Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Mary ***

15.05.06, Rita

Realização: Abel Ferrara. Elenco: Juliette Binoche, Forest Whitaker, Matthew Modine, Heather Graham, Marion Cotillard, Stefania Rocca. Nacionalidade: Itália / França / EUA, 2005.





O filme com que Abel Ferrara venceu o Prémio Especial do Júri no passado ano em Veneza é bastante mais interessante pelas questões que levanta do que por aquilo que relata. “Mary” fala da procura espiritual de três personagens com distintas relações com a religião.


A CRENTE.
Marie Palesi (Juliette Binoche) recusa-se a regressar a Nova Iorque no final das filmagens de “This Is My Blood”, onde desempenhou o papel de Maria Madalena. Usando a sua personagem do ‘filme dentro do filme’ como inspiração, Marie vai para Jerusalém, movida por um chamamento de fé. Durante mais de um ano perde-se por Israel. Marie abandona amigos e posses em busca das raízes da religião.

O NÃO-CRENTE.
O realizador Tony Childress (Matthew Modine), é ambicioso e movido pelo lucro, indiferente à crise de Marie, ele regressa a Nova Iorque, onde, passado um ano se prepara para fazer o lançamento do seu filme. Mas “This Is My Blood” está rodeado de polémica. Na ocasião de um boicote à estreia e de uma ameaça de bomba, Tony está decidido a tornar-se um mártir pela liberdade de expressão e de criação.

O CÉPTICO.
Ted Younger (Forest Whitaker) é apresentador de um programa de televisão de debates sobre a vida de Cristo (num improvável horário de prime-time). Para ele a religião é retórica, conceitos e argumentos, com poucas repercussões na sua vida privada, entre compromissos profissionais e pessoais, dúvidas existenciais e relações conflituosas. Face à estreia de “This Is My Blood”, Ted decide convidar Tony e Marie para o seu programa.

O filme de Ferrara não prima pela credibilidade, estranhas coincidências permitem recursos dramáticos demasiado óbvios. A meio da negociação de um pacto mediático entre Ted e Tony, a sua limusina é apedrejada por um gang, numa clara referência a “quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. O «Go to Hell!» da mulher de Ted (Heather Graham) face à sua indiferença durante o período de gravidez lança, sem subtileza, o caminho descendente. Mais tarde, em simultâneo, as três personagens principais são confrontadas com a sua crise existencial, e a introspecção de última hora de Ted perante um trágico acontecimento dificilmente pode ser classificada de sincera redenção. A mensagem final parece andar à volta de “todos os pecados serão cobrados”. Mais uma vez a fé é vendida com o medo do castigo.


“Mary” vai intercalando a narrativa com imagens do filme “This Is My Blood” (filmado em Matera, Itália, também local de rodagem de “O Evangelho Segundo São Mateus” de Pasolini e de “A Paixão de Cristo” de Mel Gibson), ajudando à fusão de Marie e Maria Madalena. É também ela, Marie e a sua serenidade, a fonte de inspiração de Tony e Ted, em diferentes momentos. A todos eles parece estar a ser dada uma segunda oportunidade de vida.


O mundo do cinema e da televisão é aqui mostrado como uma amálgama de pecados, um símbolo do mundo moderno, onde a busca espiritual é marcada por uma forte e dolorosa inquietude. Os meios de comunicação são também mostrados na sua duplicidade: como forma de aproximar quem está longe, mas também de afastar através de mentiras e dissimulações.


Especialistas como Jean-Yves Leloup, Elaine Pagels e Amos Luzzatto, que investigaram o Evangelho de Maria Madalena, documento encontrado em 1945 no Egipto e negado pelo Vaticano, fazem a sua aparição como convidados do programa de Ted Younger. “Mary” retira muita da sua força destes debates, que lançam insidiosamente ideias para pensar. E depois há o elenco, todo ele poderoso: Juliette Binoche, Forest Whitaker, Matthew Modine, Heather Graham e Marion Cotillard.


Cada um verá em “Mary” o que quiser. Ferrara não avança grandes explicações. Mas entre o positivo e o negativo, Ferrara mostra-nos meios para procurar as respostas.