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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Crónicas ****

24.10.05, Rita

Realização: Sebastián Cordero. Elenco: John Leguizamo, Leonor Watling, Damián Alcázar, José María Yazpik, Camilo Luzuriaga, Gloria Leiton, Luiggi Pulla, Henry Layana, Hugo Idrovo, Tamara Navas, Alfred Molina. Nacionalidade: México / Equador, 2004.





Numa lamacenta aldeia do Equador, uma turba rodeia um homem que acabou de atropelar acidentalmente uma criança. O pai da criança quer vingança. O homem é brutalmente agredido e encharcado em gasolina. Uma equipa de televisão, que se encontrava no local a filmar o enterro das vítimas de um violador de crianças e assassino em série, filma o acontecimento sem intervir, partilhando da loucura da multidão que quer ver sangue. Alguém acende um fósforo.


Este é o impressionante início de um impressionante filme. Um filme que fala da vítima, mas também dos que ficam a olhar sem nada fazer.


A vítima é Vinício Cepeda (Damián Alcázar), um vendedor ambulante de bíblias; e à frente da equipa de filmagem está Manolo Bonilla (John Leguizamo), um ambicioso repórter televisivo que trabalha para o programa “Uma Hora com a Verdade”, numa estação televisiva de Miami, e que persegue os crimes do “Monstro da Babahoyo”.


Vinício é preso por homicídio involuntário, e recorre a Manolo para, através de uma entrevista no seu programa, conseguir a compaixão das autoridades e a liberdade. Como moeda de troca, oferece a Manolo, informações sobre o “Monstro”. Arrogantemente, Manolo julga poder desmascarar esta situação sem recorrer à polícia (que se limitaria a espancar Vinício para uma confissão). Mas, sem se dar conta, e pensando que está a ir atrás da verdade, está apenas a deixar-se levar pelo seu ego.


Parte thriller e parte análise da ética jornalística, o segundo filme de Sebastián Cordero, foca-se numa ética mais global: o que faz do Homem herói ou monstro. No jogo psicológico que se estabelece entre Manolo e Vinício, onde o jornalista se abstém de qualquer julgamento moral, Cordero empurra-nos com agilidade entre a culpa e inocência de Vinício.


O carácter de Manolo, numa interpretação arreigada de Leguizamo, sintetiza-se na sua resposta quando lhe perguntam de alguma vez traiu a sua mulher: “Sim, mas não foi por isso que nos separámos.” Ele não assume a responsabilidade pelos seus erros, da mesma forma que não considera as consequências sobre os outros das suas acções.


Marisa Iturralde (Leonor Watling – “ Mi Vida Sin Mí”, “La Mala Educación”), a produtora do programa de Manolo, é o mais próximo que este filme chega de uma consciência. A subtil mudança de comportamento de Manolo em relação a ela – de colega para praticamente uma simples assistente – reflecte também o recalcamento dessa voz moral que parece gritar de todos os lados.


Para que uma personagem seja real, perturbante e assustadora, temos que nos identificar com ela. Cordero, de cuja equipa de produtores fazem parte Alfonso Cuarón (“Y Tu Mamá También”, 2001) e Guillermo del Toro (“El Espinazo del Diablo”, 2001), faz isso através de um argumento inteligente e consistente. Pelo seu lado, a fantástica interpretação do mexicano Damián Alcázar (“Héctor”de Gracia Querejeta, 2004), versátil e convincente, entre a compaixão e o frio calculismo, provoca uma verdadeira sensação de incómodo.

A perda de um filho é um corromper da lógica natural dos acontecimentos, significa perder o futuro. De certa maneira, “Crónicas” lida com várias formas de contra a própria natureza. A lama está entre a terra e água, como os Homens estão entre o bem e o mal, entre a generosidade e o egoísmo. Por isso a última imagem nos deixa o eco de um agudo arrepio.






CITAÇÕES:


“Un hombre solo discubre sítios que la otra gente no discubre.”
DAMIÁN ALCÁZAR (Vinicio Cepeda)