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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Je Ne Suis Pas La Pour Être Aimé ****

23.10.06, Rita

Realização: Stéphane Brizé. Elenco: Patrick Chesnais, Anne Consigny, Georges Wilson, Lionel Abelanski, Cyril Couton, Geneviève Mnich, Hélène Alexandridis, Anne Benoît.. Nacionalidade: França, 2005.





Jean-Claude (Patrick Chesnais) é um oficial de justiça na casa dos 50, que se cansa a subir as escadas para, como um emissário de más notícias, fazer as cobranças difíceis. Intimado pelo seu médico a fazer algum desporto, Jean-Claude opta pelas aulas de tango que tem vindo a espreitar da janela do seu escritório. Aí conhece Françoise (Anne Consigny), mais jovem que ele e prestes a casar-se com Thierry (Lionel Abelanski), um escritor em plena crise criativa.


Jean-Claude não espera surpresas, a sua vida é feita de rotinas. Incluindo a visita semanal à casa de repouso onde se encontra o seu pai (Georges Wilson), um tirânico que humilha de cada vez (mesmo que seja apenas pelo teor de cacau de um chocolate), e com quem Jean-Claude se limita a jogar Monopólio à falta de uma verdadeira comunicação. Jean-Claude acaba por reproduzir um pouco desta complicada relação com o seu próprio filho (Cyril Couton), que acaba de se juntar ao negócio que tem vindo a passar de geração e geração, não satisfazendo nenhuma delas.


Jean-Claude observa as aulas de tango da sua janela da mesma forma que o seu pai o vê partir cada final de semana, com pudor, como se apenas estivesse autorizado a ver a vida de longe. A sua vida sentimental é um deserto. Françoise, uma mulher, que, cheia de dúvidas, procura um amor absoluto e que não fica indiferente à profunda melancolia deste homem.


Je Ne Suis Pas Là Pour Être Aimé” está algures entre o drama intimista, o estudo de carácter e a comédia romântica. O filme de Stéphane Brizé é subtil, de sentimentos discretos mas intensos, serenos, filmado com extrema elegância e fluidez. A narrativa toma o tempo adequado para respirar, colocando nos silêncios quotidianos todo o peso da solidão, do desencanto, da resignação, da desesperança, de duas pessoas que balançam entre a tentação de ceder ao desconhecido ou a morte lenta da linha recta, calando para mais facilmente fingir que a infelicidade não existe.


Nada neste filme é imediato ou óbvio. O tango não é sensual, é o elemento de desconforto da intimidade, aproximando almas mais do que corpos. As interpretações são intensas. A contenção extrema de Patrick Chesnais, todo gestos e olhares, contribui para que um instante de explosão colérica se transforme num momento de forte densidade. Os papéis secundários, menos subtis e mais imprevisíveis, tornam-se imprescindíveis para o equilíbrio de Je Ne Suis Pas Là Pour Être Aimé”.


Stéphane Brizé transmite uma imensa ternura e respeito pelo ser humano, nas suas fragilidades, no desafio constante que é viver em harmonia com sentimentos e desejos, sonhos e pesadelos. Por isso não abdica nunca da possibilidade de renascimento.