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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Gravehopping ****

06.06.06, Rita

T.O.: Odgrobadogroba. Realização: Jan Cvitkovič. Elenco: Gregor Baković, Drago Milinović, Sonja Savić, Mojca Fatur, Domen Remškar, Brane Grubar, Nataša Matjašec, Zoran Dževerdanović, Vlado Novak, Nada Žnidaršič. Nacionalidade: Eslovénia / Croácia, 2005.





A citação inicial do conto “Teddy” de J.D. Salinger insere esta produção esloveno-croata num contexto religioso, sobre a procura e a descoberta de Deus. A câmara sobe, à medida que ouvimos um discurso fúnebre. A imagem desloca-se de dentro de uma campa, acompanhada por uma banda filarmónica que toca a música “I Will Survive”. Este é o tom irónico que marca “Gravehopping”. O título original “Odgrobadogroba” é escrito sem espaços, a forma correcta seria “Od groba do groba” (seria pedir muito que o traduzissem para “Desepulturaemsepultura”?), porque é assim que se faz a vida, num contínuo entre pequenas “mortes”.


Pero (Gregor Baković, incrivelmente parecido com Gene Wilder) ganha a vida fazendo discursos fúnebres nos enterros que se realizam na sua pequena cidade eslovena e nas cidades vizinhas. Pero tem a particularidade de personalizar cada discurso de uma forma poética, filtrando a informação do defunto e não conseguindo evitar incluir desabafos, como por exemplo “Toda a gente quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer.”


Shooki (Drago Milinović) é obcecado pelo seu velho carro, o que não invalida que dê boleia ao seu melhor amigo, Pero, nos seus afazeres profissionais, ou o ajude a evitar as constantes tentativas de suicídio do pai de Pero, Dedo (Brane Grubar). Enquanto Pero tenta conquistar Renata (Mojca Fatur), Shooki partilha já uma especial relação com Ida (Sonja Savić), a irmã surda de Pero. A outra irmã, Vilma (Nataša Matjašec), debate-se com uma relação complicada com o pai do seu filho Johhny (Domen Remškar).


Jan Cvitkovič, que recebeu o ano passado um prémio na categoria de novos realizadores no Festival de Cinema de San Sebastian, rodeia todas estas personagens de uma falsa felicidade, onde o humor negro esconde a iminente tragédia de vidas que mais não procuram do que o amor.


É impossível não comparar a estética deste filme com a cinematografia de Kusturica. Da fotografia de cores quentes ao papel da música como efeito descongestionante (além de “I Will Survive”, há também a versão filarmónica de “Hands Up” e “Sex Bomb”), passando por uma forte vitalidade das personagens.


“Gravehopping” é eficaz na criação de um ambiente surreal (destaque para o plano final), mas revela uma grande dificuldade em lidar com a variedade de personagens, criando uma certa dispersão nos fios de narrativa, ficando alguns deles por concluir.


Mas através do contraste, muitas vezes surpreendente, entre comédia e drama, entre o riso e o silêncio perturbador, Jan Cvitkovič transmite o debate incoerente e desesperado entre a vida e a morte, onde nem sempre é clara a vantagem de uma alternativa em relação à outra. Como diz Renata: “A morte incomoda-me... Tal como a vida...”.


Se pelo menos fosse possível ter um pedaço de céu sem ser preciso morrer...






CITAÇÕES:


“I was six when I saw that everything was God, and my hair stood up, and all that," Teddy said. "It was on a Sunday, I remember. My sister was only a very tiny child then, and she was drinking her milk, and all of a sudden I saw that she was God and the milk was God. I mean, all she was doing was pouring God into God, if you know what I mean.”
in “TEDDY” de J. D. SALINGER