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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

O Grande Silêncio****

22.02.07, Miguel Marujo
Realização: Philipe Gröning. Nacionalidade: França/Suíça/Alemanha, 2005.





É outro tempo que se respira e vive neste filme. “O Grande Silêncio” estreou entre nós, a 8 de Fevereiro, depois de lá fora acumular prémios da crítica e reconhecimento do público. Mas não se pense que o realizador Philipe Gröning facilita: quase três horas de silêncios e murmúrios, uma banda sonora que se preenche com os gestos do quotidiano: lavar a louça, cortar lenha, tratar da horta, rapar o cabelo, talhar novos hábitos para os monges, tocar o sino. É assim a proposta deste cineasta alemão que, depois de esperar 16 anos para ali poder filmar, viveu seis meses entre a comunidade de monges da Cartuxa, do Mosteiro de La Grande Chartreuse, nos Alpes franceses, próximo de Grenoble, tida como a mais rigorosa das ordens monásticas católicas.


Viver em silêncio, rezar em silêncio, trabalhar em silêncio, falar em silêncio. Pequenos gestos. “Eis o silêncio: deixar que o Senhor pronuncie em nós uma palavra igual a Ele.” Gröning faz do cinema um convento, o olhar do espectador torna-se contemplação, como o monge que reza em silêncio, na sua cela solitária ou na floresta. A repetição, o ritmo, todos os gestos se dizem no tempo destes monges, que vivem noutro tempo, noutro ritmo, nos tempos de hoje. E o filme contempla este tempo, as estações a sucederem-se, os dias e as noites, as orações e os trabalhos.


Para filmar assim, os monges de Le Grande Chartreuse impuseram apenas quatro condições: as filmagens decorrerem sem luz artificial, sem música adicional, nem comentários. E a equipa reduzida ao próprio Gröning. Assim é: não há música, a não ser os cantos gregorianos que os frades cartuxos cantam; quando a noite cai, as orações ditas na escuridão iluminam-se com ténues velas; e quase não há palavras – apenas se escuta o rito de iniciação de dois noviços, uma leitura que acompanha a refeição comum aos domingos e dias santos (únicos dias em que se permite o passeio e conversas entre os irmãos) e, no fim, um frade cego que explica o sentido da sua vida, da vida da comunidade. “Quanto mais perto de Deus, mais feliz se é”, diz-nos. Ao fim de três horas, somos tentados a perscrutar estes silêncios, este tempo: “Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir.”


Mas a este ascetismo, traduzido num filme também ele asceta, o mundo espreita para lá dos muros – grupos de jovens que brincam nas redondezas, um carro que ilumina a noite. “Quem não renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo.” O sino repica. Solidão e silêncio.

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