Le Scaphandre et le Papillon *****
Realização: Julian Schnabel. Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Patrick Chesnais, Niels Arestrup, Olatz Lopez Garmendia, Jean-Pierre Cassel, Marina Hands, Max von Sydow, Isaach De Bankolé, Emma de Caunes. Nacionalidade: França / EUA, 2007.

Jean-Dominique Bauby era chefe de redacção da revista feminina Elle quando, a 8 de Dezembro de 1995, um acidente vascular cerebral o confinou, aos 44 anos, a uma cama, num estado apelidado de ‘locked-in syndrome’ e sem outro meio de comunicação com o exterior a não ser o seu olho esquerdo. Depois do desespero inicial, e sempre consciente, Bauby dá-se conta que ainda mantém a sua identidade intacta e, com ela, a sua divertida ironia e a sua imaginação.
A comunicação é feita piscando o olho: uma piscadela não sim e duas para não. Um alfabeto ordenado da letra mais utilizada na língua francesa para a menos é-lhe ditado e Bauby indica, piscando, quais as letras que pretende. Antes do acidente, Bauby tinha um contrato para a escrita de um livro, acordo que ele decide manter, assumindo a tarefa hercúlea de o escrever com a pálpebra. Com a ajuda da secretária Claude (Anne Consigny, “Je Ne Suis Pas La Pour Être Aimé”), Bauby escreve o livro que dá título ao filme. Uma letra, uma palavra, uma frase, um parágrafo, um texto, um livro, é este caminho que lhe dá forças cada dia, apesar da sua incapacidade.
Outro filme também centrado num homem imóvel e de vontade férrea foi “Mar Adentro”, de Alejandro Amenabar. É curioso observar como duas situações limite são enfrentadas de formas tão opostas. O escafandro e a borboleta são símbolos da prisão do corpo e da liberdade da mente de Bauby, e da sua luta interna contra a adversidade externa.
“Le Scaphandre et le Papillon” está brilhantemente filmado por Julian Schnabel, que nos seus anteriores filmes tinha também abordado dois outros criadores em luta: o pintor Basquiat, no filme homónimo, e o escritor Reinaldo Arenas, em “Before Night Falls”. Aqui ele adopta o ponto de vista (literal) de Bauby, imobilizando a câmara e deixando-nos ver apenas o que está dentro do seu campo de visão. À medida que o filme avança e Bauby se começa a libertar através do seu livro, também Schnabel alarga os seus movimentos e move-se em dois sentidos: (1) para dentro da mente de Bauby e da sua imaginação; (2) para fora dele e visto pelas pessoas mais próximas: os seus filhos, a mãe dos seus filhos (Emmanuelle Seigner, “La Vie en Rose”), a sua ortofonista (Marie-Josée Croze, “Ne Le Dis À Personne”), o seu amigo Laurent (Isaach De Bankolé, “Coffee and Cigarettes”), e o seu pai (Max von Sydow, “Intacto”).
O argumento de Ronald Harwood (premiado pelo guião de “The Pianist”) e a fotografia de Junusz Kaminski (“Munique”) traduzem o mundo interior de Bauby em palavras e imagens, naquela que é uma história de reaprendizagem e da humanidade na relação entre paciente e terapeutas. A montagem ágil serve a história e nunca é intrusiva na narrativa.
Mathieu Amalric (“Rois et Reine”) com uma extrema expressividade emocional (pelo seu rosto, pelo seu corpo e em especial pela sua voz) interpreta, de uma forma poderosa e sentida, mas sem sentimentalismos, um homem que, sem se mexer, ele faz a maior viagem da sua vida.
Mas é sem o humor de Bauby e sobretudo sem o seu cinismo que vale a pena perguntar: que razões podem existir para cada um de nós abdicar dessa viagem e de todas as emoções que ela nos proporciona?
