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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Syriana ****

17.02.06, Rita

Realização: Stephen Gaghan. Elenco: George Clooney, Christopher Plummer, Jeffrey Wright, Chris Cooper, Matt Damon, Amanda Peet, Mazhar Munir, Nicky Henson, Peter Gerety, Alexander Siddig, Amr Waked, William Hurt, Robert Foxworth, Daisy Tormé, Tim Blake Nelson, Akbar Kurtha, Nadim Sawalha, Mark Strong, Sonell Dadral. Nacionalidade: EUA, 2005.





“Syriana” é um filme complexo e ambíguo, cheio de duplicidades e interesses escusos. Tal como os meandros da indústria petrolífera internacional.


Bob Barnes (George Clooney) é um operacional da CIA que vende dois mísseis Stinger a um iraniano em Teerão. As companhias petrolíferas Connex e Killen preparam uma fusão que está a ser bloqueada pelo governo. A Connex está a perder para os chineses os seus direitos de exploração no Médio Oriente, enquanto a Killen, presidida pelo agressivo Jimmy Pope (Chris Cooper), adquiriu os direitos de acesso ao petróleo do Kazaquistão. Dean Whiting (Christopher Plummer) é um advogado de Washington com claros interesses em que esta fusão se concretize, e encarrega o jovem advogado Bennett Holiday (Jeffrey Wright) de descobrir e eliminar qualquer problema que possa servir de argumento ao governo para a impedir. Os chineses compram um poço de petróleo no Golfo Pérsico, despedindo parte dos seus trabalhadores, entre os quais os paquistaneses Wasim Khan (Mazhar Munir) e o seu pai. A única forma de arranjar trabalho é aprendendo árabe, por isso Arash inscreve-se com o amigo Farooq (Sonell Dadral) numa escola árabe, onde lhe ensinam também a fé muçulmana. Em Genebra, o analista financeiro Bryan Woodman (Matt Damon) torna-se consultor de um príncipe reformista (Alexander Siddig), pretenso herdeiro do trono de uma nação árabe.


Tudo isto em duas horas de filme!


Escrito e realizado por Stephen Gaghan, vencedor do Oscar pelo argumento de “Traffic” (2000), “Syriana” é um filme de ficção, mas parece real. A câmara move-se em ambiente quase documental, a imagem pouco tratada e os movimentos bruscos aproximam-nos daquele mundo. E o ideal, em termos de tempo, teria sido de facto meter tanta história e tantas personagens fantásticas num formato mais alargado. Cada segundo do filme é necessário, e o ritmo não abranda até ao final, mas ficamos também sem tempo para respirar ou digerir toda a informação que estamos a receber. Sem condescendência para o espectador, Gaghan não faz nenhuma explicação do que sucede, confiando que nós, ao longo do filme, iremos perceber a intricada rede em que se movem todas aquelas personagens. Mas um espectador mais preguiçoso terá de fazer um enorme esforço para ir ligando as diferentes histórias de “Syriana”, que, à semelhança de “Traffic”, acabam por coincidir num sentido final.


Mas quem consiga desenredar o novelo terá um entendimento mais profundo das complexidades que rodeiam a corrida pelo petróleo. Onde a extrema dependência americana do petróleo do Médio Oriente não só justifica todo o tipo de acções, como também condiciona a sua política externa. Com efeito, Syriana é um termo usado em Washington para descrever um Médio Oriente reformulado e reestruturado segundo a ideologia ocidental.


Com base no livro “See No Evil” de Robert Baer, um ex-operacional da CIA, Gaghan faz uma profunda reflexão sobre a nossa assustadora realidade. E a maior verdade deste filme é não oferecer soluções, pelo menos enquanto os poderes instituídos se mantiverem nos seus confortáveis e super-protegidos assentos. A mesma ambiguidade estende-se às personagens. Gaghan não as julga, porque cada uma delas está a ser impelida por forças superiores a elas mesmas, seguindo o seu instinto de sobrevivência.


Aliado a um bom argumento, estão grandes interpretações. George Clooney está muito bem (apesar - ou devido? - aos quilos a mais), e, se depois de “O Brother, Where Art Thou?” (2000) eu já desconfiava que ele era um actor, agora tive a confirmação. Mas é complicado neste tipo de filme atribuir-lhe tão claramente o papel principal. Confesso o meu apreço especial pelo sinuoso Jeffrey Wright, mas não posso deixar de mencionar um sinistro Christopher Plummer e Alexander Siddig como o Príncipe Nasir Al-Subaai.


Infelizmente, nada do que vemos no ecrã é verdadeiramente chocante ou surpreendente, apenas triste. Este é um filme sobre a impotência: impotência para combater as grandes empresas, impotência para reformar as rígidas monarquias do Médio Oriente, impotência para acreditar que os EUA almighty olhem alguma vez para lá do seu umbigo.


“Syriana” é um filme de ficção mais duro e poderoso pela falta dela.



NOTA PESSOAL:
Quando, depois deste filme, chego a casa e vejo a Secretária de Estado dos EUA dizer barbaridades com um sorriso cínico na cara e sei de um relatório da ONU recomendando o encerramento da prisão de Guantanamo e que os americanos insistem estar feito com parcialidade, bem... o meu estômago revolve-se em ácidos e a minha crença de que algum dia o mundo irá encontrar o seu caminho fica um pouco mais ténue.





CITAÇÕES:


“Corruption charges. Corruption? Corruption ain't nothing more than government intrusion into market efficiencies in the form of regulation. That's Milton Friedman. He's got a god-damn Nobel Prize. We have laws against is precisely so we can get away with it. Corruption is our protection! Corruption is what keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are here in the white-hot center of things instead of fighting each other for scraps of meat out there in the streets. Corruption is how we win.”
TIM BLAKE NELSON (Danny Dalton)

“You want to know what the business world thinks of you? We think a hundred years ago you were living out here in tents in the desert chopping each others heads off, and that's exactly where you're gonna be in another hundred. So yes, on behalf of my firm, I accept your money.”
MATT DAMON (Bryan Woodman)


“Not guilty until being investigated.”
CHRISTOPHER PLUMMER (Dean Whiting)