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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Hotel Rwanda ***

03.03.05, Rita

Realização: Terry George. Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Joaquin Phoenix, Desmond Dube, David O'Hara, Cara Seymour, Fana Mokoena, Hakeem Kae-Kazim, Tony Kgoroge. Nacionalidade: Canadá / Reino Unido / Itália / África do Sul, 2004.





Quando a Bélgica ocupou o território do Ruanda dividiu a população segundo características físicas: os mais altos, de pele mais clara e narizes mais finos eram Tutsi, os restantes Hutu (a classe inferior, porque menos ocidentalizada). Os colonizadores incentivaram o confronto entre as duas etnias, e o ódio intensificou-se após a independência no princípio dos anos 60.


Na Primavera de 1994, o assassinato do presidente do Ruanda, o general Hutu Juvenal Habyarimana, desencadeou uma guerra civil sangrenta. Durante 4 meses, os extremistas Hutu mataram mais de um milhão de Tutsi (a quem chamavam ‘baratas’). Especula-se que o próprio assassinato possa ter sido obra de extremistas Hutu para motivar o conflito. Mas a milícia Interahamwe não perdeu tempo, dando início ao extermínio. Este genocídio assumiu proporções ainda mais graves, porque o mundo o ignorou e se recusou a intervir.


No meio desse horror, emergiu uma figura heróica, um homem que fez tudo ao seu alcance para salvar a vida a mais de mil adultos e crianças, na sua maioria Tutsi: Paul Rusesabagina.


Paul (Cheadle) é gerente do elegante Hotel des Mille Collines, propriedade da empresa belga Sabena, em Kigali e é Hutu. A sua mulher, Tatiana (Okonedo) é Tutsi, tal como os restantes familiares. Quando a violência começa, Paul consegue levar a sua família para o hotel, que se encontrava protegido devido à presença de cidadãos estrangeiros. Com o agravar do conflito, Paul vê-se forçado a transformar o seu hotel num campo de refugiados.


Com o mesmo profissionalismo com que gere o hotel, negoceia com “amigos” e “inimigos”, sabendo que essa pode ser a diferença entre a vida e a morte de muitos. Acompanhamos a luta, o desespero, a frustração e a raiva de um homem que arriscou a sua vida e a da sua família contra a tirania e a opressão. Cheadle, no seu primeiro grande papel de protagonista, é coragem e compaixão, carisma e instinto.


A acompanhá-lo no elenco, Nolte como um coronel, ao princípio meio deslocado, que, com o agravar do conflito, se vê exasperado pelo seu esforço em conter uma situação da qual a maioria do mundo não quer saber. Por sua vez, Phoenix é o jornalista, em representação de todos os que tentaram chamar a atenção do mundo para esta tragédia. Como diz a sua personagem: “Se as pessoas virem isto dirão ‘Oh, meu Deus, é horrível’, e continuarão a jantar.”.


Apesar da Cruz Vermelha estimar centenas de milhares de baixas, a ONU reduziu o seu contingente de 2500 para 270 soldados. Perante este hediondo espectáculo de guerra, os líderes ocidentais decidiram não fazer nada, recusando dar autoridade às forças da ONU, que apenas se preocuparam em evacuar os cidadãos estrangeiros, deixando o Ruanda à sua sorte. Aparentemente, a promessa de “nunca mais” proferida depois do Holocausto esvazia-se de sentido se o genocídio tiver lugar em África.


O momento em que se ouve na rádio a dissecação, por parte de um oficial da ONU, do significado da palavra ‘genocídio’ e das condições de aplicabilidade da mesma, questionando se o limite já teria sido alcançado no caso do Ruanda, é, no mínimo, de dar voltas ao estômago. Enquanto se discute semântica, as forças de intervenção estão impedidas de agir.


Como filme, é inevitável a comparação com “A Lista de Schindler” (Steven Spielberg, 1993), mas reduzi-lo a esse termo relativo seria retirar o valor desta peça, como descritivo único de uma situação de extrema desumanidade. No entanto, George (que escreveu o argumento de “Em Nome do Pai” – Jim Sheridan, 1993) retrai-se na dramatização da violência. As cenas mais brutais são filmadas à distância. George arrisca pouco, perdendo-se em planos românticos entre Paul e a sua mulher. A vergonha do mundo seria maior com um pouco mais de coragem na realização.


Mas independentemente da sua qualidade cinematográfica, este filme tem dois méritos: um é contar o que se passou neste país africano em 1994; outro é personalizar a história, retirando as abstracções onde a nossa consciência humanitária gosta de se refugiar. Esta é uma perturbante recordação da falta de sentido que tem o ódio étnico e/ou religioso (já para não falar de outros ódios). E este não é um exemplo isolado. Conflitos actuais reforçam a ideia de que o Homem é incapaz de aprender com a História. A minha esperança é que este filme sensibilize as pessoas certas.


Para finalizar, quero aproveitar este espaço para pedir desculpa pela minha falta de atenção. Fui daqueles que continuou a jantar mesmo depois das imagens deste genocídio terem passado à frente dos meus olhos.






CITAÇÕES:


“When people ask me, good listeners, why do I hate all the Tutsi, I say: read our history. The Tutsi were collaborators for the belgian colonists, they stole our Hutu land, they whipped us. Now they have come back, these Tutsi rebels. They are cockroaches. They are murderers. Rwanda is our Hutu land. We are the majority. They are a minority of traitors and invaders. We will squash the infestation. We will wipe out the RPF rebels. This is RTLM Hutu power radio. Stay alert. Watch your neighbours.”
RÁDIO VOZ-OFF

“We're here as peace keepers, not peace makers.”
NICK NOLTE (Colonel Oliver)

“If people see this they'll say 'Oh my God, that is horrible,' and then go on eating their dinners.”
JOAQUIN PHOENIX (Jack)

























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