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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Te Doy Mis Ojos *****

20.08.04, Rita

Realização: Icíar Bollaín. Elenco: Laia Marull, Luis Tosar, Candela Peña, Rosa María Sardá. Nacionalidade: Espanha, 2003.





Dou-te Os Meus Olhos é uma prenda: a que Pilar (Laia Marull) dá a António (Luis Tosar) num dos seus jogos românticos, e a que Icíar Bollaín nos oferece. A primeira cena, quando Pilar sai de casa com o filho, em fuga aos maus tratos do marido e se esquece de calçar os sapatos, começa desde logo a justificar o êxito nos Prémios Goya deste ano (Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Actriz, Melhor Actor, Melhor Actriz Secundária–Candela Peña como Ana, Melhor Argumento Original e Melhor Som).


O tema da violência doméstica sobre a mulher pode ter abordagens mais ou menos realistas, mas onde, com frequência, se cai no excesso visual e na fácil culpabilização. Este filme tem o mérito de nos mostrar o pior e mais difícil lado deste processo, o psicológico. A perda da auto-estima, da individualidade e da liberdade (de pensar, de sentir), em que o amor (ou a única forma que se consegue identificar como tal) justifica todos os sacrifícios e tentativas, onde se perde a noção da profundidade do poço em que se caiu e só se ouve o eco que insiste em repetir que aquilo é o melhor que se pode ter. Como diz a personagem de Rosa María Sardá: “Uma mulher nunca está melhor sozinha.”


Mas Icíar Bollain mostra-nos também o lado da consciência masculina de um estado de doença/demência, onde o esforço de cura é constantemente frustrado por inseguranças e medos. Onde a crueldade convive lado a lado com a ternura, onde a sensibilidade e o carinho são sufocados pela obsessão.


Há cenas verdadeiramente marcantes: os olhos trasbordantes de Pilar num crescendo de medo, o corpo agitado em tremores de pavor, a incontinência da vergonha. Um ódio ao carrasco vai crescendo no espectador, mas, felizmente, o realizador não nos deixa ir assim para casa. Durante todo o filme passamos por diversas fases na aprendizagem das personagens, a sua condição humana e, se não a sua aceitação, pelo menos a sua compreensão.


Laia Marull é belíssima: frágil, forte, revoltada, conformada, vulgar, sensual, inteligente, estúpida, sonhadora, lutadora. Da mesma forma, Luis Tosar é agressivo, carinhoso, revoltante, sedutor, lutador, frustrado. Ela e ele são, simultaneamente, todas as mulheres e todos os homens. Porque todos temos em nós o potencial para o melhor e para o pior, só há que escolher. Mas por vezes é a vida que nos impõe o caminho sem nos dar sapatos para o percorrer. E temos que aprender a amar e a amar-nos.