Maria Cheia de Graça ****
T.O.: Maria Full of Grace. Realização: Joshua Marston. Elenco: Catalina Sandino Moreno, Yenny Paola Vega, Virginia Ariza, Johanna Andrea Mora, Wilson Guerrero, John Álex Toro, Guilied Lopez, Patricia Rae, Orlando Tobon. Nacionalidade: EUA / Colômbia, 2004.
O transporte de droga utilizando “correios” humanos faz-se através da ingestão da mercadoria, para a traficar para outros países e mais dificilmente serem detectados nas alfândegas. É um trabalho arriscado, ilegal e que pode ser letal.
Maria (uma brilhante interpretação de Sandino Moreno) é uma jovem colombiana de 17 anos que deixa o seu trabalho numa plantação de rosas após uma discussão com o seu patrão. Com a sua família (avó, mãe, irmã e sobrinho) a depender do seu salário para viver, o desespero de Maria é agravado pela descoberta de que se encontra grávida. Recusando-se a casar com o pai da criança, que não ama, viaja até Bogotá para procurar trabalho e encontra Franklin (Toro), que lhe apresenta uma oportunidade financeiramente irrecusável: ser “correio”. Acompanhada pela sua melhor amiga Blanca (Vega) e Lucy (Lopez), um outro “correio”, Maria irá transportar no seu estômago 63 invólucros com droga até Nova Iorque.
Numa linha quase documental, “Maria Cheia de Graça” é um filme meticuloso na forma como descreve todo o processo de tráfico: vemos como são feitos os invólucros, como os “correios” treinam para engoli-los sem vomitar, como os ingerem, o que têm de fazer se por acaso os invólucros são expelidos fora de tempo.
Mas o trabalho de Marston (na sua primeira longa-metragem) é também detalhista (e irrepreensível) na clareza com que trabalha os personagens, dando-lhes dimensão e motivações: Maria, desesperadamente infeliz com a sua vida, procura uma oportunidade para si e para o filho que espera; Blanca aceita o trabalho por aborrecimento, teimosia e dinheiro; Lucy faz o seu terceiro transporte e talvez seja agora que arranja coragem para se reunir com a sua irmã em Nova Iorque.
Sem aborrecer, este filme é calmo e toma o seu tempo. Marston preocupa-se em descrever as situações sem falhas, mas também sem sentimentalismo ou manipulação.
O título do filme - retirado da oração Avé Maria - e a imagem do poster - a comunhão, substituindo a óstia por um invólucro de droga - podem fazer esperar um filme carregado de iconografia religiosa. Mas não é o caso. Apesar da crítica implícita à hipocrisia inerente a uma sociedade fortemente religiosa, Marston não insiste neste ponto. Maria, Blanca e Lucy são vítimas, mas não inocentes, escolhendo o caminho errado pelas melhores razões.
Em silêncio, a última cena, poderosa e transcendente, é o culminar desta experiência na tentativa de Maria ganhar controlo sobre a sua própria vida. “Maria Cheia de Graça” é sobretudo um drama emocional. Perturbante.
CITAÇÕES:
“I think it’s very common with all the rhetoric and ideology of the drug war, to pitch drug mules and drug traffickers as criminals and demonize them. Reduce them and flatten them to two-dimensional cut-outs of people who need to be put in prison, and thereby justify a whole politics and machinery that’s geared towards spending more and more money on prisons, and tanks and helicopters in order to fight the drug problem. I think if we’ve seen anything in 40 years of fighting the drug war, it’s that that doesn’t work. And what we need to be doing is spending more money on the other side of the problem, on the human side.
In Colombia that would mean spending more money on schools, and investing in the economy, and in creating more possibilities for somebody to earn a living with dignity. And on the United States side that means spending less money on prisons and police and putting non-violent offenders in prison, and more money on helping people to rehabilitate themselves and treating the drug problem as a public health problem rather than as a criminal problem.”
JOSHUA MARSTON (sobre as razões que o levaram a realizar este filme)