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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Triple Agent ****

25.08.04, Rita

Realização: Éric Rohmer. Elenco: Serge Renko, Katerina Didaskalou. Nacionalidade: França / Grécia / Itália / Rússia / Espanha, 2004.






"Paris ultrajada, Paris prostrada, Paris martirizada, mas Paris libertada". Foram as palavras do oficial francês Charles De Gaulle no dia 25 de Agosto de 1944. Há precisamente 60 anos a cidade de Paris libertou-se de uma ocupação nazi, que se tinha feito sem contestação e sem luta.


Há precisamente umas horas atrás vi o filme “Agente Triplo”, de Eric Rohmer, que inicia a sua acção na Paris de 1936 e nos transporta para uma história ficcional, baseada livremente em factos reais, sobre espionagem e contra-espionagem. Com um humor deliciosamente elaborado, um texto eximiamente escrito e interpretações soberbas de Serge Renko e Katerina Didaskalou.


Em 1936, após a Revolução bolchevista, Fiodor (Renko), general do exército tsarista, refugia-se em Paris com a sua esposa Arsinoé (Didaskalou), pintora de origem grega. Membro de uma associação de antigos oficiais russos “brancos”, dedica-se igualmente a actividades secretas. Em frequentes viagens a destinos camuflados, deixa a sua mulher abandonada aos seus pincéis e às suas dúvidas e tormentos, tentando preencher as lacunas das meias-verdades que Fiodor lhe dá.


Dada a sua condescendência com algumas atitudes de esquerda, Fiodor é, em dado momento, considerado simpatizante comunista e, em resultado da sua tentativa de angariar fundos para financiamento da sua organização junto dos alemães, faz com que a possibilidade de conluio com os nazis entre também nas conjecturas. As suposições são tanto mais possíveis quanto ridículas, pois o jogo da verdade e da mentira ganha com as improbabilidades. No meio deste cenário de tripla espionagem, e imerso num mar de informação, Fiodor esforça-se por dissimular a verdade, talvez até com a própria verdade.


Rohmer substitui a acção pela palavra, semeando a desordem e o equívoco. Ao espectador é dado saber apenas aquilo que Fiodor entende dar a conhecer da sua vida secreta, e a nossa ignorância é o verdadeiro motor do filme e da intriga. Os silêncios, as duplas interpretações, levam a um conjunto de verdades possíveis que tentamos ajustar numa lógica imposta pela racionalidade. Esta é também uma história de amor, onde o silêncio se torna o que de melhor se tem para oferecer, quando a alternativa é a mentira.


Uma história de espiões, um conto moral sobre a mentira, o olhar sobre uma época, “Agente Triplo” evoca o destino trágico de um casal perturbado pelos revezes da História. Um belo filme, apesar das pontas soltas que, tal como na realidade, não fecham o ciclo. Mas, também tal como a realidade de há 60 anos, nos dão a liberdade de o fazer.




CITAÇÕES:


“Il est plus facile dire la verité que de mentire. Car ne nous crois pas. Tu ne me crois pas?”
SERGE RENKO (Fiodor Alexandrovich)