Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Alexander ***

29.12.04, Rita

Realização: Oliver Stone. Elenco: Colin Farrell, Angelina Jolie, Val Kilmer, Jared Leto, Anthony Hopkins, Christopher Plummer, Jonathan Rhys-Meyers, John Kavanagh, Rosario Dawson, Rory McCann, Joseph Morgan, Elliot Cowan, Gary Stretch Jessie Kamm. Nacionalidade: USA / Reino Unido / Alemanha / Holanda, 2004.





Este filme poderia ser um épico, mas é apenas uma história, e não ficará certamente marcado como o melhor filme de Oliver Stone.


Alexandre (Farrell), o herói macedónio que se impôs sobre o império persa e morreu aos 33 anos, é o protagonista de uma história edipiana, onde o amor desmedido, e com um odor incestuoso, da sua mãe, Olímpia (Jolie), é confrontado com a admiração pelo pai, o Rei Filipe II da Macedónia (Kilmer). Alexandre acaba por tornar-se um chefe militar como o seu pai, para fugir à sufocante prisão do amor e ambição da sua mãe. O conflito destas duas forças, feminina e masculina, acabam por se reproduzir na bissexualidade de Alexandre. E a sua origem helénica, de marcada cultura masculina, é posta em oposição à sedução da feminina sociedade oriental.


É notória a distância que Alexandre procura colocar entre ele e Olímpia: não é por acaso que retira a pulseira do braço de Roxana (Dawson), demasiado semelhante às cobras que Olímpia costumava conservar perto de si. Um outro pormenor prende-se com a cena inicial. À semelhança de Citizen Kane, quando o personagem de Orson Welles deixa cair o globo de neve sussurrando “Rosebud”, Alexandre deixa cair o anel que lhe foi oferecido por Hefestião (Leto), seu amigo e amante.


O seu sonho de unir o mundo oriental ao ocidental caiu por terra depois da sua morte, com o império que construiu sendo dividido entre os seus chefes militares.


O excelente elenco deste filme é liderado por um Colin Farrell empenhado e dedicado de corpo e alma ao personagem e por um Val Kilmer assombroso. Angelina Jolie personifica frieza e calculismo ao serviço de um incondicional afecto. O casting foi ao detalhe de seleccionar os companheiros de Alexandre segundo o critério da androgenia e perfeição física que caracterizavam os padrões de beleza/equilíbrio físico da época, sendo de salientar Jared Leto e Jonathan Rhys-Meyers (Cassandro) (que já tínhamos visto como Brian Slade em Velvet Goldmine, de Todd Haynes).


Quanto aos pesos pesados Anthony Hopkins (Ptolomeu) e Christopher Plummer (Aristóteles), o segundo compensa em credibilidade o que falta ao primeiro, sobretudo devido à difícil transição entre o personagem da sua juventude e o da sua velhice.


Em resumo, aqui ficam os prós e os contras.



Pontos fortes:

• As cenas de batalha. O trabalho de câmara coloca-nos in situ, transformando a exigência física dos guerreiros numa exigência visual do espectador. A preferência vai para a última batalha, na Índia, onde Stone nos oferece a melhor peleia desde a batalha de Minas Tirith em O Senhor dos Anéis – O Regresso do Rei (sim, senti falta de Tolkien este Dezembro...).

• Stone tem também o mérito de, no meio de factos controversos e muitos mitos, ter tentado chegar à “pessoa” que pode ter sido Alexandre, complexa e contraditória, cruel e magnânimo, arrogante e generoso.

• A homossexualidade não é aflorada, é relatada. O extremo machismo da Grécia Antiga, em que a união de dois homens era o mais puro caminho para o conhecimento, fazia com que a mulher fosse relegada para um plano de procriação e encarnação do mal.

• A expressiva sacralização de um líder, e a consequente paranóia que o rodeava.

• A fantástica caracterização dos personagens cegos.



Pontos fracos:


• Apesar da patente homossexualidade, a única cena de sexo é heterossexual, e a atracção entre Alexandre e Hefestião não passa de uns olhares intensos e uns abraços apertados. Stone foi aqui, a meu ver, demasiado cuidadoso (afinal de contas as bilheteiras tinham que pagar o investimento).

• Ptolomeu é apresentado como o contador da história, no entanto, uma boa parte do relato são episódios onde ele não esteve presente. O elo de ligação entre público e Alexandre perde-se no difuso papel que o mesmo Ptolomeu tem na parte central do filme.

• Bem sei que havia o rumor de Olímpia, a mãe de Alexandre, ser uma feiticeira, mas não teria sido possível gastar um pouco do orçamento na caracterização de Angelina Jolie. Todos sabemos que ela é bela e pérfida, mas como mãe de um Colin ‘Alexandre’ Farrell, a falta de rugas retira-lhe um pouco de credibilidade.

• Jolie parece ter sido a única a esforçar-se por um sotaque diferente. Houve momentos em que pensei que Farrell fosse pedir uma “pint” de Guinness, no seu sotaque irlandês.

• Poderia o louro de Farrell ser mais artificial?

• Ficou a faltar o episódio segundo o qual, na Górdia, Alexandre cortou o “Nó Górdio”, cumprindo o oráculo que prometia o império da Ásia a quem conseguisse desatar o complicado nó.

• Gostaria que alguns pormenores de geografia política e estratégia tivessem sido mais bem explicados. Perdi-me algures entre a Babilónia, Egipto e Macedónia. Para os curiosos, aqui fica o mapa do trajecto feito por Alexandre III durante o seu reinado.






TAGLINE: Fortune favors the bold



CITAÇÕES:


“No man or woman could be too powerful or beautiful without disaster befalling.”
FILIPE II DA MACEDÓNIA (Val Kilmer)


“A king isn't born, Alexander; he's made.”
FILIPE II DA MACEDÓNIA (Val Kilmer)


“Conquer your fear, and I promise you'll conquer death.”
ALEXANDRE, O GRANDE (Colin Farrell)


“In the end, all that matters is what you've done.”
ALEXANDRE, O GRANDE (Colin Farrell)


“They say the only time Alexander was ever defeated was between Hephaistion's thighs.”
PTOLOMEU (Anthony Hopkins)




Mar Adentro *****

28.12.04, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Alejandro Amenábar. Elenco: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas, Mabel Rivera, Celso Bugallo, Clara Segura, Joan Dalmau, Alberto Jiménez, Tamar Novas, Francesc Garrido, José María Pou, Alberto Amarilla, Nicolás Fernández Luna. Nacionalidade: Espanha / França / Itália, 2004.


SRC=http://romanticmovies.about.com/library/graphics/theseainsidepubb.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>Rámon Sampedro (Bardem) é um homem charmoso, inteligente e com sentido de humor, que luta agonizantemente pelo controlo do seu destino. Em resultado de um acidente no mar há mais de 28 atrás, onde fica tetraplégico, vê-se obrigado a viver preso a uma cama, da qual pretende sair pela única via que crê possível: a eutanásia.

ALIGN=JUSTIFY>A aposta de Amenábar num assunto tão polémico foi arriscada. Haverá certamente alguma discussão em torno deste filme, mas suponho que dificilmente poderá haver um documento a favor da eutanásia tão poderoso quanto Mar Adentro.

ALIGN=JUSTIFY>Durante cinco anos, Sampedro luta para proteger a sua acção sob a lei espanhola, mas como parte do seu Plano B protege também a pessoa que eventualmente o ajudará na sua acção, de forma a que não seja possível condená-la.

ALIGN=JUSTIFY>A sua família rodeia-o de amor e atenção, e o mesmo acontece com os advogados que, por todos os meios possíveis, o tentam auxiliar na demanda jurídica pelos seus direitos. Mas todos falham em cumprir com o único desejo de Sampedro: a morte.

ALIGN=JUSTIFY>A sua irredutível certeza confronta-se com o temor de todos que o cercam. O dilema de valores é patente, em diferentes níveis, entre os restantes personagens. O medo de aceitar a vontade de Sampedro, ou de intervir para a concretizar, parece mais preso à noção de que amar é proteger a vida contra tudo, do que a ameaça da condenação legal. O amor é aqui obrigado a definir-se entre o egoísmo e a generosidade.

ALIGN=JUSTIFY>O talento e magnetismo de Bardem enchem o ecrã, e independentemente da decisão da Academia, esta é para mim, sem dúvida, a melhor interpretação do ano. O seu trabalho de detalhe, a sua entrega e empenho e a sua sensibilidade impedem-no de se deixar cair na caricatura. O seu trabalho físico é igualmente surpreendente, tendo-lhe exigido passar 3 meses numa cama. De salientar ainda o maravilhoso trabalho de caracterização, que acrescentou 21 aos seus 34 anos.

ALIGN=JUSTIFY>A abordagem de Amenábar ao mundo psicológico é exímia, ao traduzir o mundo dos sonhos no plano real que muitas vezes os desejos assumem, especialmente quando, como no caso de Sampedro, a mente está repleta de coisas que ficaram por viver. Adicionalmente, a fotografia naturalista, a montagem metódica, a emotiva banda sonora e a mestria na direcção de actores tornam este filme imperdível.

ALIGN=JUSTIFY>Apesar do seu resultado tendencioso, Mar Adentro dará certamente azo a reflexões. O que, por si só, vale bem uma ida ao cinema.


WIDTH=70% COLOR=#E90909 SIZE=1>
ALIGN=JUSTIFY>COLOR=#AAAAAA>O PLANO:

Ramón Sampedro distribuiu 11 chaves entre os seus amigos. A cada um encarregou de uma tarefa: um comprou o cianeto; outro analisou-o; outro calculou a proporção da mistura; uma quarta pessoa mudou-o de lugar; o quinto foi buscá-lo; o sexto preparou a bebida; o sétimo introduziu-a num copo; o oitavo colocou-lhe uma palhinha, para que Ramón pudesse beber; o nono colocou o copo ao seu alcance. Uma décima pessoa recolheu a carta de despedida que Ramón tinha escrito com a boca, e outra encarregou-se do último passo: a gravação em vídeo do acto da sua morte.

Ramón Sampedro morreu a 12 de Janeiro de 1998.



ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY> “- Una libertad que te quita la vida no es libertad. PADRE FRANCISCO (José María Pou)
- Y una vida que te quita la libertad no es vida. RAMÓN SAMPEDRO (Javier Bardem)”

ALIGN=JUSTIFY> “Mi vida ronda en torno a conseguir la libertad.” RAMÓN SAMPEDRO


COLOR=#E90909>MAR ADENTRO

Mar adentro,
mar adentro.

Y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.

Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo,
es como penetrar al centro del universo.

El abrazo más pueril
y el más puro de los besos
hasta vernos reducidos
en un único deseo.

Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras
'más adentro', 'más adentro'
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.

Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto,
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.



ALIGN=JUSTIFY>CARTA DE RAMÓN SAMPEDRO AOS JUÍZES

"Srs. Jueces:

Pienso que a la hora de juzgar determinadas conductas ético-morales, como en el caso que les planteo, no deberían tener más norma fundamental que la Constitución, porque si no es así, no son los jueces quienes juzgan sino los políticos cuando escriben la ley y crean la trampa y la ambigüedad.

Sólo si los jueces y jurados tuviesen la potestad de sentenciar de acuerdo con la norma constitucional, y sus consciencias fuesen como un procesador humano - y humanizado - que va recibiendo sistemáticamente conocimientos e información para entender lo que es social y democráticamente tolerable, y también conveniente reformar y corregir, la justicia seguiría el ritmo del proceso evolutivo de una sociedad democrática formada por individuos libres y responsables.

En abril del 93 acudí ante los tribunales de justicia con una demanda formalmente presentada por mi abogado D. Jorge Arroyo Martínez que, en síntesis, preguntaba si debe ser sancionada judicialmente una persona que me preste ayuda, sabiendo que es con el fin de provocar voluntaria y libremente mi muerte.

Hay demasiadas gentes que, en apariencia capacitadas para hacer un juicio de valor, se preguntan, y me preguntan, si realmente deseo morirme pues, si así fuese, me indican que puedo provocarme desde una pulmonía, taponar una sonda, no curarme una infección de orina, inyectarme un virus, morirme de hambre, o que me mate discretamente cualquier persona.

Entre tanto absurdo maestro que acepta y propone toda clase de formas de morir, menos la voluntaria y legalmente permitida, me parece que la funcion de los jueces tiene que ser algo mas que la de aplicarle códigos al rebaño como mudo y fiel guardián que defiende los intereses de su degenerado amo. Cuando un juez guarda silencio ante una ley obviamente hipócrita, y por tanto injusta, en esa sociedad no puede haber nobleza y bondad posible. Si la justicia es la exigencia de una conducta ética respetuosa, la función del juez debe ser la de maestro más que la de vigilante.

Si aceptamos que debe haber unas normas y unos medios para juzgar comportamientos irresponsables, en casos de conductas éticas - no criminales -, la justicia debería ser inmediata para que tuviese vida, de lo contrario es como si estuviese enlatada y, para lo único que sirve, antes que para corregir situaciones injustas, anacronismos y tradicionales barbaridades, es para perpetuarla.

El deseo y la buena voluntad son el origen de todo bien y de toda confusión y desconfianza social universal.

La vida evoluciona corrigiendo sistemáticamente el error, de ella deberían copiar los humanos.

Es un grave error negarle a una persona el derecho a disponer de su vida, porque es negarle el derecho a corregir el error del dolor irracional. Como bien dijeron los jueces de la audiencia de Barcelona: vivir es un derecho, pero no una obligación. Sin embargo no lo corrigieron, ni nadie parece ser responsable de corregirlo.

Aquellos que esgrimen el derecho como protector indiscutible de la vida humana, considerándola como algo abstracto y por encima de la voluntad personal sin excepción alguna, son los más inmorales. Podrán disfrazarse de maestros en filosofías jurídicas, médicas, políticas o metafísico-teológicas, pero desde el instante en que justifiquen lo absurdo se convierten en hipócritas.

La razón puede entender la inmoralidad, pero nunca puede justificarla. Cuando el derecho a la vida se impone como un deber. Cuando se penaliza ejercer el derecho a liberarse del dolor absurdo que conlleva la existencia de una vida absolutamente deteriorada, el derecho se ha convertido en absurdo, y las voluntades personales que lo fundamentan, normativizan e imponen en unas tiranías.

Acudí a los tribunales de justicia para que vds. decidiesen si me asistía o no ese derecho que mi conciencia considera de ambito moral exclusivo. Y, pienso que, humanamente cualificada. Acudí a la justicia, no sólo para que me respondiesen a un asunto de interes personal, sino porque considero mi deber denunciar la injusticia y rebelarme contra la hipocresía de un estado y de una religión que, democráticamente concebidos, toleran la práctica de la eutanasia si es llevada a cabo con discreción y secretismo, pero no con la sensatez y la claridad de la razón liberadora. También para denunciar que jamás pueda prevalecer el interés de ninguna tiranía o tirano por encima de la razón ética de la conciencia del hombre. Justificar sufrimientos irremediables por el interés de alguien que no sea el desafortunado ser humano que los padece, es crear un infierno para que diablos y diablillos disfruten con el espectáculo de los condenados, mientras filosofan gravemente sobre el sentido del dolor.

El juez que no se rebele ante la injusticia se convierte en delincuente. Claro que puede calmar su conciencia culpable afirmando que cumple con su deber, pero si consiente en que alguien utilice el sufrimiento de otros por su propio interés. Si consiente que la justicia se haga la sorda, cuando él sabe que lo hace porque políticamente no interesa escuchar, ese juez se hace cómplice de la delincuencia astutamente organizada bajo la apariencia de nobles y respetables instituciones: familia, estado, religión.

Dicen algunos políticos, teólogos y otros aprendices de falso profeta que mi lucha podría servirme como aliciente y darme motivos para vivir. Debería ser también el deber del juez perseguir a quienes insultan la razón y castigarlos severamente.

Mi único propósito es defender mi dignidad de persona y libertad de conciencia, no por capricho, sino porque las valoro y considero un principio de justicia universal. Con una sentencia favorable, tal vez no se volviera a obligar a otro ser humano a sobrevivir como tetraplégico, si esa no es su voluntad. Mi lucha tendría sentido si la justicia me concede el bien que para mi reclamo, si no es así, todo ese esfuerzo que algunos dicen puede dar sentido a mi vida habría sido estéril.

Espero que no piensen como los teólogos, políticos y aprendices de profeta que lo que le da sentido a mi vida es el derecho de reclamar un derecho y una libertad, eso sí, dando por supuesto que no me serán concedidos nunca. Espero que no sea vd. cómplice de tanta burla y falta de respeto contra la razón humana. Ningún esfuerzo inútil tiene sentido.

La intolerancia es el terrorismo contra la razón. Cualquier esfuerzo humano que tenga como fin liberar a la vida del sufrimiento, la crueldad y el dolor, y sea convertido en estéril con interesados sofismas es un fracaso del bien y un triunfo del mal.

Si no se le concede a cada individuo la oportunidad de hacer todo aquello que su conciencia considera bueno, no hay perfección ética posible, porque no hay evolución posible.

Si no se le concede al individuo el derecho a una muerte racional, voluntariamente decidida, la humanidad no podrá llegar a aceptar culturalmente su propia mortalidad. Y, si no se entiende el sentido de la muerte, tampoco se entiende el sentido de la vida.

El juez tiene el mandato de velar por la seguridad jurídica del grupo. Pero, por coherencia ético-moral, para que ese cometido fuese equilibrado y justo, tendría que defender antes la conciencia individual. El estado tiene medios represores para para protegerse de las posibles agresiones individuales. Sin embargo el individuo se encuentra indefenso para protegerse del abuso de las agresiones del estado. Si el juez se dedica a aplicar códigos, es un fanático fundamentalista que, obviamente está de una parte.

Es su deber corregir este error.

Atentamente

Ramón Sampedro Camean

13 de noviembre de 1996"




ALIGN=JUSTIFY>TESTAMENTO DE RAMÓN SAMPEDRO

"Srs. Jueces, Autoridades Políticas y Religiosas:

Después de las imágenes que acaban de ver; a una persona cuidando de un cuerpo atrofiado y deformado - el mío - yo les pregunto: ¿qué significa para Vds. la dignidad?

Sea cual sea la respuesta de vuestras conciencias, para mí la dignidad no es esto. ¡Esto no es vivir dignamente!

Yo, igual que algunos jueces, y la mayoría de las personas que aman la vida y la libertad, pienso que vivir es un derecho, no una obligación. Sin embargo he sido obligado a soportar esta penosa situación durante 29 años, cuatro meses y algunos días.

¡Me niego a continuar haciéndolo por más tiempo!

Aquellos de vosotros que os preguntéis: ¿Por qué morirme ahora - y de este modo - si es igual de ilegal que hace 29 años?

Entre otras razones, porque hace 29 años la libertad que hoy demando no cabía en la ley. Hoy sí. Y es por tanto vuestra desidia la que me obliga a hacer lo que estoy haciendo.

I. Van a cumplirse cinco años que - en mi demanda judicial - les hice la siguiente pregunta: ¿debe ser castigada la persona que ayude en mi eutanasia?

Según la Constitución española - y sin ser un experto en temas jurídicos - categóricamente NO.

Pero el Tribunal competente - es decir, el Constitucional - se niega a responder. Los políticos – legisladores - responden indirectamente haciendo una chapuza jurídica en la reforma del Código Penal. Y los religiosos dan gracias a Dios porque así sea.

Esto no es autoridad ética o moral. Esto es chulería política, paternalismo intolerante y fanatismo religioso.

II. Yo acudí a la justicia con el fin de que mis actos no tuviesen consecuencias penales para nadie. Llevo esperando cinco años. Y como tanta desidia me parece una burla, he decidido poner fin a todo esto de la forma que considero más digna, humana y racional.

Como pueden ver, a mi lado tengo un vaso de agua conteniendo una dosis de cianuro de potasio. Cuando lo beba habré renunciado – voluntariamente - a la propiedad más legítima y privada que poseo; es decir, mi cuerpo. También me habré liberado de una humillante esclavitud - la tetraplegia.

A este acto de libertad - con ayuda - le llaman Vds. cooperación en un suicidio - o suicidio asistido.

Sin embargo yo lo considero ayuda necesaria - y humana - para ser dueño y soberano de lo único que el ser humano puede llamar realmente "Mío", es decir, el cuerpo y lo que con él es -o está- la vida y su conciencia.

III. Pueden Vds. castigar a ese prójimo que me ha amado y fue coherente con ese amor, es decir, amándome como a sí mismo. Claro que para ello tuvo que vencer el terror psicológico a vuestra venganza - ese es todo su delito. Además de aceptar el deber moral de hacer lo que debe, es decir, lo que menos le interesa y más le duele.

Sí, pueden castigar, pero Vds. saben que es una simple venganza - legal pero no legítima. Vds. saben que es una injusticia, ya que no les cabe la menor duda de que el único responsable de mis actos soy yo, y solamente yo.

Pero, si a pesar de mis razones deciden ejemplarizar con el castigo atemorizador, yo les aconsejo - y ruego - que hagan lo justo: Córtenle al cooperador/ra los brazos y las piernas porque eso fue lo que de su persona he necesitado. La conciencia fue mía. Por tanto, míos han sido el acto y la intención de los hechos.

IV. Srs. jueces, negar la propiedad privada de nuestro propio ser es la más grande de las mentiras culturales. Para una cultura que sacraliza la propiedad privada de las cosas - entre ellas la tierra y el agua - es una aberración negar la propiedad más privada de todas, nuestra Patria y Reino personal. Nuestro cuerpo, vida y conciencia. - Nuestro Universo".

(...)

"Srs. Jueces, Autoridades Políticas y Religiosas:

No es que mi conciencia se halle atrapada en la deformidad de mi cuerpo atrofiado e insensible, sino en la deformidad, atrofia e insensibilidad de vuestras conciencias".













































































































































Alfie **

24.12.04, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Charles Shyer. Elenco: Jude Law, Marisa Tomei, Omar Epps, Nia Long, Jane Krakowsky, Sienna Miller, Susan Sarandon. Nacionalidade: Reino Unido, 2004.


SRC=http://images.rottentomatoes.com/images/movie/gallery/1137347/photo_03.jpg>


ALIGN=JUSTIFY>Trata-se de um remake de um filme dos anos 60, cujo protagonista principal era na altura Michael Caine, que nesta película deu o seu lugar a Jude Law. O filme é dirigido por Charles Shyer (O Pai da Noiva 1 e 2) e conta também com interpretações de Marisa Tomei e Susan Sarandon.

ALIGN=JUSTIFY>A história centra-se na vida de Alfie (Jude Law), um inglês em Nova Iorque, com uma rotina daquelas que muito de nós rapazes em algum(ns) momento(s) se calhar não nos importávamos de ter. Um playboy com estilo que efectivamente não tem grandes dificuldades em sê-lo, tendo um dia a dia extremamente ocupado entre uma rapariga e outra (incluindo Marisa Tomei e Jane Krakowsky (a secretária de Ally McBeal)) e com dúvidas existenciais do género “Em que casa durmo hoje?”.

ALIGN=JUSTIFY>No entanto, tudo muda quando se confronta com uma das maiores dificuldade com que, calculo, um playboy se deve deparar, ou seja, começar a pensar se não será altura de ter uma relação duradoura (o que neste caso corresponde a mais de 10 encontros!). Obviamente, que uma série de acontecimentos precipitaram este tipo de interrogação.

ALIGN=JUSTIFY>O filme, narrado muitas vezes na primeira pessoa, é portanto uma busca para saber se haverá uma mulher que mereça ultrapassar a barreira dos 10 encontros e se Alfie se encontra verdadeiramente preparado para manter essa relação ou se, pelo contrário, não se consegue libertar da vida difícil que leva.

ALIGN=JUSTIFY>Para tal, Alfie acaba por se envolver num conjunto de dificuldades inesperadas, mesmo para quem faz um esforço para que tudo dê certo. Sienna Miller (uma das actrizes do momento em Inglaterra, e com razões para isso) e Susan Sarandon, entre outras, fazem parte desta trajectória por que Alfie passa até chegar à conclusão do que efectivamente pretende fazer.

ALIGN=JUSTIFY>Este é um filme destinado em grande parte à audiência feminina, parecendo-me que na sua maioria os rapazes devem ser arrastados para o filme (pelo menos foi o que me aconteceu). A este fenómeno não será alheia a participação de Jude Law, porque efectivamente o filme é relativamente banal, sendo daqueles bons para ver durante um dia de semana, em que se está cansado e não se quer pensar muito. Tendo isto em consideração acho que merece a deslocação ao cinema.

ALIGN=JUSTIFY>De destacar a banda sonora da autoria de Mick Jagger, que acaba por ser um ponto a favor do filme.


ALIGN=JUSTIFY>Estrelas: 2



color=#aaaaaa>por Vasco











The Incredibles: Os Super-heróis ***

22.12.04, Rita

T.O.: The Incredibles. Realização: Brad Bird. Vozes V.O.: Craig T. Nelson (Bob Parr/Mr.Incredible), Holly Hunter (Helen Parr/Elastigirl), Samule L. Jackson (Lucius Best/Frozone), Jason Lee (Buddy Pine/Syndrome), Spencer Fox (Dash Parr), Sarah Vowell (Violet Parr), Elizabeth Peña (Mirage), Brad Bird (Edna ‘E’ Mode). Nacionalidade: USA, 2004.





Um filme de animação que lida com a crise de meia-idade, conflitos matrimoniais, negligência para com os filhos, medos, angústia existencial e moda, não é um normal filme de animação. Depois de “A Bug's Life”, “Toy Story 1” e “2”, e “Finding Nemo”), os estúdios Pixar colocam mais uma vez a inovação tecnológica ao serviço da arte de contar histórias neste “The Incredibles”.


Mr.Incredible é um super-herói, que passa o seu dia a combater o mal e a salvar vidas. Quinze anos depois, devido a contenções orçamentais do governo e a diversos processos legais colocados por pessoas que defendiam que não queriam ser salvas, Mr.Incredible é colocado num programa de protecção a/de super-heróis. Sob o nome Bob Parr, muda-se com a sua família para os subúrbios, e assume uma vida comum como agente de seguros, onde apenas tem oportunidade de lutar contra a burocracia, o aborrecimento e uma linha de cintura em crescendo.


A sua mulher, Helen (anteriormente Elastigirl) é quem faz mais pressão para encaixar nos moldes impostos. Violet, a filha adolescente detesta ter de esconder a sua capacidade de se tornar invisível, enquanto o filho Dash anseia por usar o seu poder de super-velocidade. Enquanto isso, Bob vive para o “bowling” de quarta-feira à noite, com o seu amigo Frozone, um outro antigo super-herói.


Quando surge uma oportunidade de regressar à sua antiga glória, numa missão secreta, Bob não resiste a voltar a vestir o seu antigo fato. Mas algo corre mal e a sua família vê-se obrigada a ir salvá-lo das garras do vilão Syndrome.


O realizador-argumentista Bird faz questão de nos colocar no contexto desta família antes de partir para a acção, num passo talvez demasiado lento, mas essa é uma introdução que compensa quando a aventura começa. De repente temos, simultaneamente, James Bond e os X-Men, num espectacular festim visual.


Cumprindo os requisitos de um filme de acção-aventura, Bird investe na imaginação e no humor sarcástico, já praticado com a sua colaboração nos “Simpsons”, misturando os valores familiares e os seus medos. O tema central da pressão da sociedade para que nos conformemos com o standard geral de mediocridade será possivelmente demasiado ambicioso para o público mais jovem, podendo obrigar os progenitores à explicação de algumas questões.


A principal diferença entre este e os restantes filmes da Pixar é a existência de seres humanos, e a necessidade de correcção a nível dos movimentos, ossos, músculos, pele e cabelo, tendo-se levado ainda mais longe a animação de pêlo já desenvolvida para o “Monsters, Inc.”. O trabalho de texturas dos tecidos é igualmente impressionante. Já para não mencionar os mais de 200 cenários em que a história se desenrola.


Uma divertida e inteligente história, para os apreciadores das ironias da vida.



P.S. - Para quem optar pela versão original, o destaque da melhor voz vai para Brad Bird como Edna ‘E’ Mode, a desenhadora de fatos de super-heróis.






CITAÇÕES:


“No matter how many times you save the world, it always manages to get back in jeopardy again. Sometimes I just want it to stay saved! You know, for a little bit? I feel like the maid; "I just cleaned up this mess! Can we keep it clean for... for ten minutes!”
MR. INCREDIBLE


“To say that everyone is special is the same as saying that no one is...”
BUDDY PINE



Being Julia ***

17.12.04, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: István Szabó. Elenco: Annette Bening, Jeremy Irons, Bruce Greenwood, Miriam Margolyes, Juliet Stevenson, Shaun Evans, Michael Gambon, Thomas Sturridge, Lucy Punch. Nacionalidade: Canadá / USA / Hungria / Reino Unido, 2004.


SRC=http://www.sonyclassics.com/beingjulia/core/images/gallery-lg/50.jpg WIDTH=480>


ALIGN=JUSTIFY>Julia Lambert (Bening) é uma actriz de teatro em final de carreira na Londres dos anos 30, com um ego fútil, vaidoso e manipulador, constantemente alimentado pelos seus admiradores. A sua insatisfação pessoal e profissional é interrompida pelo aparecimento do jovem Tom (Evans) com quem inicia um romance turbulento. Michael (Irons) é, simultaneamente, o seu liberal marido e o seu conservador agente. Mas a vida de Julia encontra-se num ponto de viragem, onde vai ter de marcar uma posição ou para sempre ceder à nova geração o seu há muito conquistado estrelato.

ALIGN=JUSTIFY>Este filme levanta a interessante questão da representação como uma entrega total à arte, no ambicionado perfeccionismo para retratar sentimentos e emoções, e na dependência desse “fingimento” para viver a própria realidade. Julia é uma actriz tão perfeita que sabe as suas deixas de cor, repetindo de forma textual as mesmas frases em diversas situações a diferentes pessoas. Sabe que, para cada uma delas, ela tem um papel específico e faz questão de o representar.

ALIGN=JUSTIFY>A ausência de sentimentos “reais” na sua vida, tornam-na incapaz de viver os acontecimentos que se precipitam, a não se através daquilo que aprendeu, ou seja, a representação. Por isso, em milésimos de segundo é extravagantemente eufórica e tragicamente fatalista, indo da gargalhada à lágrima com uma desconcertante facilidade.

ALIGN=JUSTIFY>Quem se lembra de American Beauty (1999) de Sam Mendes, não se irá surpreender com o confirmado talento de Annette Bening, que tem aqui um desempenho magistral. A nomeação dos Golden Globe para Melhor Actriz de Musical ou Comédia vem apenas reforçar a previsão de que nem a Academy of Motion Picture Arts and Sciences poderá ficar indiferente à sedutora Julia.

ALIGN=JUSTIFY>O restante elenco completa-se com um discreto, mas sempre irrepreensível, Jeremy Irons, um delicioso Michael Gambon, dois refrescantes jovens, Evans e Punch, e uma subtil mas ácida Stevenson no papel da criada Evie, num dos melhores papéis secundários deste ano.

ALIGN=JUSTIFY>Baseado no livro “Theatre” (1937) de W. Somerset Maugham, e adaptado ao cinema por Ronald Harwood (premiado com um Oscar pelo argumento de The Pianist (2002) de Roman Polanski), o realizador húngaro oferece-nos um drama inteligente pontuado por um humor por vezes pérfido e pleno de finas nuances.

ALIGN=JUSTIFY>Quem ri por último, ri melhor.

WIDTH=70% COLOR=#E90909 SIZE=1>

ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY>color=#aaaaaa> “You mean that or are you acting? I never know when you’re acting.”
MIRIAM MARGOLYES (Dolly de Vries)


ALIGN=JUSTIFY> “For the theatre’s leading lady... All the world’s a stage.
Act 1: Passion
Act 2: Betrayal
Act 3: Revenge”












La Niña Santa **

15.12.04, Rita

ALIGN=JUSTIFY>Realização: Lucrecia Martel. Elenco: Mercedes Morán, Carlos Belloso, Alejandro Urdapilleta, María Alche, Julieta Zylberberg, Mía Maestro. Nacionalidade: Argentina / Itália / Holanda / Espanha, 2004.


SRC=http://www.cinenacional.com/images/galeria/fotos/l/lns_1.jpg >


ALIGN=JUSTIFY>Precedido pela enorme expectativa que gerou a extraordinária primeira longa-metragem da argentina Lucrecia Martel, La Ciénaga, chega agora La Niña Santa, um filme que mistura o místico e o erótico.

ALIGN=JUSTIFY>Se o primeiro se destacou pela marcada importância das atmosferas, sem uma história “forte”, trazendo ao espectador uma forma diferente de viver a experiência do cinema; este vem dar evidência aos olhares e aos rostos, que ambiguamente transmitem sentimentos em substituição das palavras. Aqui a mestria de Martel continua intacta e foi até um pouco mais longe.

ALIGN=JUSTIFY>Amalia (Alche) é uma adolescente ansiosa por receber um sinal de Deus e acredita identificar a sua missão divina na conversão de um homem (Belloso) que a aborda em plena rua, com uma intenção nitidamente sexual. Mais tarde, Amalia acaba por descobrir que este homem é um dos médicos do congresso que tem lugar no hotel onde vive com a sua mãe (Morán).

ALIGN=JUSTIFY>A fé toma aqui o lugar de uma pequena obsessão. Na adolescência todos nos consideramos os donos do mundo e seguimos cegamente, sem questionar, as ideias dos nossos ídolos. Como se cantasse a canção do seu grupo preferido, Amalia reza automaticamente, debitando orações decoradas.

ALIGN=JUSTIFY>Mas o ambiente indolente e desordenado de La Ciénaga perde muito do seu sentido neste filme, tornando-o inclusivamente aborrecido. Martel distancia-se tanto dos seus personagens, olhando-os de fora e sem julgamentos, que impede que nos aproximemos ou identifiquemos com eles, ou que compreendamos as suas motivações.

ALIGN=JUSTIFY>Martel recusa-se a evidenciar a atracção de Amalia por Jano (Belloso), a fazer dela uma Lolita; recusa-se a expressar claramente a atracção simultânea de Jano por Amalia e por Helena (Móran); recusa-se a libertar Helena na paixão. Deixa-nos sempre no limbo das possibilidades, quando na vida não é disso que se trata, mas sim de escolhas.

ALIGN=JUSTIFY>Na ânsia de marcar os dilemas religião vs. ciência; fé vs. agnosticismo; “visão” vs. “surdez”, Martel acaba por reduzir cada um dos personagens a meros instrumentos cirúrgicos, impedindo-os de serem humanos. Tal como Jano, Martel roça, mas não se compromete. Esquiva-se, deixando-nos a sensação de termos sido usados para o seu prazer. Só nos damos verdadeiramente quando nos comprometemos e, aqui, Martel fica-se por uma relação superficial, sem grandes sentimentos.


WIDTH=70% COLOR=#E90909 SIZE=1>


ALIGN=JUSTIFY>CITAÇÕES:

ALIGN=JUSTIFY> “Es natural que los poetas místicos y los eróticos usen un lenguaje parecido: no hay muchas maneras de decir lo indecible.”
OCTAVIO PAZ.










Comentário

13.12.04, Rita

Por contigências tecnológicas que impossibilitaram a publicação, pela via normal, do comentário abaixo, aqui fica uma opinião. Venham mais.





«Olá!

Outro dia escrevi-te porque não conseguia colocar aqui comentários. Se este
colar é porque, tal como escreveste no amável mail de resposta, o problema
foi resolvido.


Partilhamos um enorme amor por cinema. Li muitas das tuas críticas; como seria de esperar havendo duas cabeças pensantes, concordo com umas (a maior
parte) e com outras não.


Mas isto não importa agora, não para o que quero dizer. Penso que a frase que aí tens no fim da crónica sobre uma entrevista a Orson Welles está quase
soberba. Digo "quase" porque apenas lá falta um dos ingredientes fundamentais na Criação: o acaso. Já ouvi várias pessoas, que tal como Orson Welles tiveram a sinceridade de dizer abertamente como foi que chegaram a determinado fim, dizerem o quanto os acasos foram fundamentais... E um acaso pode ser algo tremendamente pequeno: no cinema, por exemplo, uma pena dum pato que por acaso apareceu a esvoaçar no plateau e que fez alguém, um realizador, imediatamente mudar o plano e incluí-la nele, enriquecendo-o assim.


E há tantos casos destes... Só que nem toda a gente tem a capacidade de perceber num segundo que uma pena dum pato pode mudar o seu filme e talvez a sua vida e as vidas de muitas outras pessoas. Aí está a diferença. Ou pelo menos uma das diferenças.


Isto faz parágrafos? Normalmente estas coisas não fazem parágrafos e assim sendo este texto vai ficar uma baralhada... Só que já não estou com capacidade para alinhavar isto de forma a conseguir que saia alguma coisa de jeito sem as quebras de linha. Estou com uma insónia de domingo à noite e já passa das 6 da manhã. Esta foi das fortes.


Não vou reler o que escrevi. Não me atrevo.

Obrigado por este espaço! E... não pares.»



RUI BARROSO

Dobragem VS. Legendagem

10.12.04, Rita


Para o comum português a simples ideia de ir ver um filme dobrado é quase abjecta. Johnny Depp falando um português correcto nos Piratas das Caraíbas transformaria o divertido personagem Jack Sparrow em ridículo. Robert de Niro em Taxi Driver dizendo ao espelho “Estás a falar comigo?” com um sotaque lisboeta, retiraria toda a credibilidade ao seu papel. Como portuguesa de nascimento e educação partilho desta opinião.


No entanto, acasos da vida levaram-me a partilhar largos meses da minha existência no nosso país vizinho. Dada a minha aguda dependência por cinema, não poderia ter sobrevivido se não tivesse optado por abrir o meu espírito ao “maravilhoso” mundo da dobragem.


Na cidade onde estive, apenas um cinema se atrevia a passar as versões originais. O que acontece é que na maioria das vezes projectavam filmes espanhóis... Daí que tive, forçosamente, que ouvir toda a Europa e metade de Hollywood a falar correctamente a língua de Cervantes (exceptuando, claro, todos os filmes aos quais até no estrangeiro me recuso a ver, por isso Schwarzenegger continua a ter o seu “AIL BI BÁQUE!” intacto).


As primeiras dez vezes custam um bocadinho, especialmente devido às risadas incontroláveis. Das dez às vinte começamos a notar o fantástico trabalho de dobragem que a indústria espanhola desenvolveu. Bem longe das nossas queridas novelas venezuelanas dobradas em brasileiro, os filmes espanhóis sincronizam de tal maneira as palavras aos movimentos labiais dos actores, que a partir da vigésima “película” começamos a acreditar que Antonio Banderas é espanhol.


Aproveitei os feriados de Dezembro para fazer um regresso à cidade que há quatro (quatro!) anos atrás me acolheu, e durante uma semana e meia fui seis (seis!) vezes ao cinema. Obras que serão, a seu tempo, objecto de uma análise mais detalhada, assim que os compromissos profissionais me permitam um respiro.


De salientar a grande desilusão do filme La Niña Santa, de Lucrecia Martel, que tinha perdido no IndieLISBOA; a agradável surpresa de Luna de Avellaneda, de Juan José Campanella (o realizador argentino de O Filho da Noiva); e o fabuloso Mar Adentro, de Alejandro Amenábar, que justifica perfeitamente a sua proposta pela Academia Espanhola para os Oscar (Pedro Almodóvar ainda se chora pelo seu belo Mala Educación ter sido preterido). Javier Bardem tem aqui de novo, após o precedente de Before Night Falls, de Julian Schnabel, uma interpretação digna de uma nomeação para a estatueta dourada (se é que isso vale de alguma coisa...).


Aproveitando que as distribuidoras privilegiam o mercado espanhol ao nosso, adiantei-me e vi também o Being Julia, de István Szabó, com uma óptima interpretação de Annette Bening; e o mais recente e refrescante “filho” de Woody Allen, Melinda e Melinda.


Devo dizer-vos que Jeremy Irons é tão “british” como eu: aquele sotaque não engana niguém... Andaluzia disfarçada, com os “Ss” metidos à pressão. E o leque de actores que Woody Allen reuniu, certamente que se juntava nos intervalos das filmagens a beber gaspacho em copo alto com duas pedras de gelo e a comer uma boa paelha valenciana.


Isto tudo para dizer que a força do cinema é mais poderosa que os nossos (deveria talvez falar apenas pelos meus) preconceitos.
Nossos, portugueses, que recusamos o talento de uma boa tradução. Quantos de nós lêem livros nas versões originais? O que teria ficado por descobrir se nos limitássemos dessa forma? Süskind? Calvino? Eco?
Nossos, espanhóis, que apenas conseguem digerir aquilo que lhes é dado sem terem de esforçar o cérebro, por uma cultura demasiado narcisista, que os impede de ser mais receptivos ao mundo.


Em contrapartida, a permeabilidade portuguesa é tão grande, que a cultura nacional fica sempre relegada para um plano inferior. É deprimente uma sociedade surpreender-se com a qualidade da sua produção. Como nos surpreendemos com um filho, em quem nunca investimos e de quem nunca esperámos grandes feitos.


Em relação ao cinema português faço aqui um MEA CULPA, confessando o meu cepticismo e o meu reduzido esforço para arriscar. Mas continuarei a tentar, dando o benefício da dúvida a mim mesma.