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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Rois et Reine ***

18.10.05, Rita

Realização: Arnaud Desplechin. Elenco: Emmanuelle Devos, Mathieu Amalric, Catherine Deneuve, Maurice Garrel, Nathalie Boutefeu, Jean-Paul Roussillon, Catherine Rouvel, Magalie Woch, Hippolyte Girardot, Valentin Lelong, Olivier Rabourdin, Joachim Salinger, Marie-Françoise Gonzales. Nacionalidade: França, 2004.





A “rainha” do título é Nora (Emmanuelle Devos), uma mulher luminosa, prestes a casar com Jean-Jacques (Olivier Rabourdin), e que vê o seu momento de felicidade adiado pela doença terminal do seu pai (Maurice Garrel), um severo professor de letras. E também um dos “reis”, juntamente com Elias (Valentin Lelong), o filho de Nora.


Do outro lado do espelho está Ismael (Mathieu Amalric, numa fabulosa interpretação), um homem desequilibrado, com tendências suicidas, que gosta de andar com uma capa de D’Artagnan no meio da rua, actualmente perseguido pelo fisco e mandado internar pela sua irmã num hospital psiquiátrico.


“Rois et Reine” conta a história de duas figuras em sofrimento, uma dramática, outra cómica. Diante do pai agonizante, Nora deixa-se fechar na dor e na solidão, tornando-se cada vez mais sombria. As certezas de Nora, quando confrontadas com os sentimentos que não consegue expressar, transformam-se em dúvidas. Com Ismael, o processo é inverso, ele vai descobrindo, ao ser confrontado com os sentimentos dos outros, as suas próprias certezas. Num caso e noutro, fala-se de crescimento.


Alternando entre os dois registos, Desplechin permite-nos ir mantendo o equilíbrio entre estes dois pólos, sem desvalorizar qualquer um deles. Em ambos abordam-se obsessões, sonhos e pesadelos, com humor e com dor. Egoísta e generosa, dura e sofredora, Devos move-se nestes extremos; o espectador, entre a compaixão e o incómodo. Amalric é tocante, de uma sinceridade desarmante.


A ligação afectiva familiar, como contraponto à ligação afectiva com amigos e amantes, materializa-se na relação de Nora com o filho, para quem procura uma figura masculina que substitua o avô; e na relação com pai, entre a adoração e o ódio, e que será posta à prova, de uma forma brutal, com a morte deste.


Desplechin constrói habilmente um filme, onde duas horas e meia se passam sem que se note, e onde nos guia como e onde quer, confrontando a identidade de cada um com a memória, falível, do outro.


A vontade de viver nem sempre é clara, mas a reconciliação com a vida é possível. Especialmente se dermos espaço a que o extraordinário e majestoso faça parte das nossas vidas.






CITAÇÕES:


“Amar é não ter de pedir.”
EMMANUELLE DEVOS (Nora Cotterelle)

“Você é mulher, as mulheres não têm alma.”
MATHIEU AMALRIC (Ismaël Vuillard)

“On ne sait pas ce qu’est l’eau si on n’a pas connu la soif. L’amour est un mémorial.”
EMMANUELLE DEVOS (Nora Cotterelle)

“Je me suis inspiré des cinq vers d'une poésie de Michel Leiris:
        «Rois sans arroi,
        Reine sans arène,
        Tour trouée,
        Fou à lier,
        Cavalier seul.»”
ARNAUD DESPLECHIN