Gabrielle **
Realização: Patrice Chéreau. Elenco: Isabelle Huppert, Pascal Greggory, Claudia Coli, Thierry Hancisse, Chantal Neuwirth. Nacionalidade: Alemanha / França / Itália, 2005.

Eu gostei muito de “Intimité” (2001) e de “Son frère” (2003) e queria muito ter gostado de “Gabrielle”. Mas não consegui. Patrice Chéreau conseguiu fazer aqui um filme aborrecidíssimo, apesar de existirem algumas boas ideias.
1912. Jean Hervey (Pascal Greggory) e Gabrielle Hervey (Isabelle Huppert), casados há 10 anos, são os perfeitos anfitriões das noites da burguesia parisiense, organizando todas as quintas-feiras uma festa que reúne bem-pensantes e bem-falantes, numa competição acérrima com as melhores reuniões de sociedade.
Um dia, como todos, Jean regressa a casa depois de um dia de trabalho. A sua confortável rotina é perturbada pela carta deixada por Gabrielle anunciando-lhe que o abandona. Passadas umas horas, Gabrielle regressa a casa, e é este regresso (mais que o abandono) que provoca um verdadeiro cataclismo na vida do casal.
Com a adaptação do romance “O Regresso” de Joseph Conrad, Chéreau convida-nos a assistir à derrocada de um casal, a uma tentativa desesperada de voltar atrás e reconstruir. Uma relação que nunca foi de amor torna-se uma luta de recriminações onde se esmiúça a traição. Pela primeira vez, os sentimentos são despertados, e Jean e Gabrielle dão-se conta de que nunca se conheceram verdadeiramente. E mesmo agora, que falam um com outro, falam, sobretudo, de si mesmos.
Chéreau opta pelo teatral, por sombras verdes e luzes amarelas, por um ritmo que nos cansa. O uso estilístico do preto e branco, que parece de início remeter para momentos mais introspectivos de Jean, rapidamente se torna arbitrário. Os momentos dramáticos mais fluidos do filme são interrompidos por frases em letras garrafais, à moda do cinema mudo. “Gabrielle” é tão de época que dificilmente conseguimos uma leitura universal com a qual nos possamos identificar e envolver. Não se percebe a utilidade do papel da empregada Yvonne (Claudia Coli) e o excesso musical ao longo de todo o filme é verdadeiramente irritante.
Os próprios diálogos oscilam entre o cliché que é Jean (“Eu amava-a como um coleccionador ama uma bela escultura.”) e a forçada modernidade de Gabrielle (“A ideia do teu esperma dentro de mim é insuportável.”). Porque a sua vergonha não é a de ter fugido, mas a de ter regressado, de lhe ter faltado coragem para viver um amor que exigiria demasiado dela.
E todos estes problemas prejudicam a interpretação de dois bons actores. Isabelle Huppert é fria, impenetrável e frágil, mas Gabrielle tem problemas tão interiorizados que não conseguimos entendê-los. Do choque à negação, a quebra da identidade de Jean é claramente mostrada por Pascal Greggory.
Mas, pelo lado positivo, há três cenas que se destacam. O contraste entre a belíssima cena inicial, em que Jean regressa a casa, falando e olhando de frente para a câmara, e a final, em que ele se afasta em silêncio e apenas vemos as suas costas. E ainda a exímia filmagem da conversa entre os convidados na primeira festa, onde a câmara dança de um para outro, como se de um baile se tratasse.
É por esta capacidade de Chéreau de apanhar significados em pequenos detalhes, que custa tanto que o conjunto deste trabalho seja tão fraco. “Gabrielle” aflora um (des)equilíbrio, cruel e violento, entre verdades e mentiras, silêncio e palavras, onde se questiona se a coragem reside em permanecer ou fugir. Mas é só uma sombra do que poderia ter sido.
CITAÇÕES:
“Se tivesse sabido que me amava, não teria regressado...”
ISABELLE HUPPERT (Gabrielle)
“Não temos intimidade, mas também não precisamos.”
PASCAL GREGGORY (Jean)