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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

The Road To Guantanamo ****

05.09.06, Rita

Realização: Michael Winterbottom e Mat Whitecross. Elenco: Riz Ahmed, Farhad Harun, Waqar Siddiqui, Afran Usman, Shahid Iqbal, Ruhel Ahmed, Asif Iqbal, Shafiq Rasul. Nacionalidade: Reino Unido, 2006.





“The Road To Guantanamo”, Urso de Prata para Melhor Realizador na edição deste ano do Festival Internacional de Cinema de Berlim, conta a história verídica de três rapazes de Tipton, Inglaterra, que acabam presos na mais conhecida prisão de alta segurança do mundo, na baía de Guantanamo, Cuba, sob suspeita de terrorismo, e que acabaram por ser libertados e considerados inocentes de todas as acusações, sem um pedido de desculpas ou uma admissão de erro por parte das autoridades que efectuaram a sua detenção.


Em Outubro de 2001 - um mês depois do ataque ao World Trade Center - o jovem inglês de origem paquistanesa Asif Iqbal (Afran Usman) vai ao Paquistão para conhecer a sua futura esposa. Mais tarde, os amigos Ruhel Ahmed (Farhad Harun), Shafiq Rasul (Riz Ahmed) e Monir Ali (Waqar Siddiqui) juntam-se a ele em Karachi. Numa mesquita eles escutam os apelos para voluntários para ajudar os muçulmanos que estão a sofrer no Afeganistão. O bilhete de autocarro é barato, por isso, juntamente com o primo de Shafiq, Zahid (Shahid Iqbal), eles decidem ir ao país vizinho ver o que se passa, num misto de aventura e tentativa de auxílio.


Os quatro jovens, com idades compreendidas entre os 19 e os 23, acabam por encontrar o país no meio de um tumulto político, com os Taliban agarrados ao poder e as forças aliadas fazendo tudo ao seu alcance para derrubar o regime. Em Kabul, ao perceberem que não podem fazer nada para ajudar, decidem regressar ao Paquistão, mas o autocarro leva-os até às montanhas de Kabuz, onde são detidos pelas forças da Aliança do Norte e levados para a prisão de Sheberghan em camiões fechados, muitos morrem quando os soldados disparam sobre o camião, outros sufocam durante a noite.


Quando os soldados americanos descobrem que existem três ingleses entre os detidos, e na esperança de conseguirem obter inforações obre o paradeiro de Bin Laden, os amigos são conduzidos a um centro de detenção na base aérea de Kandahar e posteriormente transportados para a prisão de Guantanamo. Na secção de Camp X-Ray, eles são colocados em jaulas ao ar livre, Não estando autorizados a levantar-se ou a rezar, eles são acordados de hora em hora para a contagem, limitados a caminhar apenas 5 minutos por semana, são acorrentados em posições de extremo esforço, e colocados em isolamento.


Sem nunca terem sido formalmente acusados, estes jovens foram detidos durante dois anos, até o governo britânico, o maior aliado dos EUA na guerra contra o terrorismo, ter negociado a sua libertação.


Michael Winterbottom e Mat Whitecross contam esta história nas palavras dos intervenientes directos, misturando entrevistas com notícias e com a dramatização dos eventos feita por actores. Isto poderá gerar alguma confusão entre a versão dos jovens e os factos reais. Até porque a explicação das motivações destes jovens é consideravelmente fraca; vivendo em Inglaterra seria de esperara que eles tivessem uma mínima noção do que se estaria a passar no Afeganistão após os ataques de Setembro, a sua ingenuidade não deixa de levantar algumas dúvidas.


Mas mais do que fazer uma apreciação da (in)justiça desta detenção específica numa luta cega, em que os fins parecem justificar todos os meios, ”The Road To Guantanamo” serve como documento dos horrores sofridos pelos prisioneiros - inocentes ou culpados - nas mãos dos americanos, num estabelecimento prisional onde dos cerca de 500 presos apenas 10 foram objecto de acusação formal, mas nenhum foi submetido a julgamento ou considerado culpado do crime pelo qual está detido.


A prisão de Guantanamo foi criada em Cuba para evitar qualquer tipo de lei, se se localizasse nos Estados Unidos seria ilegal manter estes presos detidos. Este local é uma lacuna legal, e uma lacuna nos direitos humanos. As autoridades americanas recusam-se a autorizar a visita de qualquer delegação da ONU às instalações de Guantanamo. Segundo o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, “o tratamento [dos prisioneiros de guerra] é apropriado... [e] consistente com a Convenção de Genebra - na sua maior parte". E segundo o Presidente George Bush esta prisão foi estabelecida para “the really bad people" (ou ‘por’?).


Os investigadores mostram-se totalmente inaptos, o comportamento do pessoal militar é arbitrário e desumano. A ideia de “terrorista” parece existir apenas para justificar o ódio, o desprezo e a violência. E a tortura tem a capacidade de produzir, sem provas, as respostas que se querem ouvir. A ausência de transparência nestes processos não ajuda em nada o combate ao terrorismo. A semântica é igualmente usada como arma (à semelhança do conflito israelo-árabe): em vez de guerra ao Afeganistão diz-se “guerra ao terrorismo”, pois se estes fossem prisioneiros de guerra teriam de ser devolvidos ao seu país no final do conflito.


Para Winterbottom esta é a história de um grupo jovens, sem ponto de vista político. Até porque no relato vocalizado dos sobreviventes nada é dito num sentido acusatório. Mas esta luta de sobrevivência posiciona-se claramente contra o método. A justiça actual resulta de uma evolução de séculos, se não funciona há que modificá-la no sentido de uma maior eficácia. O caminho não é anular o ser humano e contorná-la para mostrar resultados, para justificar gastos exorbitantes em defesa, para sustentar uma indústria de armamento ou para ganhar eleições.


Como thriller político, “The Road To Guantanamo” é demasiado lento, como documento torna-se demasiado rápido para tudo aquilo que o espectador é forçado a digerir, e demasiado duro na crassa violação da Declaração de Direitos Humanos.


Prisioneiros são brutalmente abusados, uma placa na prisão de Guantanamo afirma a sua missão: "Honor bound to defend freedom". De quem é essa honra?, de quem é essa liberdade? Enquanto Guantanamo existir, eu não sentirei honra em ser humana, nem me sentirei livre.






CITAÇÕES:


“The treatment [of war prisoners] is proper ... [and] consistent with the Geneva Convention - for the most part.”
DONALD RUMSFELD

“Honor bound to defend freedom.”
(inscrição à entrada de Guantanamo)



























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