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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

As Tartarugas Também Voam ****

11.01.07, Rita

T.O.: Lakposhtha hâm parvaz mikonand. Realização: Bahman Ghobadi. Elenco: Soran Ebrahim, Avaz Latif, Saddam Hossein Feysal, Hiresh Feysal Rahman, Abdol Rahman Karim, Ajil Zibari. Nacionalidade: Irão / França / Iraque, 2004.





Satellite (Soran Ebrahim), é um carismático jovem de 13 anos que vive num campo de refugiados Curdos, na fronteira entre a Turquia e o Iraque. A sua alcunha deriva do seu talento na instalação de antenas de televisão. Satellite é uma figura paternal para as restantes crianças do campo, supervisionando o seu trabalho na recolha de minas terrestres cuja venda garante o dinheiro para a sua difícil sobrevivência. As capacidade de Satellite e seus parcos conhecimentos de inglês são valorizados por toda a aldeia que anseia por notícias da iminente invasão do Iraque pelas tropas de George W. Bush. Satellite ouve falar de um rapaz capaz de prever o futuro, e é então que conhece Hengov (Hiresh Faysal Rahman), um rapaz sem braços que viaja com a sua bonita irmã Agrin (Avaz Latif) e o seu irmão mais novo Riga (Abdol Rahman Karim).


São estas as personagens de “As Tartarugas Também Voam”, crianças e adolescentes que parecem envelhecer perante os nossos olhos, vivendo quotidianamente uma trágica realidade, numa sociedade forçada por circunstâncias extremas, como símbolo da experiência de todos os refugiados, paralisados e, simultaneamente, impelidos pelos mesmo desespero. A excessiva actividade de Satellite parece ser aquilo que o protege de reflectir sobre a sua própria vida.


Durante anos os Curdos lutaram com a Turquia, o Iraque, o Irão e a Síria no sentido de definirem uma nação que todos os outros estados se recusam a reconhecer. Aqui, esperam ansiosamente pela chegada dos americanos e pela queda de Saddam Hussein, mas é bem possível que o seu futuro esteja fora do seu alcance. Perante a incerteza do seu destino, desenham-se dois caminhos. Ao optimismo irredutível de Satellite (representado pela colorida bicicleta que o acompanha), marcado pela coragem e por uma estranha sabedoria, opõe-se a alma ferida, atormentada e agonizante de Agrin.


Bahman Ghobadi (“Um Tempo Para Cavalos Bêbados”, 2000), ele próprio Curdo-Iraniano, utiliza imagens duras e cruas ao colocar caras na abstracção de que ouvimos falar de longe, mas em nenhum momento o seu intuito é chocar ou explorar o sofrimento humano. Neste retrato de miséria humana, onde a beleza e o horror se misturam de uma forma perturbante, não há lugar para a auto-comiseração. Ghobadi tem também o talento de encontrar humor no meio da desolação, tirando todo o partido da espontaneidade, autenticidade e força de um conjunto de actores não-profissinais, muitos dos quais reais refugiados e alguns deles com os corpos mutilados por minas terrestres. Outro dos méritos de Ghobadi é ter conseguido evitar uma abordagem política. Mas o sentimento final de desilusão não deixa de fazer pensar na utilização que os EUA fazem de quem lhes convém, para depois os largarem à sua sorte quando a sua utilidade termina.


Entre sofrimentos e profecias, a salvação deste inferno não é uma questão de fé. Nesta parte do mundo ainda não é possível um final feliz.