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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

The World ****

28.04.05, Rita

Realização: Jia Zhang-ke. Elenco: Tao Zhao, Taisheng Chen, Jue Jing, Zhongwei Jiang, Yiqun Wang, Hongwei Wang, Jingtong Liang, Wan Xiang, Juan Liu. Nacionalidade: China / Japão / França, 2004.





“The World” cruza diversas existências que têm como ponto de ligação um parque temático em Pequim/Beijing, o World Park, retratando várias cidades mundiais reduzidas à escala. Os cenários vão desde uma esplanada na Torre Eiffel, ao Taj Mahal e às pirâmides do Egipto, passando pela Praça de São Pedro em Roma ou a Torre de Pisa, e até Manhattan ainda com as suas torres gémeas.


O World Park destina-se sobretudo aos turistas chineses, que assim podem visitar o mundo sem terem que sair de casa. Neste microcosmos habita um casal de namorados, Tao (Tao Zhao) e Taisheng (Taisheng Chen), ela bailarina e ele segurança. O romance atribulado e desapaixonado deles é a força dramática da história. Tao ama Taisheng, mas o facto de ela recusar uma entrega física leva-o a procurar algo mais. Pelo seu lado, Tao deseja uma vida melhor, apesar de mal conseguir conjecturar o que seria viver fora daquele mundo manufacturado.

Esta narrativa cruza-se depois com outras histórias: um grupo de bailarinas colegas de Tao que vem da Rússia e donde se destaca Anna; vizinhos da cidade natal de Taisheng que vêm em busca de trabalho; Qun (Yiqun Wang), uma mulher casada com quem Taisheng se cruza no seu part-time como moço de recados para um criminoso local; a relação problemática de Xiaowei (Jue Jing) e Niu (Zhongwei Jiang). Mas, como o mundo gira, também “The World” acaba sempre por voltar à história de Tao e Taisheng.


Vivendo confinadas ao seu “mundo”, todas estas são personagens à deriva, deslocadas dentro de si próprias e com os seus companheiros. Mas paira no ar a vontade e, ao mesmo tempo, a incapacidade de sair dele: Anna que pretende ir ter com a sua irmã a Ulan Bator, e Qun que quer ir ter com o seu marido a França. Apesar de nenhum deles ter nunca saído da China (o único viajante, que surge no início do filme, é o ex-namorado de Tao), o mundo onde eles vivem, comem, dormem, é completamente estrangeiro. Rodeados pelo resto do mundo no meio da sua terra, quase parece que não fazem parte de sítio algum. Estão desligados da sua cultura, mas são incapazes de se ligarem a qualquer das culturas existentes à sua volta.


Este filme acaba por ser uma metáfora sobre a angústia e confusão da juventude chinesa, um tratado subtilmente irónico sobre a alienação numa China actual, crescendo rapidamente e tentando tornar-se um dos jogadores principais do mercado. Como resultado existe uma certa perda de identidade, das tradições, do valor humano e das relações. Uma sociedade onde a principal comunicação é feita por mensagens. Apenas Tao rompe com esta norma, estabelecendo uma relação honesta com Anna. E apesar de não falarem a mesma língua, conseguem entender-se e partilhar pedaços da vida uma da outra.


Apesar dos seus 133 minutos, este filme agarra-nos até ao final. Para muito contribui a introdução de animação nos momentos em que os personagens trocam mensagens entre telemóveis. A opção de Jia Zhang-ke é uma solução engenhosa e muito bem conseguida.


Este mundo simulado (com o paralelismo da reprodução da roupa ocidental) promete aos seus visitantes ser “um mundo novo cada dia”, mas Jia Zhang-ke evoca momentos redundantes que nos mostram que todos os dias são mais ou menos iguais para as pessoas que o habitam.


Ele próprio parece hipnotizado pela própria metáfora, perdendo-se por vezes em longos planos deste mundo em miniatura, como um turista. E mesmo quando espreita a cidade lá fora, volta a correr para o mundo construído. Mas Jia Zhang-ke aborda todo o tema com muita subtileza (talvez por isso este tenha sido o seu primeiro filme a não ser banido na China), o que permite que esta história continue a crescer já depois de ter terminado.


E fica um pensamento final: é só quando conseguimos derrubar a barreira imposta pelos nossos mundos individuais, e confiamos nos conceitos básicos e comuns da humanidade, que conseguimos de facto comunicar.