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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

La Fille du Juge ****

20.10.06, Rita

Realização: William Karel. Género: Documentário. Nacionalidade: França, 2006.





Setembro de 2001. Clémence Boulouque tem 21 anos e está em Nova Iorque. Os atentados ao World Trade Center levam-na de regresso à sua infância, também ela profundamente marcada pelo terrorismo.


Clémence Boulouque é filha do juiz anti-terrorista Gilles Boulouque, encarregado dos inquéritos sobre os atentados de 1985-1986 em Paris, entre outros. Na sequência dessa investigação, e após os inquéritos, Boulouque liberta o suspeito Wahid Gordji, dada a ausência de provas de que Gordji fizesse parte da rede da terroristas. Boulouque é acusado por muitos dos seus pares de trair a independência da justiça e de ceder a pressões políticas, tendo usado a libertação de Gordji como moeda de troca para dois reféns franceses retidos no Líbano. Boulouque é um homem íntegro e idealista, profundamente envolvido no seu trabalho. A pressão e o abandono a que é votado acentuam a sua fragilidade e o seu sentimento de solidão, agravados pela acusação em 1988 de violação do segredo de justiça. No dia 13 de Dezembro de 1990, Gilles Boulouque suicida-se.


Na altura da sua morte, a sua filha Clémence tem 13 anos. Como ultrapassar estes acontecimentos? A morte de um pai? O desaparecimento do seu herói? Depois de uma infância constantemente rodeada de seguranças, ela vê-se sem a única pessoa com quem se sentia protegida e refugia-se no silêncio e na escola. Mais tarde acabará por escrever a sua dor e a sua solidão no livro 'Mort d’un Silence’, trazido ao cinema pela mão de William Karel.


Sem o propósito da controvérsia, Karel filma a própria Clémence Boulouque em Nova Iorque, e utiliza as suas fotografias pessoais e filmes em super 8 e para reconstituir a infância de Clémence e traçar o retrato da sua relação com o pai. As palavras de Clémence Boulouque, um texto rico perfeitamente interpretado por Elsa Zylberstein, constroem um documento comovente e transbordante de amor, uma homenagem plena de emoções, mas que nunca opta pelo sentimento fácil.


Karel insere o contexto histórico e a conjuntura em que se criou a máquina político-mdiática que levou Boulouque ao suicídio, com uma série de imagens de arquivo, onde não falta um debate entre François Miterrand e Jacques Chirac, na campanha presidencial de 1988, em que cada um deles tenta ilibar-se de qualquer responsabilidade no caso.


O elemento com menos força deste filme é a ligação aos atentados do World Trade Center que parece algo forçada, mas que, ao mesmo tempo, permite perceber que esta é uma questão muito mais antiga do que muitos de nós se dão conta. Por outro lado, o irmão de Clémence, Sylvain é referido diversas vezes, mas não aparece em todo o filme. Ainda que “La Fille du Juge” não precise da sua presença, a sua ausência é tão marcada que nos faz questionar de que lado foi tomada essa decisão.


“La Fille du Juge” é um filme lento, e que poderia ser facilmente entediante. Mas, pelo contrário, é uma obra completamente absorvente, numa brilhante montagem entre confissão privada e questões políticas, num magnífico equilíbrio entre drama íntimo e tragédia pública. Karel lida respeitosamente com os factos, aproveitando esta história pessoal para trazer para cima da mesa as ambíguas relações entre política e justiça.


Este “monólogo ilustrado” é um documento marcante. Uma vida cheia de interrogações e feridas que tenta fazer esse tortuoso caminho em direcção à serenidade.






CITAÇÕES:


“Personne ne se souvient de mon père et la vague d’attentats des années 80 à Paris se confond avec celles qui ont suivi. C’est après tout le destin des vagues de se retirer. C’était aussi le sien.”
CLÉMENCE BOULOUQUE