Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Der Untergang - A Queda ****

09.05.05, Rita

Realização: Oliver Hirschbiegel. Elenco: Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Corinna Harfouch, Ulrich Matthes, Juliane Köhler, Heino Ferch, Christian Berkel, Matthias Habich, Thomas Kretschmann, Michael Mendl, André Hennicke, Ulrich Noethen. Nacionalidade: Alemanha / Itália / Áustria, 2004.





Ontem, dia 8 de Maio, foi o 60º aniversário da capitulação alemã no final da II Guerra Mundial. Por pura coincidência, ontem fui ver o último filme de Oliver Hirschbiegel, “Der Untergang”. Com “Das Experiment” (2001), o seu anterior filme a passar por cá (demasiado subtilmente), este partilha não só uma poderosa história de ambiente claustrofóbico, mas também uma profunda mestria na direcção de actores.


Numa noite de Novembro de 1942, um grupo de mulheres é conduzido por oficiais das SS. Elas são candidatas a secretária pessoal do Führer (Bruno Ganz). A escolhida é Traudl Junge (Alexandra Maria Lara), uma jovem de 22 anos de Munique.


Num salto para 1945, e durante 12 dias (que equivalem aos 12 anos de Hitler no poder) vemos um Hitler megalómano, possuído pelos seus desejos alucinantes de poder, cego à realidade que o cerca, com a mania da perseguição, e gradualmente cedendo aos sinais da doença de Parkinson. Um líder manobrando tropas que não existem, tentando derrubar num mapa os russos que cercam Berlim, e culpando o povo alemão da sua própria derrota.


Vemos também um Hitler preocupado com o bem-estar das mulheres do bunker da chancelaria, onde se protegem os seus conselheiros mais próximos. Terno para com o seu pastor alemão, perdido na solidão do seu poder, capaz de um beijo apaixonado a uma Eva Braun incandescente. Um homem que, até ao final dos seus dias (e para além deles), cativou de uma forma hipnótica uma nação e liderou uma limpeza étnica que, de bom grado, teria alargado ao mundo inteiro.


Do ponto de vista histórico este filme é incompleto, parcial e redutor. Mas, curiosamente, do ponto de vista histórico é também, possivelmente, um dos mais fiéis retratos da insanidade de um homem: Bruno Ganz no papel de Hitler é impressionantemente frágil e detestável, conseguindo nublar as excelentes interpretações do restante elenco.


Contra muitas vozes, o que indigna neste filme não é que a imagem de Hitler seja suavizada. Não é possível que alguém saia de “Der Untergang” com pena dele, e é ainda menos possível esquecer as consequências cruéis das suas ordens, apesar do filme praticamente não as mencionar. Porque esse “ódio” está já tão instituído na sociedade, que a própria Alemanha esteve até hoje de cabeça baixa perante a sua história. Mas a nação que não escravizou, que não matou por terras, por poder, por dinheiro, que atire a primeira pedra.


Até agora, a memória (e o cinema como parte dela) deu-nos um demónio, a quem era fácil culpar. O que nos incomoda e assusta neste filme, é que se trata apenas de um homem, um de nós. Em circunstâncias históricas idênticas, com o inebriante odor do poder, com a admiração de milhares e milhares de pessoas, talvez não seja assim tão complicado fazer um “monstro” do mais comum. E a semente existe. A falta de tolerância, de respeito, de humanidade estão mesmo aqui ao lado, e por vezes, mesmo aqui dentro.


“Der Untergang” tem como base os livros “Der Untergang. Hitler und das Ende des Dritten Reiches” (A Queda. Hitler e o Fim do III Reich), da autoria do historiador Joachim Fest, e “Bis zur letzten Stunde” (Até à Última Hora) de Traudl Junge. E, mais do que um filme, é um documento. Sobre uma Alemanha que se deixou enganar por uma meia dúzia de frases apelativas, sobre pessoas militarizadas que se desresponsabilizavam dos seus próprios actos, sobre o lado mais escuro da alma humana. A perversão do nazismo assume a sua forma mais dolorosa na cena em que Magda Goebbels (Corinna Harfouch) envenena os seus filhos, porque “num mundo onde não existe o nacional-socialismo não vale a pena viver”.


No final, temos a própria Traudl Junge que, admitindo ter sido uma “entusiasta nazi”, refere que a ignorância não pode ser usada como desculpa na cumplicidade (activa ou tácita) nos horrores que tiveram lugar. Junge olha para o seu passado com raiva e incredulidade e tenta, de alguma forma, perdoar-se a si mesma. Tal como a própria Alemanha, que vive até hoje com uma culpa que não é sua. Uma lição para um mundo que, todos os dias, é culpado de inúmeros crimes contra si próprio.






CITAÇÕES:


“Numa guerra como esta não há civis.”
BRUNO GANZ (Adolf Hitler)