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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Dobragem VS. Legendagem

10.12.04, Rita


Para o comum português a simples ideia de ir ver um filme dobrado é quase abjecta. Johnny Depp falando um português correcto nos Piratas das Caraíbas transformaria o divertido personagem Jack Sparrow em ridículo. Robert de Niro em Taxi Driver dizendo ao espelho “Estás a falar comigo?” com um sotaque lisboeta, retiraria toda a credibilidade ao seu papel. Como portuguesa de nascimento e educação partilho desta opinião.


No entanto, acasos da vida levaram-me a partilhar largos meses da minha existência no nosso país vizinho. Dada a minha aguda dependência por cinema, não poderia ter sobrevivido se não tivesse optado por abrir o meu espírito ao “maravilhoso” mundo da dobragem.


Na cidade onde estive, apenas um cinema se atrevia a passar as versões originais. O que acontece é que na maioria das vezes projectavam filmes espanhóis... Daí que tive, forçosamente, que ouvir toda a Europa e metade de Hollywood a falar correctamente a língua de Cervantes (exceptuando, claro, todos os filmes aos quais até no estrangeiro me recuso a ver, por isso Schwarzenegger continua a ter o seu “AIL BI BÁQUE!” intacto).


As primeiras dez vezes custam um bocadinho, especialmente devido às risadas incontroláveis. Das dez às vinte começamos a notar o fantástico trabalho de dobragem que a indústria espanhola desenvolveu. Bem longe das nossas queridas novelas venezuelanas dobradas em brasileiro, os filmes espanhóis sincronizam de tal maneira as palavras aos movimentos labiais dos actores, que a partir da vigésima “película” começamos a acreditar que Antonio Banderas é espanhol.


Aproveitei os feriados de Dezembro para fazer um regresso à cidade que há quatro (quatro!) anos atrás me acolheu, e durante uma semana e meia fui seis (seis!) vezes ao cinema. Obras que serão, a seu tempo, objecto de uma análise mais detalhada, assim que os compromissos profissionais me permitam um respiro.


De salientar a grande desilusão do filme La Niña Santa, de Lucrecia Martel, que tinha perdido no IndieLISBOA; a agradável surpresa de Luna de Avellaneda, de Juan José Campanella (o realizador argentino de O Filho da Noiva); e o fabuloso Mar Adentro, de Alejandro Amenábar, que justifica perfeitamente a sua proposta pela Academia Espanhola para os Oscar (Pedro Almodóvar ainda se chora pelo seu belo Mala Educación ter sido preterido). Javier Bardem tem aqui de novo, após o precedente de Before Night Falls, de Julian Schnabel, uma interpretação digna de uma nomeação para a estatueta dourada (se é que isso vale de alguma coisa...).


Aproveitando que as distribuidoras privilegiam o mercado espanhol ao nosso, adiantei-me e vi também o Being Julia, de István Szabó, com uma óptima interpretação de Annette Bening; e o mais recente e refrescante “filho” de Woody Allen, Melinda e Melinda.


Devo dizer-vos que Jeremy Irons é tão “british” como eu: aquele sotaque não engana niguém... Andaluzia disfarçada, com os “Ss” metidos à pressão. E o leque de actores que Woody Allen reuniu, certamente que se juntava nos intervalos das filmagens a beber gaspacho em copo alto com duas pedras de gelo e a comer uma boa paelha valenciana.


Isto tudo para dizer que a força do cinema é mais poderosa que os nossos (deveria talvez falar apenas pelos meus) preconceitos.
Nossos, portugueses, que recusamos o talento de uma boa tradução. Quantos de nós lêem livros nas versões originais? O que teria ficado por descobrir se nos limitássemos dessa forma? Süskind? Calvino? Eco?
Nossos, espanhóis, que apenas conseguem digerir aquilo que lhes é dado sem terem de esforçar o cérebro, por uma cultura demasiado narcisista, que os impede de ser mais receptivos ao mundo.


Em contrapartida, a permeabilidade portuguesa é tão grande, que a cultura nacional fica sempre relegada para um plano inferior. É deprimente uma sociedade surpreender-se com a qualidade da sua produção. Como nos surpreendemos com um filho, em quem nunca investimos e de quem nunca esperámos grandes feitos.


Em relação ao cinema português faço aqui um MEA CULPA, confessando o meu cepticismo e o meu reduzido esforço para arriscar. Mas continuarei a tentar, dando o benefício da dúvida a mim mesma.