLENHAAL (Jack Twist)
“Swear I didn't know we were gonna get into this again. Hell, yes I did, redlined it all the way, couldn't get here fast enough.”
JAKE GYLLENHAAL (Jack Twist)
“Tell you what. The truth is... sometimes I miss you so much I can hardly stand it.”
JAKE GYLLENHAAL (Jack Twist)
“I wish I knew how to quit you.”
JAKE GYLLENHAAL (Jack Twist)
“He was a friend of mine
He was a friend of mine
Every time I think about him now
Lord I just can't keep from cryin'
'Cause he was a friend of mine”
BOB DYLAN
Para quem insista em celebrar um dos dias mais consumistas do ano sugiro, em vez de algo enjoativamente romântico, um bom filme. Passeando pela barra da esquerda encontrei algumas boas alternativas aos corações vermelhos, às caixas de bombons e às rosas mortas.
“JAPANESE STORY”, de Sue Brooks
“BEFORE SUNSET”, de Richard Linklater
“JEUX D’ENFANTS”, de Yann Samuell
“ETERNAL SUNSHINE OF THE SPOTLESS MIND”, de Michel Gondry
“FERRO 3”, de Kim Ki-duk
E se precisam de desculpas, aproveitem este dia para pecar muito, que assim é que se celebra!
T.O.: Munich. Realização: Steven Spielberg. Elenco: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Geoffrey Rush, Mathieu Amalric, Michael Lonsdale, Ayelet Zurer, Moritz Bleibtreu, Valeria Bruni Tedeschi, Yvan Attal, Gila Almagor, Lynn Cohen. Nacionalidade: EUA, 2005.
Finalmente, acho que descobri o que me tem afastado de Steven Spielberg desde “A Lista de Schindler” (1993) e, antes disso, desde “O Império do Sol” (1987).
É indubitável a sua qualidade técnica como realizador, a sua mestria na manipulação de todas as regras cinematográficas, a sua direcção de actores (mesmo de um Tom Cruise) e a sua capacidade de oferecer finais felizes “a la E.T.” que têm o dom de tranquilizar (mesmo que por breves segundos) a maioria das pessoas sobre as suas próprias desgraças.
Mas o grosso da sua produção deixa-me, por norma, insatisfeita. E agora já sei porquê. É um problema de coração. Não um problema cardíaco, entenda-se. Mas daquele coração que é alma, espírito, entrega, compromisso, entendimento, aceitação, amor. À semelhança dos dois filmes que mencionei acima, também “Munique” é um ‘labour of love’. E isso nota-se, sente-se e aprecia-se imensamente.
É a pesquisa, a reconstrução histórica, os detalhes, as subtilezas e, sobretudo, a isenção de julgamentos que seduzem nesta recriação das acções que se seguiram ao sequestro e assassinato de onze atletas israelitas nas Olimpíadas de Munique em 1972.
Spielberg intercala a descrição dos acontecimentos perpetrados pelo grupo palestiniano Setembro Negro e as acções de um grupo de homens israelitas, liderado por Avner (Eric Bana) que, colocado propositadamente à margem da Mossad e com o aval da primeira-ministra Golda Meir (Lynn Cohen), tem por missão eliminar diversos líderes palestinianos suspeitos de estarem envolvidos no ataque.
O sentido de missão, da tal guerra apelidada de “santa” pelas diversas facções, só sobrevive com a rapidez das acções, com ordens autoritárias e precisas e, sobretudo, com o pensamento congelado por argumentos que anulam o ser humano, reduzindo-o a uma generalidade ambígua. E é quando o ser humano se confronta com outro ser humano que as certezas se abalam. Quando vemos que o que move um e outro, o que os faz lutar, o que os faz chorar, é exactamente o mesmo. E é nessa identificação que a arrogância e os consequentes actos de inominável crueldade só podem conduzir a um fim: a destruição (mútua e individual).
Como disse Ghandi, com a regra do “olho por olho, dente por dente, o mundo acabará cego”. E, se não tivermos cuidado, é isso mesmo que nos espera. Mas talvez antes, nos ceguemos a nós próprios, como Édipo movido pela culpa.
A guerra que Spielberg nos mostra não é a dos palestinianos contra os israelitas, mas a de um homem em luta consigo próprio, com os seus valores, com as sus crenças, com os seus deveres e, em última e mais cruel instância, com a sua consciência.
Eric Bana tem aqui uma interpretação memorável, de uma densidade e versatilidade impressionantes. A ajudá-lo está um elenco de excepção, onde apetece destacar o genial Geoffrey Rush, mas depois surgem colados os nomes de Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Mathieu Amalric e Michael Lonsdale. Confesso outra coisa que me agradou muitíssimo, o uso e abuso de um fantástico e diverso elenco europeu, onde além dos acima mencionados soube bem rever Moritz Bleibtreu, Valeria Bruni Tedeschi e Yvan Attal.
Com este produto de bom cinema, fica explicado (quase até desculpado) o “War of the Worlds”. Afinal de contas, o amor e a entrega só são possíveis se forem totais. Aqui deixo um agradecimento a Spielberg, por ter posto o seu coração no filme certo e se ter entregue desta maneira.
CITAÇÕES:
“Forget peace for now. We have to show them we're strong.”
LYNN COHEN (Golda Meir)
“We kill for our future. We kill for peace.”
GEOFFREY RUSH (Ephraim)
“I knew guys like you in the army. You do any terrifying thing you're asked to do, but you have to do it running. You think you can outrun your fears, your doubts. The only thing that really scares you guys is stillness.”
CIARÁN HINDS (Carl)
“Home is everything.”
OMAR METWALLY (Ali)
“That is our tragedy: butchers' hands, and gentle souls.”
MICHAEL LONSDALE (Papa)
“We are supposed to be righteous! I lose that, that's my soul!”
MATHIEU KASSOVITZ (Robert)
“All of this blood comes back to us.”
YVAN ATTAL (Tony)
“There’s no peace at the end of this.”
ERIC BANA (Avner)
Num período onde se concentram as estreias dos melhores filmes de 2005, não há como ir ver um filme destes para colocar tudo no seu devido lugar. E fazer-nos acreditar que afinal existem filmes perfeitos. Como “O Leopardo” de Luchinno Visconti.
por Sérgio
Realização: Laurence Dunmore. Elenco: Johnny Depp, Samantha Morton, John Malkovich, Rosamund Pike, Tom Hollander, Kelly Reilly, Jack Davenport, Richard Coyle, Rupert Friend. Nacionalidade: Reino Unido, 2004.
Londres. 1670. Um século antes, os Puritanos tinham calado o Shakespeare da Rainha Isabel. No século XVII, a Restauração trouxe de volta o profano, com ainda maior força. No teatro era o triunfo das comédias. John Wilmot, o Segundo Conde de Rochester é convidado pelo rei Carlos II a escrever uma peça que será apresentada a um dignitário estrangeiro. Mas o talento literário de Wilmot rivaliza de perto com a sua irreverência e depravação.
Avisando-nos desde o início, num monólogo magistral, que não quer que gostemos dele, Wilmot cria, automaticamente, em nós essa apetência. E depois, quando entramos na história, tudo quanto nos podia fazer desprezá-lo é atenuado perante o seu humor inteligente, a sua rebeldia quase adolescente, a sua paixão pela actriz Lizzie Barry (Samantha Morton), que ele decide orientar e transformar numa estrela, e, por fim, a sua degradação física.
Para além disto, o papel de Wilmot está feito à medida de Johnny Depp. E é impossível não valorizar a imensa dedicação deste actor às suas personagens e o seu valioso trabalho. Samantha Morton está sub-utilizada, mas John Malkovich, com o seu nariz, é arrepiante no papel de Carlos II. Nos secundários, o quarteto Rosamund Pike, Kelly Reilly, Tom Hollander e Rupert Friend, que repete a parceria de “Orgulho e Preconceito”, cumpre adequadamente a sua função.
A reconstituição histórica faz uma evocação realista da época, quer nos cenários, quer no guarda-roupa. Acompanhando a banda sonora de Michael Nyman, está a impressionante fotografia de Alexander Melman em castanhos e cinzentos, de fumo, nevoeiro e sombras, de estradas lamacentas e de uma escuridão iluminada por velas. Infelizmente, quem não for ver este filme ao cinema perderá esse impacto visual, dado que em vídeo será muito difícil que esta paleta resulte.
A falha mais marcante do filme, além do ritmo lento da segunda metade, prende-se com a falta de informação sobre as motivações que levam Wilmot a agir como age. E é muito complicado quando a melhor parte do filme é o seu início, volto a referir o monólogo. A partir daí tudo perde na comparação.
Fica também na retina a hilariante posta em cena da peça de Wilmot, “Sodom or The Quintessence of Debauchery”, considerada a primeira obra pornográfica impressa da literatura inglesa.
No meio de mulheres e bebida, Wilmot é um homem que perde a alma, o coração e, por fim, o corpo. Mas, mais do que isso, ele representa a liberdade pessoal, a liberdade de expressão e de criação artística. A estreia do realizador Laurence Dunmore, com o argumento que Stephen Jeffreys adaptou da sua própria peça, é um bom cartão de visita, sobretudo porque se evitou a moralidade aborrecida, que limitaria este filme a um aviso sobre uma vida desperdiçada, optando antes por um retrato da decadência, elegante e soturno.
TAGLINE:
“He didn’t resist temptation. He pursued it.”
CITAÇÕES:
“Allow me to be frank at the commencement. You will not like me. Ladies, an announcement. I am up for it all the time. I am John Wilmot, second Earl of Rochester, that is it. (...) This is my prologue, and I, do not want you, to like me.”
JOHNNY DEPP (John Wilmot)
“In my experience those who do not like you fall into two categories: the stupid and the envious.”
JOHNNY DEPP (Jonh Wilmot)
“John Wilmot - Did you miss me?
Jane - I missed the money.
John Wilmot - Good. I hate a whore with sentiment.”
JOHNNY DEPP (John Wilmot) e KELLY REILLY (Jane)
Realização: Darren Lynn Bousman. Elenco: Donnie Wahlberg, Shawnee Smith, Tobin Bell, Franky G, Glenn Plummer, Dina Meyer, Emmanuelle Vaugier, Beverley Mitchell, Erik Knudsen, Timothy Burd, Lyriq Bent, Noam Jenkins, Tony Nappo. Nacionalidade: EUA, 2005.
John ‘The Jigsaw Killer’ (Tobin Bell) está de volta no seu melhor. Ou antes, no seu pior. Inventando mais jogos mortais e testando a vontade se sobrevivência do ser humano. O detective Eric Mason (Donnie Wahlberg, alguém se lembra do irmão de Mark nos New Kids on the Block???) é chamado para a cena de um crime onde lhe foi deixada uma mensagem pessoal. Eric acaba por descobrir que o seu filho Daniel (Erik Knudsen) faz parte do novo plano de ‘Jigsaw’.
Fechado numa casa com sete outras pessoas, entre as quais um dealer, Xavier (Franky G), um sequestrador, Obi (Timothy Burd), e Amanda (Shawnee Smith), a sobrevivente do primeiro “Saw” (James Wan, 2004). Cada um é objecto de desafios personalizados, mas para sobreviverem terão de descobrir o que todos tem em comum. Para isso, têm duas horas, até o gás mortal que estão a respirar os matar. Suficiente quantidade de antídoto está escondida pela casa.
Partida, largada, fugida!
Assim se inicia um jogo sádico, onde a escolha das vítimas é entre a morte ou uma alternativa pior. À semelhança de “Cube” (Vincenzo Natali, 1997) ou mesmo “Identity” (James Mangold, 2003), “Saw II” vive da dinâmica criada entre um grupo de pessoas que vai juntando pedaços do seu passado, à medida que tentam construir o puzzle, e a eliminação dos outros, em vez do trabalho em equipa, torna-se uma solução legítima de sobrevivência.
Em comparação com o primeiro, este filme tem mais acção e mais tensão. A ameaça do gás é mais imperceptível na construção do medo, mas os desafios colocados tornam-no mais tangível. A imaginação e sobretudo o dinheiro e o tempo disponibilizado para este filme, marcam também a diferença. Ao contrário dos filmes de terror normais, aqui as vítimas não são inocentes ou estúpidas, há cenas verdadeiramente perturbadoras, para ver entre os dedos da mão e gritar “Não, estúpido, não faças isso!!!”.
Tobin Bell é arrepiante, como um novo Hannibal Lecter, astuto, inteligente e de sangue frio, e os seus jogos mentais com Mason não ficam atrás das célebres conversas de Lecter com Clarice Sterling.
Os pontos fracos: as personagens das vítimas são pouco interessantes, havendo algumas interpretações histriónicas; algumas delas acabam por não servir para revelar nada na história, o que questiona a razão da sua existência; uma das pistas dada no início demora demasiado tempo a ser entendida; e confesso que esperava que o jogo na casa se cingisse a um quarto fechado (ah, a claustrofobia...).
“Saw II” é um filme elaborado, lógico, coerente e assustador. E, para quem gosta de ver pessoas serem mortas de formas inteligentes e cruéis, preenche todos os requisitos. Questiono-me, não sem preocupação, o que nos (me) leva a gostar de ver estas coisas?
CITAÇÕES:
“Those who do not appreciate life do not deserve life.”
TOBIN BELL (John)
E é impressão minha ou os filmes sobre adolescentes problemáticos entre o geek e o cool sensíveis e com uma inteligência acima da média (e com banda sonora indie a condizer) estão a tornar-se um subgénero do cinema americano?
Na reportagem de ontem no Telejornal da RTP sobre os oscars destacava-se o facto de ser nomeado pela primeira vez para melhor filme “uma historia de amor entre dois cowboys” . De facto já era tempo de ser reconhecido pela academia esse verdadeiro subgénero do cinema americano que é o western gay.