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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Selon Charlie ***1/2

24.10.06, Rita

Realização: Nicole Garcia. Elenco: Jean-Pierre Bacri, Vincent Lindon, Benoît Magimel, Benoît Poelvoorde, Patrick Pineau, Arnaud Valois, Ferdinand Martin, Minna Haapkylä, Sophie Cattani, Philippe Lefebvre, Philippe Magnan, Samir Guesmi, Jérôme Robart, Valérie Benguigui, Grégoire Leprince-Ringuet. Nacionalidade: França, 2006.





Matthieu (Patrick Pineau) é paleontólogo e regressa à sua cidade natal, na província costeira francesa, para uma conferência sobre a descoberta que a sua equipa fez de um homem pré-histórico que baptizaram de “Dirk” – “o homem da solidão”. Aí ele reencontra um antigo colega, Pierre (Benoît Magimel, “La Pianiste”) que se tornou professor, casado com Nora (Minna Haapkyla), que trabalha num centro de talassoterapia. Nora engana Pierre com Serge (Vincent Lindon, “La Moustache”), um colega de trabalho. O filho de Serge (Ferdinand Martin) é o Charlie do título, 11 anos, observador e, mais tarde, catalizador da mudança na vida de alguns destes homens. Deste filme coral fazem ainda parte um Presidente da Câmara adúltero (Jean-Pierre Bacri, “Comme une Image”), um jogador de ténis em crise vocacional (Arnaud Valois), e um pequeno criminoso em liberdade condicional e com má sorte (Benoît Poelvoorde, “Entre Ses Mains”).


O título do último filme de Nicole Garcia (“L’Adversaire”, 2002) reporta para o ponto de vista de uma criança, que, observando um mundo de adultos à distância, irresponsáveis, infiéis, frustrados, recusa ele próprio cair nos caminhos sem lógica e sem moral, tentando corrigir esse mundo ao qual ele sabe que mais tarde se irá juntar. Obrigado a mentir à sua mãe para proteger o pai, esta criança vai, pouco a pouco, descobrindo que os adultos mais depressa se refugiam em mentiras do que procuram a verdade.


Nenhum destes homens consegue perceber como chegou a uma fase da sua vida tão distanciada de quem quiseram um dia ser. Os três dias em que se desenrola a acção de “Selon Charlie” servem para pôr em questão as opções que os levaram até ali. Atormentados e em sofrimento, todos estes homens estão sós, em última instância, com as suas escolhas e com a sua consciência.


Nicole Garcia (também co-argumentista) usa uma câmara intimista, dando ao espectador pouco mais do que aquilo a que Charlie vai tendo acesso. As histórias das diversas personagens entrecruzam-se suavemente, mas são dadas poucas explicações sobre as suas opções e o seu passado, como apenas tivéssemos direito a estes dias da sua vida, esses breves instantes em que cada um de nós se cruza com outro. Não se entende se o distanciamento a que Nicole Garcia nos vota é intencional ou não, mas a sensação de irrealidade, quase frieza, é algo que fica.


E se a subtileza e os sub-entendidos podem ser reflexo de um filme inteligente, podem igualmente pôr em causa o seu entendimento. Apesar das grandes interpretações, estas personagens estão desenhadas a traços largos, e algumas delas são totalmente dispensáveis na narrativa, como é o caso do jogador de ténis. Com efeito, Charlie acaba apenas por afectar a vida do seu pai (Vincent Lindon numa deliciosa dualidade entre bom pai e mau marido) e o seu professor Pierre (Benoît Magimel num registo de fragilidade). Ao dar-lhes pouca substância real (ainda que as suas atitudes estejam impregnadas em significados implícitos), cada um dele acaba por ficar fechado num tipo e é fácil haver um sentimento de dispersão.


Mas Nicole Garcia não perde a mão no que se refere a filmar a dor e a desnudar o ser humano. Estes fragmentos masculinos são viris mas estão fragilizados pelas suas cicatrizes e pelas suas inquietações. Cada um deles procura um sentido e uma tranquilidade. A quem num momento de loucura (ou talvez sanidade...) já não lhe apeteceu fugir que atire a primeira pedra.






CITAÇÕES:


“Comment les hommes peuvent se tromper, emprunter une histoire, un rêve, un fantasme qui n’est pas le leur, et comment ils peuvent, dans cet égarement, remonter à eux-mêmes?”
NICOLE GARCIA