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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Broken Flowers - Flores Partidas ****

06.12.05, Rita

Realização: Jim Jarmusch. Elenco: Bill Murray, Jeffrey Wright, Julie Delpy, Heather Simms, Sharon Stone, Jessica Lange, Tilda Swinton, Frances Conroy, Chloë Sevigny, Brea Frazier, Alexis Dziena, Christopher McDonald. Nacionalidade: EUA / França, 2005.





O dia não pode começar bem quando a nossa companheira bate com a porta e o correio não traz notícias boas. Uma antiga namorada que se esconde no anonimato e que lhe anuncia a existência de um filho, nascido de uma noite de paixão 20 anos antes e que saiu, entretanto, de casa à procura do pai ausente.


O dia não começa bem para Don, a personagem de Bill Murray no novo filme de Jim Jarmusch, "Broken Flowers - Flores Partidas", aclamado este ano no Festival de Cannes com o prémio do Grande Júri.


Instigado por um vizinho (Jeffrey Wright), que se divide por três empregos, mas no fundo gostava de ser detective, Don Johnston (com um “t”, como explica às mais jovens que encontra na sua viagem) parte, quase sem vontade, em busca das quatro mulheres que poderão ser a mãe do filho que ele desconhecia.


É essa viagem - de reencontros que podem ser amargos e mesmo violentos - que acompanhamos ao longo do filme, que vale pelas interpretações (atenção à galeria de actrizes secundárias, que inclui, entre outras, Sharon Stone, Tilda Swinton, Julie Delpy, Jessica Lange e Chloë Sevigny) e por um argumento, que tece uma laboriosa teia de pormenores e diálogos que entrelaçam o espectador, como na anterior obra, de 2003, "Café e Cigarros", em que o mote eram conversas em torno de café e cigarros.


Don é o fio condutor das histórias que decorrem perante os nossos olhos - como as flores que dão nome ao filme, que murcham e morrem. Nada une aquelas mulheres, a não ser a personagem de Murray. Todas elas partilharam cama e sonhos com ele, mas o reencontro, 20 anos depois, é feito de silêncios ou incómodos. Não há muito a dizer. Mas Jarmusch diz muito, neste "Broken Flowers".






CITAÇÕES:


“Rita - Daddy, you're not supposed to be smoking.
Winston - Oh, no, no. This is just some assorted herbs, some cheeba.
Don Johnston - Let me see that.
[takes a drag of cigarette]
Don Johnston - Yep, it's just cannabis sativa.”
BREA FRAZIER (Rita), JEFFREY WRIGHT (Winston) e BILL MURRAY (Don)


“[after he gets punched]
Sun Green - Are you OK?
Don Johnston - It was just a minor misunderstanding.”
PELL JAMES (Sun Green) e BILL MURRAY (Don)


por Miguel









O realizador de “Night on Earth” (1991), “Dead Man” (1995), “Ghost Dog: The Way of the Samurai” (1999), e “Coffee and Cigarrettes” (2003) traz-nos com “Broken Flowers” um filme cru e introspectivo.


Acompanhado pelo CD “Don - From Winston” (disponível para audição no site oficial), pormenor que me recordou necessariamente o “Elizabethtown”, Don, um Don Juan decrépito (e o nome DON JONHston não é por acaso), inicia uma viagem dura e (porque) profunda ao seu passado. Voltar a casa de alguém com quem fomos para a cama há 20 anos, jantar com o marido dela, levar um murro do namorado de outra ou ser seduzido pela filha menor de outra ainda, pode ter graves consequência na forma como nos vemos a nós mesmos. Deve doer olharmos para trás nas nossas vidas e descobrirmos que somos uns grandes FDP.


Cada uma destas mulheres revela um aspecto diferente de quem Don foi no passado, espreitando para vidas que ele poderia ter tido se não tivesse tido tanto medo. A reacção de cada uma delas vai crescendo no grau de desagrado (o rancor sobrepõe-se visivelmente ao perdão), da mesma forma que Don se vai aproximando do mais fundo de si mesmo. E as flores (cor-de-rosa) que ele leva a cada uma estão condenadas a murchar, da mesma forma que aquelas que ele tem em casa (talvez as de Sherry) fazem já parte do passado. Apesar das suas muitas conquistas, Don ficou sem conquistar o mais importante: um sentido para a sua vida.


A interpretação de Murray faz lembrar a contenção e sobriedade de “Lost in Translation”, com ainda mais tristeza e vazio. As suas feridas internas são visíveis no seu comportamento depressivo, onde cada gesto, cada palavra perecem uma luta (daí sempre o mesmo fato de treino?). O charme que teve no passado surge apenas em pequenos instantes, para logo se desvanecer numa nuvem cinzenta.


Wright é genial como o contraponto cómico, e todas as actrizes secundárias representam papéis que dariam certamente, cada um deles, um filme. Ficamos com vontade de as ver mais, mais para trás na sua relação com Don.


Jarmusch opta pelo óbvio em algumas situações, como é o caso das piadas com referência à estrela de “Miami Vice”, Don Johnson; ou a transposição de todos os detalhes da ninfa de Nabokov em Lolita (Alexis Dziena), a filha de Laura. Mas depois enche-nos a alma com detalhes como a viagem da carta pelos interiores dos serviços da USA Mail, ou aquela impressionante mão de Chloë Sevigny apoiada numa anca que não é a sua. Jarmusch escolhe o cor-de-rosa como a cor estandarte de um filme que não é nada cor-de-rosa, mas que representa no fundo aquilo que se procura: o “felizes para sempre”. Das suas opções, o grande senão vai para os constantes e cansativos fade-out entre cenas.


Jarmusch escolheu um ritmo compassado para este filme, porque não se trata de uma epifania. As grandes revelações da nossa vida vão-se fazendo pouco a pouco, e é esse caminho que conta. O resultado da procura deixa, com efeito, de ser importante. A viagem é o crescimento. De repente, alguém que era desligado de tudo, dá-se conta de que as suas acções não são inconsequentes, e que se sente, estranhamente, atento a tudo o que o rodeia. No final, Don parece ter despertado para o presente, que ele mesmo conclui que é a única coisa que importa.






MAIS CITAÇÕES:


“I'm like your mistress, except you're not even married.”
JULIE DELPY (Sherry)

“Don - Did I give you that necklace?
Dora - No.
Don - I should have.”
BILL MURRAY (Don) e FRANCES CONROY (Dora)


por Rita

















































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