Esta madrugada a Academy of Motion Picture Arts and Sciences entregou pela 77ª vez as estatuetas douradas. Com a validade relativa que têm e a discutível credibilidade que merecem, “the Oscar went to...”:
As boas surpresas que não esperava: Melhor Actor, Melhor Canção e Melhor Argumento Original.
E as más: Melhor Actriz, Melhor Filme de Animação e Melhor Fotografia.
Os asteriscos foram as minhas apostas.
Realização: Jean-Pierre Jeunet. Elenco: Audrey Tautou, Gaspard Ulliel, Dominique Pinon, Chantal Neuwirth, Ticky Holgado, André Dussollier, Jérôme Kircher, Albert Dupontel, Marion Cotillard, Jean-Pierre Darroussin, Jodie Foster, Dominique Bettenfeld, Clovis Cornillac, Denis Lavant, Jean-Paul Rouve, Michel Vuillermoz, Tchéky Karyo, Jean-Pierre Becker, Julie Depardieu, Jean-Claude Dreyfus. Nacionalidade: França / EUA, 2004.
A beleza e intensidade visual a que Jeunet nos tem habituado é mais uma vez a pedra de toque de um filme épico sobre o amor que é, ao mesmo tempo, um misterioso policial.
No final da Primeira Guerra Mundial em França, Mathilde (Tautou) recebe a notícia que o seu noivo, Manech (Ulliel) é um de cinco soldados condenados em tribunal-marcial e empurrados da trincheira aliada para a Terra de Ninguém, e para a morte. Mathilde recusa-se a acreditar que Manech possa ter falecido e inicia uma extraordinária viagem para deslindar os misteriosos factos que cercam a história e descobrir o que de facto aconteceu a Manech.
Numa busca incansável, comovente, por vezes cómica, Jeunet e o seu filme levam-nos numa odisseia romântica. Num hino ao coração que muitas vezes nos esquecemos de ouvir, este filme fala-nos de um amor que pode tudo, do mais belo ao mais terrível, um amor que consome a alma e passa a ser a razão da existência.
Uma multidão de personagens secundários obriga-nos a um esforço quase tão grande quanto a procura desesperada de Mathilde, para não perder o fio à história. A riqueza narrativa deste filme, baseado na obra de Sébastien Japrisot, só é comparável à riqueza das imagens. A fotografia de Bruno Delbonnel é tão cativante que quase dá vontade de calar os diálogos e baixar o volume da banda sonora de Badalamenti e ficar apenas a admirar o génio visionário.
Jeunet equilibra a comédia e o terror, o romance e a acção, os seus imensos cenários como telas e a intimidade das emoções que aborda. A construção em flashbacks, a montagem ágil, as imagens vívidas e uma densa narração (na voz doce de Florence Thomassin), reforçam a magia imaginária e colocam um peso acrescido à brutal realidade da guerra e da tragédia humana. A impressionante beleza das cenas de guerra torna-se quase mórbida pelo horror que descreve. Mas Jeunet sabe o que faz, e logo a seguir dá-nos a mais suave poesia, transformando o mundano em fábula.
Jeunet tem um profundo entendimento do cinema como um meio visual e tem a sorte de ter como “material” de trabalho Tautou, por quem a câmara tem uma paixão natural.
O momento em que Mathilde coloca a mão de Manech no seu peito na primeira noite de amor dos dois é de cortar a respiração. Tal como todo este filme. Que nos deixa com os olhos cheios de cores e texturas e a boca vazia de palavras.
CITAÇÕES:
“JÉRÔME KIRCHER (Bastoche) - Quando sorris, abres um parêntesis.
JODIE FOSTER (Elodie Gordes) - Só vou fechá-lo quando tiver de ser. Quando te fores embora.”
Martin Scorsese é considerado por muitos o maior cineasta americano vivo. E se este estatuto até pode ser contestado por muitos, já é quase unânime a consideração de que se trata do maior cineasta americano vivo que nunca ganhou um Oscar. A Academia sabe-o. Tem vergonha disso. E tem razão para o ter. Basta lembrar que em 1976 “Taxi Driver” perdeu para “Rocky”, que em 1980 “O Touro Enraivecido” perdeu para “Gente Normal” de Robert Redford, ou, mais recentemente em 1990, “Tudo Bons Rapazes” perdeu para “Danças com Lobos” de Kevin Costner.
De tempos a tempos (porque Scorsese apesar de realizar filmes a um bom ritmo, nunca foi um realizador académico e a maior parte dos seus filmes, independentemente da sua qualidade, não se adequa aos parâmetros que atribuem o estatuto de oscarizável a um filme, e por outro lado porque já tem um estatuto demasiado grande para ocupar o lugar de “independente de estimação” que anualmente tem lugar cativo nas nomeações, vide este ano “Sideways”) lá vai aparecendo uma nomeação de Scorsese para melhor realizador, e a conversa vai-se repetindo. Será desta?
Este ano foi um desses anos que deu origem a um filme oscarizável de Scorsese, “O Aviador”, uma biopic de estilo épico sobre Howard Hughes, retrato do sonho americano com zonas de sombra q.b. como se quer nos dias de hoje, e com o extra de reportar para Hollywood e os seus anos dourados da década de 40. De facto poder-se-á dizer que desde 1980 Scorsese não tinha uma hipótese tão grande de ganhar o tão desejado Oscar.
Porquê então o autor destas linhas acha que Scorsese não deveria recebê-lo este ano? A primeira razão é muito simples. Porque existe entre os nomeados pelo menos um filme que é muito melhor (mais concretamente “Million Dollar Baby”, que confirma Eastwood se não como o tal maior cineasta americano vivo, pelo menos como o cineasta americano em melhor forma no presente).
Resta o argumento de se ver a atribuição do Oscar a Scorsese como uma espécie de prémio de carreira. E também sobre este pressuposto não concordo com a sua atribuição. Não porque não concorde que a carreira de Scorsese o mereça (ainda que ache que o génio de Scorsese já anda por baixo há muitos anos, para mim o seu último grande filme foi o “Tudo Bons Rapazes”, de 1990) merece-o certamente mais do que a maioria daqueles que já o ganharam, e olhando para os palmarés dos últimos anos esse merecimento é ainda maior. Não porque minimize a importância dos Oscares, apesar de não os ver como mais do que os prémios com que uma indústria cinematográfica (mais concretamente Hollywood) se celebra a si própria, ainda assim vejo-os como o maior reconhecimento dessa comunidade para os seus membros e Scorsese, mesmo sendo um cineasta de Nova Iorque, faz parte dessa comunidade e esse reconhecimento, até pela sua dimensão mediática, tem muita importância.
Não concordo porque iria corrigir um erro (a não atribuição do Oscar no seu devido tempo em detrimento de um filme menor) por um erro idêntico (preterindo um filme, e um realizador, que neste momento o merece mais). Mas acima de tudo porque “O Aviador” não faz justiça à carreira de Scorsese. Não que se trate um mau filme (e a esse nível fica a muitas milhas de distância da desgraça que foi “Gangs de Nova Iorque”) mas porque não se trata de um grande filme. Porque deixa transparecer de Scorsese um academismo que não é o dele, porque não mostra o olhar inconformado e real sobre o tempo presente que os seus grandes filmes têm, porque não tem a sua marca indistinta que o transformou no tal maior realizador americano vivo. Porque um Oscar deixa marcas muito fortes para a posteridade, porque um Oscar para “O Aviador” irá valorizar em demasia (para memória futura) estes últimos anos de Scorsese e poderá enevoar a lembrança do período de 70/80 (que são indiscutivelmente os anos do grande Scorsese).
Resumindo, porque mais vale Scorsese ser lembrado como aquele grande realizador que nunca ganhou o Oscar, apesar de ter realizado obras-primas como o “Touro Enraivecido” ou “Taxi Driver”, do que como o realizador que ganhou o Oscar por ter realizado “O Aviador”.
por Sérgio
Realização: Jonathan Caouette. Elenco: Jonathan Caouette, Renee Leblanc, Adolph Davis, Rosemary Davis, David Sanin Paz. Nacionalidade: EUA, 2003.
A palavra “tarnation” significa o acto de amaldiçoar ou a condição de ser amaldiçoado, usada para expressar raiva ou aborrecimento, possivelmente derivada da composição da expressão “eternal damnation”.
2003. Jonathan descobre que a sua mãe esquizofrénica sofreu uma overdose da sua medicação de lítio. Este é o ponto de partida para uma expedição de 20 anos para desenterrar uma infância de violência, abandono, drogas e psicose. Caouette filma-se a si próprio neste relato pessoal de uma experiência de crescimento marcada por uma mãe, Renee, portadora de uma doença mental crónica e que, durante décadas, saltou de um hospital psiquiátrico para outro.
Renee foi uma modelo na sua juventude, antes de sofrer um acidente que a manteria paralisada durante 6 meses. Crentes de que era uma reacção psicossomática, os seus pais, avós de Jonathan, autorizaram o tratamento através de inúmeras sessões de choques eléctricos. Mais tarde descobriu-se que ela não tinha qualquer instabilidade mental antes do tratamento, mas o mesmo não se pode dizer depois.
Parte documentário, parte ficção, parte home movie e parte viagem alucinógena, Tarnation é um furacão psicadélico de fotografias, Super-8, mensagens de gravador telefónico, video-diários, curtas-metragens, e pedaços de cultura pop dos anos 80. A evolução técnica do material de suporte espelha a progressão da instabilidade mental de Renee e a progressão de Jonathan em lidar com a vida que lhe calhou em sorte.
No meio de perguntas que não se fazem e respostas que se evitam, Jonathan cresce através de encenações. A ficção parece ser a única forma de se ligar à realidade. Ou de se escapar dela. Com efeito, um dos dois momentos particularmente longos e violentos deste filme, mostra Jonathan com 11 anos, representando, com uma convicção impressionante, o papel de uma dona de casa agredida por um marido bêbado. O segundo, a filmagem distanciada de Renee, já após a overdose de lítio, num momento de demência interminável.
Em vez da narração, a história é contada em legendas, separando o protagonista do realizador, um pouco à semelhança da perturbação psicológica diagnosticada mais tarde a Jonathan: despersonalização, segundo a qual o mundo parece parte de um sonho e distante. Talvez por isso Tarnation, mais do que um relato de factos, seja uma montagem febril de traumas, memórias, sonhos e repressões, de cores carregadas e por vezes desfocados.
Caouette corta as imagens, roda-as, junta-as no ecrã, em duas, três, quatro, tinge-as e distorce o som, até que as caras que nelas aparecem deixem de se assemelhar a pessoas e se pareçam com demónios, os seus demónios. Mas Tarnation, mais do que uma tentativa de os expulsar, parece ser o caminho da aceitação. Sobretudo da aceitação do amor pela sua mãe, simultaneamente intrínseco e insuportável, marcado pelo grande medo que ele tem de se tornar como ela.
A fraqueza deste filme reside na marcada encenação de algumas cenas, pelo puro efeito dramático, que contrasta com a exaustiva recolha de todo o material de arquivo. Custa esquecermo-nos que não se trata de um documentário puro.
Um filme poderoso e desconcertante sobre o amor de um filho por uma mãe e a dor da impotência que sente para salvá-la. Chocante e cheio de compaixão, é efeitiçante a forma como nos agarra visualmente a uma história demasiado pessoal, como se fosse uma sessão de psicoterapia. Este filme tem o carácter magnético e escabroso de um acidente de carro, e não podemos evitar espreitar. É demasiado íntimo, demasiado sinistro e demasiado violento para se ver, mais é ainda mais difícil desviar o olhar.
POST SCRIPTUM:
P.S. 1 - John Cameron Mitchell (Hedwig, 2001) e Gus Van Sant (Elephant, 2003) foram co-produtores executivos desta experiência cinematográfica.
P.S. 2 - Não considerando a pós-produção e cópias, este filme, montado com o iMovie da Macintosh, custou cerca de $200 (aproximadamente 154 euros), o que nos faz acreditar que o cinema está cada vez mais dependente apenas das capacidades técnicas e da imaginação.
P.S. 3 - Pelo incómodo que me causou, não consigo dar mais nenhuma estrela.
T.O.: El Maquinista / The Machinist. Realização: Brad Anderson. Elenco: Christian Bale, Jennifer Jason Leigh, Aitana Sánchez-Gijón, John Sharian, Michael Ironside, Larry Gilliard, Reg E. Cathey, Anna Massey, Matthew Romero, Robert Long, Colin Stinton, Craig Stevenson.Nacionalidade: Espanha, 2004.
Trevor Reznik (Bale) é um operário fabril que não dorme há cerca de um ano. O seu peso, já de si diminuto, não pára de descer. Para cúmulo, está a ser perseguido e ameaçado por um colega de trabalho, Ivan (Sharian), que mais ninguém no trabalho parece conhecer. Entretanto, alguém tem estado a entrar em casa de Reznik, deixando-lhe recados no frigorífico, incluindo um enigmático jogo da forca. Simultaneamente, Reznik encontra-se regularmente com duas mulheres: Stevie (Leigh), uma prostituta, e Maria (Sánchez-Gijón), uma mãe que trabalha no café do aeroporto; que tentam, cada uma à sua maneira, salvá-lo de si mesmo.
A vida de Reznik torna-se cada vez mais bizarra e descontrolada, entre a paranóia e o extremo cansaço, e a hipótese de loucura começa de facto a tornar-se possível à medida que o fio da realidade se torna cada vez mais fino.
A luz sombria de O Maquinista lembra o The Ring (Gore Verbinski, 2002), com os seus cinzentos e azuis escuros que nos mantêm num nó angustiante ao longo de todo o filme. A imagem é escura, soturna e opressiva. Tal como um céu de tempestade carregado de nuvens, prestes a desintegrar-se. Tal como Reznik.
Este filme mergulha no mais profundo da alma humana, explorando os seus tormentos. Tira-nos a respiração, choca-nos e assenta-nos um murro bem no meio do estômago. Um film noir onde a tensão e confusão do personagem transpiram para o espectador, graças a uma realização atenciosa e uma interpretação fulminante.
Anderson tem o cuidado de não subestimar o público com twists fáceis, que normalmente vemos chegar à distância, mas deixando-nos cogitar uns momentos sobre as pistas que vão surgindo, para logo nos surpreender desvelando mais uma camada de memória. A manipulação subtil do tempo cronológico é também essencial para esta história, solidamente realizada.
Bale é brilhante e inquietante. O seu investimento neste papel materializou-se na perda de quase 30 quilos à base de uma lata de atum e uma maçã por dia, até ficar reduzido a uns míseros 55kg no seu 1,88m de altura (quilos entretanto recuperados, à conta de pizza e gelado, para o próximo Batman Begins, de Christopher Nolan). Mas este é só um ponto a acrescentar ao empenho e mestria na criação de um personagem à beira da sanidade. Bale torna-se, de facto, Reznik.
O Maquinista explora de uma forma contundente o efeito corrosivo, na mente e no corpo, do insustentável peso dos nossos erros.
CITAÇÕES:
“How do you wake up from a nightmare if you're not asleep?”
“JENNIFER JASON LEIGH (Stevie): Are you okay?
CHRISTIAN BALE (Trevor Reznik): Don't I look okay?
JENNIFER JASON LEIGH (Stevie): If you were any thinner, you wouldn't exist.”
Realização: Zach Braff. Elenco: Zach Braff, Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Ian Holm, Ron Leibman, Alex Burns, Ann Dowd, Ato Essandoh, Michael Weston. Nacionalidade: EUA, 2004.
Andrew ‘Large’ Largeman (Braff) viveu quase toda a sua vida com as emoções adormecidas em lítio, até que a trágica morte da sua mãe o levou a experimentar umas férias da medicação, receitada pelo seu próprio pai e psiquiatra Gideon (Holm), com quem raramente fala e de quem se distanciou bastante mais do que Los Angeles está de New Jersey (o “Garden State”), onde regressa após 9 anos de ausência.
O reencontro com os velhos amigos, que tomaram caminhos bastante diferentes do que a sua juventude fazia prever, é acompanhado pela constante fuga ao inevitável confronto com o seu pai. Entretanto, Large conhece Samantha (Portman), uma jovem mitómana diametralmente diferente dele. A sua vivacidade e a sua luta pela diferença opõem-se ao sonambulismo de Large. Enquanto este não consegue sequer derramar uma lágrima pela morte da mãe, Sam chora por ela sem a conhecer sequer. O carinho e o carácter intrépido de Sam serão a chave para que Andrew aprenda a sentir a alegria e a dor do abismo que é a vida.
Garden State é introspectivo e existencialista, melancólico e de laivos cómicos, que nos surpreende por uma rígida gestão dos momentos chave, fugindo ao óbvio. Com as hesitações e subtilezas da realidade, Braff cria situações credíveis, sem dramatismos teatrais. É interessante ver o simbolismo entre o passeio com Mark (Sarsgaard) e a viagem de descoberta pessoal que Large faz ao longo de todo o filme, como um ritual de passagem.
Braff realiza aqui a sua primeira longa-metragem, da qual também é argumentista e protagonista. Um filme honesto sobre a angústia social e emocional da geração Y, onde se equilibra a melancolia e a esperança. Com uma fluidez suave, todo o elenco contribui para uma eficaz sensação de desapego e de permanente insatisfação, na procura de um sentido para o mundo que os rodeia.
Garden State sugere que todos nos auto-medicamos de alguma forma, como medida de protecção contra a dor. Mas o que acaba por acontecer é que, com todas essas barreiras, a felicidade também fica fora do nosso alcance. E a vida acaba por ser um filme que vemos de fora.
Quem gostou de Ghost World ou Lost in Translation encontrará alguma empatia por esta história de um jovem que desperta para a vida e fica um pouco mais perto de “casa”: esse conceito ambíguo de conforto, paz e segurança. E chegando ao fim percebemos que essa “casa” não é um lugar, mas pessoas.
CITAÇÕES:
“You know that point in your life when you realize that the house that you grew up in isn't really your home anymore? All of the sudden even though you have some place where you can put your stuff that idea of home is gone. (...) You'll see when you move out it just sort of happens one day one day and it's just gone. And you can never get it back. It's like you get homesick for a place that doesn't exist. I mean it's like this right of passage, you know. You won't have this feeling again until you create a new idea of home for yourself, you know, for you kids, for the family you start, it's like a cycle or something. I miss the idea of it. Maybe that's all family really is. A group of people who miss the same imaginary place.”
ZACH BRAFF (Andrew Largeman)
“You know, this necklace makes me think of this totally random memory of my mother. I was a little kid, and I was crying for whatever reason. And she was cradling me, rocking me back and forth, and I can just remember the silver balls rolling around. And there was snot dripping all over my face. She offered me her sleeve and told me to blow my nose. I can can remember, even as a little kid, thinking to myself, «This is love... this is love.»”
ZACH BRAFF (Andrew Largeman)
“Of course you're all right. You're alive.”
RON LEIBMAN (Dr. Cohen)
“If you can't laugh at yourself, life is going to seem a whole lot longer than you'd like.”
NATALIE PORTMAN (Sam)
“I know it hurts. But it's life, and it's real. And sometimes it fucking hurts, but it's life, and it's pretty much all we got.”
NATALIE PORTMAN (Sam)
Sábado passado a British Academy of Film and Television Arts entregou os seus Orange British Academy Film Awards. Aqui ficam os vencedores e os restantes concorrentes:
O prémio ORANGE FILM OF THE YEAR, único votado pelo público, foi “Harry Potter and the Prisioner of Azkaban”, de Alfonso Cuarón.
Realização: Matthew Ryan Hoge. Elenco: Ryan Gosling, Don Cheadle, Chris Klein, Jena Malone, Lena Olin, Kevin Spacey, Michelle Williams, Martin Donovan, Ann Magnuson, Kerry Washington, Sherilyn Fenn, Matt Malloy, Michael Welch. Nacionalidade: EUA, 2003.
Leland (Gosling) acompanha Ryan (Welch), um jovem mentalmente retardado, até casa. Deveria ter sido Becky (Malone), irmã de Ryan e ex-namorada de Leland, a fazê-lo. No caminho para casa, Leland acaba por esfaquear Ryan até à morte. O crime envia-o para um centro de detenção, enquanto aguarda julgamento, ao mesmo tempo que envia Becky de volta ao seu fornecedor de heroína.
De regresso a casa, Leland apenas diz à sua mãe (Olin): “Acho que cometi um erro...”. A partir daqui todo o filme gira em torno da tentativa de entender esta tragédia, e de cada personagem enfrentar as consequências desta perda. No fundo, cada um deles, começando por Leland, terá que assumir a responsabilidade pelos seus actos. Esse processo começa na relação que Leland estabelece com o professor Pearl Madison (Cheadle) na prisão.
Na sua maneira calada e pensativa, Leland tem uma forma peculiar de ver o mundo, e a tentativa de Madison entender os motivos enigmáticos que o levaram a matar Ryan acaba por conduzir Madison a enfrentar as suas próprias decisões. Mas Madison é também um escritor frustrado e Leland é o material perfeito para o livro que ele sonha escrever.
O ambiente é de uma opressiva tristeza, uma distância emocional que apenas parece ser possível encurtar através de atitudes desesperadas. Por tudo isto, este não é um filme fácil, antes pelo contrário. As representações são extremamente contidas, nos actos e nas palavras. Felizmente, o elenco tem a qualidade expressiva necessária para nos transmitir todo o desespero que vivem interiormente, com um destaque especial para Gosling.
Lena Olin é poderosa no seu silêncio depressivo. E Spacey, no papel de Albert Fitzgerald, o pai ausente de Leland e um escritor de sucesso, frio e execrável, é tremendo, em especial na sequência em que discute com Cheadle sobre Leland.
O trabalho de realização de Hoge é detalhista, denotando a sua anterior experiência como professor num centro de detenção juvenil, sobretudo no que se refere à cumplicidade e camaradagem que subtilmente se desenvolve entre os detidos. O ponto fraco do argumento é a relação adúltera de Madison, desnecessária e sem um sentido claro.
United States of Leland é um país onde a felicidade é possível, onde a sociedade não é gratuitamente cruel. Esta é uma história de desafectos e solidão, da destruição infligida pelas pessoas umas às outras. É um filme melancólico sobre a dor da adolescência, vivida em silêncio e eternamente incompreendida.
CITAÇÕES:
“You want a why. Well, maybe there isn't one. Maybe... Maybe this is just something that happened.” RYAN GOSLING (Leland)
“TV Reporter: Why did you do it, Leland? RYAN GOSLING (Leland): Because of the sadness. TV Reporter: What sadness? Whose sadness? RYAN GOSLING (Leland): Your sadness.”
“DON CHEADLE (Pearl Madison): I'm only human. RYAN GOSLING (Leland): How come people only say that when they've done something wrong?”
Realização: Martin Scorsese. Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Kate Beckinsale, John C. Reilly, Alec Baldwin, Alan Alda, Ian Holm, Danny Huston, Gwen Stefani, Jude Law, Adam Scott, Matt Ross, Kelli Garner, Frances Conroy, Brent Spiner. Nacionalidade: EUA / Japão / Alemanha, 2004.
O Aviador é o excêntrico milionário industrial Howard Hughes (DiCaprio). Herdeiro de uma empresa de ferramentas petrolíferas, muda-se para Hollywood, onde a sua fama oscila entre os filmes que realiza e produz – por exemplo, Hell’s Angels (1930) e Scarface (1932) – e o seu envolvimento quase compulsivo com diversas das mais belas mulheres do cinema – Katharine Hupburn (Blanchett) e Ava Gardner (Beckinsdale) são apenas duas. Mas, situado entre os anos 1920s e os 1940s, o filme centra-se sobretudo no seu fascínio pela aviação, à qual dedica boa parte da sua fortuna, do seu tempo e da sua sanidade mental; e à sua luta contra as suas debilidades físicas como a surdez e as fobias relacionadas com a limpeza, incutidas desde cedo por uma mãe super-protectora, e culminando num comportamento obsessivo-compulsivo que o levou ao isolamento.
Eu não sou de blockbusters, mas tenho que dar o braço a torcer: O Aviador é um bom filme. Primeiro, porque Scorsese é um realizador de detalhes, um bom contador de histórias e um exímio director de actores. Segundo, porque tem uma riqueza visual e um ritmo quase musical entre o excesso da fama e o excesso da demência. Terceiro, por que é um biopic, apesar do meu desconhecimento quase completo do Howard Hughes real. Talvez seja por isso que vem o quarto, a história da ascensão e queda de um homem que hipotecou tudo por uma paixão. Quinto, a qualidade extrema do elenco.
Este é o melhor filme de DiCaprio, sem dúvida. Mas o estigma do “menino bonito” ainda lá está. Ao contrário de Johnny Depp, que conseguiu distanciar-se da sua beleza através de uma criteriosa escolha de papéis, DiCaprio tem sido menos ambicioso e arriscado, o que, pelo que vemos em O Aviador é uma pena, porque o potencial existe. Fiquei satisfeita por me ter conseguido abstrair do actor (e do preconceito) em boa parte do filme, em especial durante os momentos mentalmente mais perturbados de Hughes. Por favor, um dia destes alguém dê a DiCaprio um papel de psicopata!
O seu trabalho de representação é tanto mais impressionante quando consideramos que acompanha a bom passo a impressionante qualidade do restante elenco: desde uma corrosiva e sarcástica Katharine Hepburn, a uma Ava Gardner matadora, desde um implacável Juan Trippe (Baldwin) a um sensível Noah Dietrich (Reilly), desde um detestável Senador Brewster (Alda) a um delicioso Professor Fitz (Holm).
Se há algo mais fascinante que ver o glamour das estrelas, é acompanhar, com a indecente intimidade que apenas o cinema permite, o longo e tortuoso caminho até ao lado mais assustador do sonho – a loucura. O Aviador dá-nos isso com um equilíbrio, uma dignidade e uma consistência extremas.
No meu cepticismo, creio que o talentoso trabalho de Scorsese continuará a passar ao lado do prémio da academia. Felizmente, o público é bem mais inteligente que isso.
CITAÇÕES:
“LEONARDO DiCAPRIO (Howard Hughes) - You feel like a little adventure?
CATE BLANCHET (Katharine Hepburn) - Do your worst, Mr. Hughes.”
“LEONARDO DiCAPRIO (Howard Hughes) - Do you know those men? Do they work for me?
JOHN C. REILLY (Noah Dietrich) - Everybody works for you, Howard.”
“When I grow up, I will fly planes, make movies, and be the richest man in the world.”
LEONARDO DiCAPRIO (Howard Hughes)
Realização: Roger Michell. Elenco: Anne Reid, Daniel Craig, Steven Mackintosh, Cathryn Bradshaw, Anna Wilson-Jones, Peter Vaughan. Nacionalidade: Reino Unido, 2003.
“A Mãe” é um filme que nos mostra tão de perto as cruas necessidades da natureza humana, que, por vezes, quase desejamos poder desviar o olhar. Como um convencional drama familiar temos um pouco de amor, um pouco de tristeza e algumas duras verdades. Mas temos também o retrato de vidas que não podem ser redimidas. Temos o desmoronar de uma família à medida que cada um descobre novas verdades, sobre os outros e sobre si mesmo. E fica a dúvida: só conseguimos amar quem não conhecemos verdadeiramente?
Um casal de idade, May (Reid) e Toots (Vaughan) viaja até Londres para visitar os seus filhos Bobby (Mackintosh) – bem sucedido e sempre a correr entre o seu telemóvel e o trabalho; e Paula (Bradshaw) – escritora frustrada e mãe solteira. O desconforto dos filhos com os pais é notório: um misto de vergonha com obrigação.
Toots morre de um ataque cardíaco e May é incapaz de voltar para a sua antiga casa, decidindo ficar em Londres, onde, passando de um filho para outro, vai tratando da casa e fazendo de baby-sitter aos netos. Parece que o resto da sua vida está determinado e o seu papel bem definido.
O melhor amigo de Bobby, Darren (Craig), está a construir um anexo na sua casa. Simultaneamente, e apesar de ser casado e ter um filho autista, mantém uma relação com Paula, na qual ela deposita largas expectativas. Ao tentar dissuadir Paula dessa relação May vê-se arrebatada pelas suas emoções.
Ela está nos 60, ele nos 30. Ela é insegura quanto à forma de lidar com a sua paixão e o seu ciúme. Ele é infantil e revoltado. Mas este não é um filme sobre o amor que transcende idades. Mas sim sobre o papel que muitas vezes é desempenhado em detrimento da verdadeira pessoa, e como esta, na sua luta pela sobrevivência emocional se torna egoísta e patética. O ressentimento dos filhos para com a mãe, sobretudo a fúria devastadora e imperdoável de Paula, quando descobre a verdade, é também reflexo das limitações que May assumiu para si própria no papel de mãe de família.
O filme reflecte delicadamente a mudança de sensibilidade de May, a sua re-descoberta e abandono, emoldurando-a em umbrais de portas, janelas e espelhos, num jogo de tecidos brancos. E à medida que o sexo traz a May um novo brilho (a cena em que trauteia a música Space Oditty de David Bowie é, no mínimo, refrescante), o desespero que corrói Paula fá-la parecer tão idosa como a sua mãe. Mais do que uma forma de amor, o sexo é aqui usado como uma arma.
O argumento de Hanif Kureishi, também autor de “A Minha Bela Lavandaria” (Stephen Frears, 1985) e “Intimidade” (Patrice Chéreau, 2001), despe os seus personagens de todas as defesas, expondo os seus desejos e medos. Michell, realizador de “Notting Hill” (1999) e “Changing Lanes” (2002), mantém uma câmara austera, cuidadosa e paciente, deixando os personagens fazerem os seus caminhos à deriva até, eventualmente, colidirem. No final, no meio de tanto desespero e crueldade ficamos sem nenhum personagem do qual possamos verdadeiramente gostar.
Só nos resta a esperança de quando chegarmos à idade de May tenhamos pouco de que nos arrepender e tenhamos alguém que nos queira.
CITAÇÕES:
“We’ll all be like that one day... Nobody wanting us...”
DANIEL CRAIG (Darren)
“I imagined people getting less frightened as they got older.”
DANIEL CRAIG (Darren)
“I thought nobody would ever touch me again, apart from the undertaker.”
ANNE REID (May)
“What I'm interested in is minds. With sex, you are vulnerable and crazed and disrupted.”
HANIF KUREISHI, New York Times (23 Maio 2004)
DAVID BOWIE
Space Oddity