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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Klimt ***

10.07.06, Rita

Realização: Raoul Ruiz. Elenco: John Malkovich, Veronica Ferres, Saffron Burrows, Stephen Dillane, Paul Hilton, Sandra Ceccarelli, Karl Fischer, Irina Wanka, Antje Charlotte Sieglin, Nikolai Kinski. Nacionalidade: Áustria / França / Alemanha / Reino Unido, 2006.





Reconhecido em Paris e condenado na Viena natal pelo carácter provocativo das suas obras, o trabalho de Gustav Klimt (1862-1918) é uma celebração da mulher e do erotismo. O filme de Raoul Ruiz sobre este artista, mais do que um biopic tenta ser uma abordagem fiel à visão que o próprio Klimt tinha da Europa no final do século XIX, onde o erotismo da sua obra é contextualizado num tempo de liberdade sexual (e moral), e a sua luta pela emancipação face à arte oficial tem como pano de fundo um insinuante clima de anti-semitismo.


Em 1918 Gustav Klimt (John Malkovich) está às portas da morte. Numa visita do seu amigo Egon Schiele (Nikolai Kinsky) - considerado um sucessor de Klimt -, tem início um flashback até à Exposição Universal de 1900 em Paris, onde Klimt recebe o grande prémio e onde encontra o mágico do cinema Méliès, uma misteriosa dançarina (Saffron Burrows) e a opressiva figura do Secretário de Estado (Stephen Dillane) que segue Klimt como uma sombra.


Ruiz constrói esta história como um caleidoscópio, marcado pelo mistério e pela paixão. O jogo visual da câmara, as suas movimentações, a deslocação dos cenários, o uso da luz, deformam a realidade, assumindo-se como uma interpretação. Da mesma forma que o próprio trabalho de Klimt (“Não é um quadro, é uma alegoria.”), o filme debruça-se sobre a relação entre imagem e realidade, onde a dissimulação e o logro estão patentes.


O ecrã é uma tela onde Ruiz “pinta” eventos reais e faz uso de citações de contemporâneos de Klimt, expressando o temperamento efusivo e experimentalista deste precursor da Arte Nova através de símbolos (o “Secretário de Estado” surge como uma espécie de consciência sublimada).


Aos bons cenários e guarda-roupa, junta-se a fotografia de Ricardo Aronovich banhada em âmbar, que remete necessariamente para os trabalhos de Klimt. No entanto, o ritmo que se pretendia musical, sofre pelos cortes na sala de montagem, criando cortes abruptos na narrativa que deixam uma sensação desconcertante de desapego à história e ao seu herói.


Malkovich é a escolha óbvia para o papel, que representa sem falhas. Infelizmente, esta opção impôs a condicionante do idioma inglês, para prejuízo do próprio filme, que se enche de uma mescla de sotaques, que parecem ser inevitáveis neste tipo de produções europeias.


Apesar da força visual do filme, existe uma grande quantidade de diálogo (se compararmos com filmes como “Girl With a Pearl Earring” de Peter Webber, por exemplo), sobretudo no que toca a discussões de ordem filosófica. Mas é precisamente esta característica que melhor nos conduz ao tempo e espaço de um controverso artista, com uma obra única.