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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Youth Without Youth ****

15.04.08, Rita

Realização: Francis Ford Coppola. Elenco: Tim Roth, Alexandra Maria Lara, Bruno Ganz, André Hennicke, Marcel Iures, Adrian Pintea, Alexandra Pirici. Nacionalidade: EUA / Alemanha / Itália / França / Roménia, 2007.





Ao final de 10 anos, o regresso de Francis Ford Coppola recupera a temática do rejuvenescimento, já explorada em “Jack” (1996), com o mesmo romantismo mágico (e trágico) que ilustrava o seu “Dracula” (1992), curiosamente uma personagem originária do mesmo país que o autor de “Youth Without Youth”, o filósofo romeno Mircea Eliade.


Roménia, 1938, domingo de Páscoa. Dominic Matei (Tim Roth, “Don’t Come Knocking”) tem 70 anos e dedicou toda a sua vida ao estudo da linguagem e da sua origem, apesar de nunca ter terminado o livro que se propôs escrever. Chegado de Piatra Neamt a Bucareste sob uma forte tempestade, ao atravessar a rua, a sua mente concentrada num envelope azul, é atingido por um raio. Miraculosamente, Dominic sobrevive, e, sob o olhar curioso do Professor Stanciulescu (Bruno Ganz, “Der Untergang - A Queda”), revela-se um homem de 40 anos. Durante a sua recuperação, Dominic começa a ser atormentado por recordações de Laura (Alexandra Maria Lara, “Control”), o seu grande amor, e por um duplo de si mesmo que o questiona e desafia. Stanciulescu está intrigado com o processo de memória de Dominic, mas a sua preocupação concentra-se no forte interesse em Dominic por parte dos cientistas do Terceiro Reich, nomeadamente o Dr. Josef Rudolf (Andre M. Hennicke), que leva a cabo experiências sobre os efeitos da alta voltagem em animais. Com a ajuda do Professor e uma falsa identidade, Dominic foge para a Suiça, onde prossegue com a sua investigação. Dotado de poderes especiais na absorção de conhecimentos e de telecinesia, Dominic escapa-se aos espiões nazis gravando os seus apontamentos numa linguagem criada por ele mesmo. Anos depois, ele conhece Veronica (Alexandra Maria Lara novamente), um duplo de Laura que, após um incidente idêntico ao de Dominic, começa a ter episódios de regressão, nos quais assume vidas anteriores nos quais usa linguagem cada vez mais antigas. Dominic acredita que a linguagem modela a consciência humana e tem um papel determinante na ordem do mundo e do tempo. Em Veronica ele vê um veículo para atingir o estado de pré-linguagem, e a origem de onde todas as linguagens descendem.


“Youth Without Youth” é um puzzle psicológico fragmentado que se vai juntando num todo coerente, ligando décadas e continentes. Numa meditação filosófica e até metafísica, o tempo e a memória vão sendo questionados, o bem e o mal são contrapostos, assim como os fins e os meios, a realidade e a imaginação, o conhecimento e o amor.


A linguagem de Coppola é essencialmente simbólica: o rejuvenescimento é identificado com a sede de conhecimento, enquanto o passado como obsessão/prisão se converte em degradação. As metáforas corporizam-se em luz, espelhos, rosas e chapéus-de-chuva, sob a estética de film noir no misto de obscuridade e deslumbre da fotografia de Mihai Malaimare Jr. Esta leitura paralela, que somos desafiados a fazer, retira força às interpretações, ainda que Roth seja impreterivelmente magnético.


“Youth Without Youth” está marcado por uma forte dualidade, que se estende ao título do próprio filme, onde a “juventude” se repete. O uso de um duplo não se limita ao engenho narrativo da corrente de consciência, mas representa também o dois (ou mais?) que somos todos. Em cada um de nós convivem uma criança e um idoso, e a vida toda consiste na reconciliação de ambas, umas vezes ganhando uma, outras vezes a outra. Também o amor é mostrado em dobro: o primeiro, instintivo, desmedido e instável; o segundo, racional, ponderado e perene.


“Youth Without Youth” exige concentração e uma apetência pelo fantástico e pela magia, mas o envolvimento pessoal de Coppola que dele transpira não pode deixar de nos comover.