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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Vera Drake ****

01.03.05, Rita

Realização: Mike Leigh. Elenco: Imelda Staunton, Richard Graham, Eddie Marsan, Anna Keaveney, Alex Kelly, Daniel Mays, Phil Davis, Heather Craney, Jim Broadbent, Ruth Sheen, Peter Wight. Nacionalidade: Reino Unido, 2004.





A personagem Vera Drake é Imelda Staunton. O filme “Vera Drake” é Imelda Staunton.


Vera Drake é uma mulher das limpezas de média idade, na Londres do pós-segunda guerra mundial. A sua dedicação à família equivale ao seu cuidado com os menos afortunados, nos quais se incluem as jovens que engravidam fora do casamento. Nos seus tempos livres, Vera faz abortos e, apesar da forma fria como o processo se desenrola, as suas motivações são honestas e generosas. Ela genuinamente acredita que alguém as tem de ajudar: ela. Por isso, não cobra dinheiro pelo serviço, e permanece ignorante do lucro que a sua amiga Lily (Sheen) faz ao intermediar o contacto com as “clientes”.

Ao seu redor existe uma família unida, composta por um marido dedicado, Stan (Davis), um filho carismático, Sid (Mays) e uma tímida filha, Ethel (Kelly). Quando parece que a vida desta família começa a entrar nos eixos, com Ethel ficando noiva do reservado vizinho Reg (Marsan), uma das mulheres de quem Vera trata precisa de ser hospitalizada em resultado da sua intervenção, dando início a um processo judicial com consequências irreversíveis.


Mike Leigh não faz deste filme um manifesto a favor do aborto, e a personagem de Staunton não é usado como arauto de uma causa. Leigh não moraliza nem opta for fazer um sermão. Centra-se na dor de uma família que tem de lidar com a ruptura, e a destruição de uma mulher de bom coração às mãos de leis rígidas e cínicas.


Mas Leigh não precisa de dizer muito mais, porque o filme, por si só, descreve um sem número de situações limite, incluindo a de uma família abastada que pode, por meios médicos mais seguros (e procedimentos definitivamente hipócritas), “resolver o problema”. Com a sua câmara, Leigh leva-nos a espaços íntimos, mostrando-nos tudo o que precisamos saber sobre as pessoas que os habitam.


Staunton, imerecidamente preterida nos Óscares, é magistral, num tour de force que vai desde a mãe de família alegre à criminosa aterrorizada, com receio sobretudo do impacto que as revelações terão na sua família, ignorante das suas actividades. A sua expressão ferida corta tanto como o seu sorriso aberto nos tinha antes contagiado.


Davis, como o marido que tenta esconder o seu desapontamento para manter a família unida e apoiar a sua mulher, é uma contracena tocante. Os sentimentos conflituosos surgem personalizados no Inspector Webster (Wight) – dever vs. compaixão – e em Sid – o choque e a raiva vs. amor filial – com igual qualidade.


Um filme sobre compaixão e bondade, tremendamente cru, e surpreendentemente actual (pelo menos em Portugal, uma vez que o aborto foi legalizado em Inglaterra em 1967) quanto à moral e as atitudes em relação ao sexo e ao aborto, evidenciando o pouco que a sociedade evoluiu na sua tolerância e no seu respeito pelo ser humano.






CITAÇÕES:


“I'll just put the kettle on, dear, while you take your knickers off and lie down on the bed. (...) And tomorrow you'll get a pain down there, and you'll go to the toilet, and it will all come out…”
IMELDA STAUNTON (Vera Drake)