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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

American Splendor *****

06.08.04, Rita

Realização: Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Elenco: Paul Giamatti, Hope Davis, James Urbaniak, Judah Friedlander. Nacionalidade: EUA, 2003.





American Splendor, a banda desenhada underground dos anos 70 da autoria de Harvey Pekar, retrata, ao contrário do que nome indica, a vida quotidiana do seu autor, na grande maioria das vezes absurdamente monótona, onde tem oportunidade de exorcizar os seus fantasmas, frustrações e complexos, falar dos seus amigos, da sua mulher, do seu trabalho como arquivista num hospital de Cleveland, EUA, da sua colecção de discos de jazz comprados em feiras da ladra, da sua luta contra o cancro.


Em vez de defender o país de um inimigo com super-poderes, este (anti-)herói pode ver-se a braços com a guerra feroz que é a escolha do detergente de roupa correcto.


É a inveja pelo sucesso de um amigo ilustrador, Robert Crumb (James Urbaniak), que leva Pekar a querer também ele a sua fatia. Opta pelo tema que lhe está mais próximo, ele mesmo. A sua inaptidão para o desenho leva-o a procurar a colaboração de diversos ilustradores do meio, incluindo Crumb, o que faz com que a sua própria imagem varie consoante quem o desenha.


A Pekar reúnem-se os diversos personagens da sua vida real. É inevitável buscar a ficção no meio do surrealismo com que cada personagem nos defronta, e é surpreendente quando nos damos conta de que nenhum deles é ficcional, por mais incríveis que possam parecer: desde os comentários impulsivos da namorada Joyce (Hope Davis), à política pró-Nerd do amigo Toby (Judah Friedlander).


A tradução da linguagem BD para o cinema é aqui obtida pelo recurso a diversos códigos visuais que fazem a ligação entre actores e personagens, entre o filme e o documentário. A visão de Pekar sobre ele mesmo (BD) é substituída por uma combinação da visão de Pekar sobre a sua representação (Giamatti) com a visão que a dupla de realizadores/documentaristas nos dá sobre Pekar.


Harvey Pekar é a personagem, Paul Giamatti o actor. A disputa de protagonismo entre um e outro torna este filme um perfeito reflexo da luta de consciência entre o que foi o passado (representado pelo actor) e aquilo que hoje se pensa sobre esse mesmo passado (representado pelo próprio).


Pekar é uma caricatura dele mesmo, com uma ironia sombria e um sentido de humor ácido que põe em cheque os tão bem defendidos valores do “american way of life”. Pekar comenta a história, criticando, defendendo, justificando, mas, no fim, é patente a resignação de se ter feito o melhor que se podia.




CITAÇÕES:


“Ordinary life is pretty complex stuff.”
PAUL GIAMATTI (Harvey Pekar)

“I think we should skip the whole courtship thing and just get married.”
HOPE DAVIS (Joyce Brabner)

“You might want to try believing in something bigger than yourself. It might cheer you up.”
JUDAH FRIEDLANDER (Toby Radloff)