The Inner Life of Martin Frost *
Realização: Paul Auster. Elenco: David Thewlis, Irène Jacob , Michael Imperioli, Sophie Auster. Nacionalidade: Espanha / Portugal / França / EUA, 2007.
Antes de mais, quero dizer que aquela estrela está ali só para não pensarem que não vi o filme. Vi, vi, e não gostei. Por isso, instigo os fãs acérrimos do senhor Auster para pararem de ler aqui mesmo.
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Aos que continuam, juntem-se a mim no lamento. Gosto do senhor Auster-escritor, e apesar dele estar longe do meu top de escrita, gostei de tudo o que li dele (ainda que não tenha lido tudo o que escreveu, menos ainda o conto ‘The Inner Life of Martin Frost’, parte integrante do livro "The Book of Illusions"). A minha expectativa para este filme não era particularmente elevada. Se algo me puxava, era o talento interpretativo de David Thewlis (“All The Invisible Children”, “The New World”).
Apesar disso, consegui sair da sala no meio de gargalhadas de incredulidade perante o ridículo desta tentativa de fazer um filme (lamento não poder chamar-lhe mais do que isso). O estilo ostensivamente literário, onde a intrusiva má dicção da voice-over de Auster insiste em explicar cada desenvolvimento da pobre narrativa e que não deixa dúvidas quando a quem é na verdade esse Martin Frost, fez-me pensar no conceito de “audio-vídeo-livro”.
Martin Frost (David Thewlis) é um escritor que se retira para a casa de campo de um casal amigo (o próprio Auster aparece nas fotos) para escrever o seu próximo livro. A sua solidão e o seu silêncio são interrompidos por Claire (Irène Jacob), que diz ter sido convidada pela sua tia, a amiga de Frost, a aparecer lá por casa e decide aproveitar a oportunidade para trabalhar na sua tese de filosofia. Ambos fazem o acordo de não se atrapalharem mutuamente, mas a inevitável (!!!) atracção entre os dois não demora (mesmo nada!!!) a manifestar-se. Quando Frost finalmente põe em questão a identidade de Claire, já é tarde demais para fugir à paixão.
Aquilo que começa por ter alguns traços interessantes sobre o poder da imaginação e da inspiração no processo criativo, acaba por cair numa ridícula, inacreditável e inconsistente história de misticismo barato, onde o ‘eles’ incorpóreo e omnipotente parece ser o culpado de tudo. A temática filosófica contextualiza cansativas (e pretensiosas) citações sobre a subjectividade da realidade (caso ninguém tivesse ainda percebido do que tratava o filme). À mulher cabe-lhe o “típico” papel de elemento catalizador da criação, enquanto o homem interpreta o “habitual” ser inconsciente que se deixa facilmente manipular com favores sexuais (eu já tinha dito que este filme é um cliché de mau gosto?).
Parece que originalmente, o projecto de Auster era uma curta-metragem, o que significa que se teria perdido menos tempo, mas não a garantia de um melhor resultado. As personagens são (1) desinteressantes, (2) irritantes e (3) tão cativantes como uma varejeira. Auster ainda tenta introduzir um elemento cómico no canalizador/escritor Jim Fortunato (Michael Imperioli), o que se reflecte apenas no desperdício de mais um bom actor. Mas dar pouco material a actores de qualidade talvez tenha sido uma estratégia para fazer sobressair a sua filha Sophie Auster no papel de Anna, que, autorizada a cantar (desnecessariamente) e a fazer um monólogo (desnecessário), ganha um portfolio com o filme do papá (uma pena esta situação, porque do alto dos seus belos 20 anitos, a miúda até tem boa voz).
Eu não sei como é que Auster costuma escrever os seus livros, mas se “The Inner Life of Martin Frost” tem algo a ver com a realidade do seu processo criativo, não posso deixar de me surpreender com a boa qualidade da sua escrita. Também fiquei algo curiosa quanto ao umbigo do senhor, que deve ser bastante bonito, porque ele parece não conseguir tirar os olhos dele. A pluridisciplinaridade não é para todos, Sr. Auster. E a “trágica” experiência de “Lulu on the Bridge” (1997) deveria ter sido suficiente para provar que sozinho não vai lá. Vá, volte lá aos seus livros, que vamos tentar esquecer (mais) este episódio.
Mas para não pensarem que me tornei irremediavelmente ácida, dou uma nota positiva às boas referências artísticas de Auster, que usa o quadro L’Empire des Lumières de René Magritte como base da capa de um dos anteriores livros de Martin Frost.