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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Still Life ***

10.05.07, Rita

T.O.: Sanxia Haoren. Realização: Jia Zhang-ke. Elenco: Zhao Tao, Han Sanming. Nacionalidade: China / Hong Kong, 2006.





O mais recente filme de Jia Zhang-ke (“The World”), vencedor do Leão de Ouro para o Melhor Filme do Festival de Veneza em 2006, é mais uma complexa e densa narrativa em volta do quotidiano. Desta feita, em torno dos efeitos da barragem das Três Gargantas no rio Yangtze sobre a vida da população local. Este projecto, que teve início em 1993 e só terminará em 2008, tem sido criticado quer por grupos ambientais quer de defesa dos direitos humanos, exigindo esforços desmesurados de realojamento.


Este é um dos poucos elementos comuns que une duas histórias que compõem esta “Natureza Morta”. O outro é um jovem que canta a plenos pulmões. Han Sanming (actor com o mesmo nome) é um mineiro de Shanxi que regressa à província de Sichuan após 16 anos, procurando a sua ex-mulher e a filha. Mas a morada que possui está agora submergida pelas crescentes águas da barragem das Três Gargantas. Han Sanming decide esperar pela sua mulher e arranja trabalho na demolição da cidade de Fengjie, antes da sua iminente inundação. Shen Hong (Zhao Tao), é enfermeira, também ela de Shanxi, e que vem a Fengjie em busca do marido, que não vê há dois anos e que ela pensa estar a traí-la.


Mais do que por acções, “Still Life” move-se através de observações. O toque documental coloca-nos numa perspectiva próxima à dos protagonistas, cada um deles assistindo à decadência e devastação urbana como se esta reflectisse a ruína da sua própria vida. Mas no meio de uma sociedade que destrói as suas próprias raízes e dos sentimentos de inadaptação que daí derivam, eles são também símbolo da resistência e persistência individual.


Nos planos longos, personagens e paisagens merecem igual atenção. Jia Zhang-ke divide este lento caminho em quatro partes: cigarros, álcool, chá, doces. Quatro “prazeres” numa realidade de necessidades, mas uma realidade onde ainda é possível um edifício ser lançado no espaço como um foguetão que foge para não ser destruído, onde três pessoas mascaradas se sentam na mesa da nossa sala, ou onde um funâmbulo se equilibra entre dois edifícios. O naturalismo contrasta com lampejos de loucura, da mesma forma que construção e destruição coexistem num mundo em mudança.


Apesar da sua profundidade, “Still Life” não consegue transportar-nos para o seu universo da mesma forma que “The World” o faz. Sobretudo porque é um filme que apela mais às nossas percepções racionais do que às emocionais.


Mas o que mais me inquietou neste filme, à semelhança dos quadros surrealistas, foi o título. E, na sua duração, não consegui parar de divagar sobre ele. Da mesma forma que uma flor numa jarra ou um fruto num prato são natureza morta, elementos retirados da sua fonte de vida, aguardando o apodrecimento, também o Homem é uma natureza morta. Retirado da sua fonte de vida no momento do corte do cordão umbilical toda a sua vida é um caminho para a morte, mais lento que o de uma flor ou de um fruto, mas igualmente inexorável.