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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

La Mujer Sin Cabeza **1/2

21.04.09, Rita

Realização: Lucrecia Martel. Elenco: María Onetto, Claudia Cantero, César Bordón, Daniel Genoud, Guillermo Arengo, Inés Efron. Nacionalidade: Argentina / França / Itália / Espanha, 2008.





“La Mujer Sin Cabeza” não passa de uma metáfora, que, ao ludibriar o espectador, o perde. No entanto, o terceiro filme da argumentista e realizadora argentina Lucrécia Martel (a cujo belo “La Ciénaga” se seguiu o, na minha opinião totalmente sobrevalorizado, “La Niña Santa”), está muito bem construído (e bem protagonizado) até quase ao seu final, quando a fácil solução da inconclusividade vem sobrepor-se à coerência interna.


Depois de um acidente na estrada e decidindo não parar, Verónica (María Onetto) fica convencida de que não foi um cão que atropelou, mas uma pessoa. Angustiada e incapaz de voltar à sua vida normal, da qual pouco parece recordar-se, Verónica entra num estado de semi-adormecimento, refugiando-se nas acções e reacções mecanizadas do dia-a-dia. A sua desorientação passa a ser a nossa.


Martel não nos diz nada sobre esta mulher antes do acidente, por isso a sua descoberta pessoal é também a nossa. O acidente faz com que ela sai da sua própria vida e Verónica parece não encontrar forma de regressar a ela mesma. Ela não tem qualquer controlo sobre o mundo que a rodeia, mas a sua ausência psicológica e emocional parecem não prejudicar a sua capacidade de desempenhar todos os papéis que lhe cabem (esposa, mãe, amante, amiga, profissional) e ninguém parece dar-se conta de que ela não está (é) ela mesma.


Os planos de Martel reforçam o ambiente de instabilidade, os corpos surgem em planos cortados ou apanhados em fundo como fantasmas. A luz vai-se esfumando como um crepúsculo. A interpretação de María Onetto confere a dose de sonambulismo e de passividade num constante (e por isso perturbante) sorriso.


Até aqui “La Mujer Sin Cabeza” cumpre na perfeição o seu papel. Independentemente da sua fuga à responsabilidade ou da sua culpa, Verónica dá-se conta de que a sua vida não precisa do seu envolvimento pessoal, reduzida que está àquilo que todos os outros projectam nela.


Na parte final do filme, Martel investe na paranóia, fazendo Verónica desaparecer um pouco mais através do desaparecimento dos exames médicos que fez após o acidente e mudando-lhe a cor de cabelo. Começamos finalmente a questionar tudo o que acabámos de ver e resolvemos o nó na nossa cabeça com a solução mais difícil de crer. Mas logo a seguir Martel resolve esbofetear-nos com a racionalidade, para depois voltar a sugerir o irreal.


Talvez “La Mujer Sin Cabeza” pretenda ser um documento ficcional sobre o aborrecimento da burguesia, para mim não passa da preguiça burguesa de uma realizadora egotista.


Eu não defendo que os filmes nos digam, na sua exígua duração, tudo aquilo que têm para dizer. Nem que sejam auto-evidentes. Mas irrita-me o facilitismo do deus ex machina, do “eu não tenho de deixar nada claro porque isto é tudo um sonho e, por isso, posso fazer o que bem me apetece e ignorar que há um espectador do outro lado que deverá entender a mensagem que eu quero transmitir”. Sou completamente a favor da masturbação, mas não faço questão de a ver.