Milk ****1/2
Realização: Gus Van Sant. Elenco: Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, Diego Luna, James Franco, Alison Pill, Victor Garber, Denis O'Hare. Nacionalidade: EUA, 2008.
O último filme de Gus Van Sant (“Elephant”, “Paranoid Park”) é providencial ao surgir em cartaz precisamente num momento em que também um homem invade o campo político e social americano com uma inspiradora mensagem de esperança. Sem se cingir ao cliché das enumerações biográficas, “Milk” é um biopic inteligente, belissimamente contado, com coração e com uma certa aura de orgulho.
O eficiente argumento de Dustin Lance Black, apresenta-nos Harvey Milk (Sean Penn) aos 48 anos, sentado a uma mesa de cozinha expondo a sua viagem pessoal para um gravador. Mas ao contrário de irmos parar à sua infância, encontramos Milk, um executivo nova-iorquino que, no dia do seu 40º aniversário conhece Scott Smith (James Franco), aquele que viria a ser seu companheiro e com quem se muda para São Francisco em 1972. Num bairro cada vez mais conotado com a comunidade gay, ele abre uma loja de máquinas fotográficas – Castro Camera. Perante a clara perseguição por uma polícia homofóbica e pelos preconceitos expressos por muitos estabelecimentos comerciais, Milk decide envolver-se activamente na comunidade, acabando por se candidatar ao cargo de Supervisor Municipal, para o qual concerreu três vezes antes de ser eleito em 1977 e se tornar o primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo público nos Estados Unidos.
Em 1978, Milk foi assassinado pelo seu colega Dan White (Josh Brolin), um conservador católico que, prestes a ser demitido, matou também o Presidente da Câmara George Moscone (Victor Garber). Mesmo para quem, como eu, não sabia o exacto desfecho desta história, Gus Van Sant faz questão de o deixar claro desde início, ficando liberto para assim se concentrar naquilo que foi a luta de Harvey Milk, sem explicações supérfluas, e sem deixar de deitar um olhar acutilante aos caminhos ínvios da política e do uso do lobby como arma.
Milk instiga todos os homossexuais a assumirem-se perante os seus amigos, as suas famílias, os seus colegas de trabalho. Para ele, a única forma de eliminar o demónio de uma ideia abstracta é quando todos perceberem que no seu ciclo mais próximo havia pelo menos um gay/lésbica. Com o apoio de uma equipa que incluía Cleve Jones (Emile Hirsch), capaz de juntar multidões numa hora, e Anne Kronenberg (Alison Pill), um eficiente contacto de imprensa, Milk bate-se na luta contra a Iniciativa Briggs, ou Proposition 6, uma medida acerrimamente defendida pela puritana Anita Bryant (nenhum interpretação seria capaz de superar a tacanhez mental ou o despropósito argumentativo das imagens de arquivo utilizadas por Van Sant), e pela qual os professores homossexuais perderiam os seus postos de trabalho.
Milk pode ter sido um mártir da causa homossexual, mas estava longe de ser um santo. Este é um homem vulgar movido por um propósito, cuja persistência não foi isenta de custos e sacrifícios, mas cujo ânimo e o humor o tornaram um orador inspirado e inspirador. Um homem que falhou, consecutivamente, mas que conseguiu transformar cada derrota na oportunidade de aplicar o que tinha aprendido numa nova luta. É um empenho semelhante que vemos em Sean Penn, numa interpretação de afável sensibilidade e de um magnetismo apaixonante, e no Dan White de Josh Brolin, ambíguo e torturado.
A realização de Van Sant é enérgica quando deve e calma quando tem de ser, equilibrando a alegria e a reflexão de uma forma tão estimulante quanto absorvente. A fotografia de Harris Savides é exemplar na recriação da atmosfera da São Francisco dos anos 70, granulando a imagem e fundindo-a com as imagens de arquivo. De uma forma subtil “Milk” rompe o convencionalismo do relato biográfico, tornando impossível não respeitar aquilo que Harvey Milk conseguiu alcançar. Especialmente se formos capazes de compreender a universalidade da sua luta contra o ódio, o medo e a ignorância que, ainda hoje, recusam a possibilidade de liberdade e felicidade a tantos.
CITAÇÕES:
“My name is Harvey Milk and I'm here to recruit you!”
SEAN PENN (Harvey Milk)
“Dan White – Society can't exist without the family.
Harvey Milk – We're not against that.
Dan White – Can two men reproduce?
Harvey Milk – No, but God knows we keep trying.”
JOSH BROLIN (Dan White) e SEAN PENN (Harvey Milk)
“If it were true that children emulate their teachers, we'd have a lot more nuns running around.”
SEAN PENN (Harvey Milk)