Kiss Kiss Bang Bang ****
Realização: Shane Black. Elenco: Robert Downey Jr., Val Kilmer, Michelle Monaghan, Corbin Bernsen. Nacionalidade: EUA, 2005.
Shane Black é o argumentista de “Lethal Weapon” (1987-1998) e “The Last Boy Scout” (1991), e isto não é para dissuadir ninguém de ver “Kiss Kiss, Bang Bang”. Antes pelo contrário. Apesar de um passado discutível, a primeira realização de Black é uma bela surpresa, um filme de extremo bom gosto, com óptimos diálogos, e que se delicia nos excessos de Hollywood.
Usando como base os policiais de Raymond Chandler (cada um dos capítulos do filme leva o nome de uma história do autor), Black conta a história de Harry Lockhart (Robert Downey Jr.), um ladrão de pequena monta que, ao fugir da polícia, entra numa sala de audições, fazendo uma interpretação emocionante. De um momento para o outro, está numa festa em Los Angeles, prestes a receber o papel que fará dele a próxima grande estrela de Hollywood. Para o seu trabalho de campo terá de acompanhar Gay Perry (Val Kilmer), um detective privado a sério, cuja alcunha “gay” não surgiu por acaso. Subitamente, eles encontram-se envolvidos numa série de misteriosos assassínios.
Em Los Angeles, Harry encontra a sua paixão de infância, Harmony Faith Lane (Michelle Monaghan), uma das muitas aspirantes que sonham com o êxito e que, ao fim de 15 anos de audições, tem apenas um anúncio de cervejas no curriculum. A paixão de Harmony pelas histórias de detectives de Jonny Gossamer, de que tanto gostava na sua infância, não desaparece quando também ela entra no meio de uma.
À semelhança de “Lethal Weapon” também este é um buddy-movie, com a vantagem de que existe muito mais química entre Downey Jr. e Kilmer do que alguma vez existiu entre Danny Glover e Mel Gibson. Cheio de coincidências e absurdos, com pessoas a morrerem abruptamente, os vivos mantendo-se vivos apenas por um fio, e as páginas virando-se indiferentes a tudo, este filme tem o mérito de nos envolver durante todo o passeio.
Harry Lockhart é, simultaneamente, protagonista e narrador desta história. E, se a sua personagem é cheia de defeitos, como narrador também deixa algo a desejar, interrompendo a história para voltar atrás e contar algo de que se esqueceu e dirigindo-se mais do que uma vez directamente ao espectador, nem sempre de forma mais elogiosa. Mas, em nenhum momento, estas interrupções são intrusivas, dada a inteligência com que são feitas.
Não fosse tudo o resto, este filme valeria a pena somente pela deliciosa e enérgica e interpretação de Robert Downey Jr., em grande forma e com uma naturalidade surpreendente, agarrado à única coisa que em Hollywood faz sentido: um bom argumento. Val Kilmer é totalmente convincente no seu charme gay e no seu sarcasmo, e é evidente o divertimento que foi fazer este filme. Michelle Monaghan não fica atrás destes dois pesos pesados, numa mistura de força, sentido de humor, desespero, perigo e sensualidade.
Black brinca com as regras dos filmes de acção, e é aqui que o passado está a seu favor, porque ele não só conhece todos os clichés, como os controla e manipula segundo os seus intentos, dando-nos uma visão cínica da cultura cinematográfica. Mais um olhar satírico ao seu próprio umbigo. Algo em que Hollywood se supera.
P.S. - Caso se façam a mesma pergunta que eu no final do filme, é Robert Downey Jr. que canta a canção “Broken”, do seu álbum de 2004, THE FUTURIST.
CITAÇÕES:
“HARMONY - Well, for starters, she's been fucked more times than she's had a hot meal. “Don't worry, I saw Lord of the Rings. I'm not going to end this 17 times.” “Thanks for coming, please stay for the end credits, if you're wondering who the best boy is, it's somebody's nephew, um, don't forget to validate your parking, and to all you good people in the Midwest, sorry we said fuck so much.”
HARRY - Yeah, I heard about that. It was neck-and-neck and then she skipped lunch.”
MICHELLE MONAGHAN (Harmony) e ROBERT DOWNEY JR. (Harry)
ROBERT DOWNEY JR. (Harry Lockhart)
VAL KILMER (Perry Van Shrike)