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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

Vers Le Sud **

17.10.06, Rita

Realização: Laurent Cantet. Elenco: Charlotte Rampling, Karen Young, Louise Portal, Ménothy Cesar, Lys Ambroise, Jackenson Pierre Olmo Diaz, Wilfried Paul. Nacionalidade: França, 2005.





Haiti, princípio dos anos 80. No aeroporto, enquanto Albert (Lys Ambroise), maître d’hôtel, aguarda por uma nova hóspede, é abordado por uma mulher, cujo marido foi capturado pelas autoridades, e que lhe pede que ele fique com a sua filha, uma jovem pobre e bonita, temendo pelo seu futuro – demasiado previsível para todas as jovens pobres e bonitas. Perante a recusa de Albert, ela faz-lhe um aviso: “As boas máscaras estão misturadas com as más, mas todos usam uma.”


Três mulheres de meia-idade, Brenda (Karen Young, “The Sopranos”), Ellen (Charlotte Rampling, “Swimming Pool”) e Sue (Louise Portal) são visitas regulares nos Verões de Port-au-Prince. O paraíso: o sol, a praia, e os homens que quiserem. Aqui elas são rainhas, porque pagam para isso. Com este mecanismo de fuga tentam preencher e dar sentido a uma vida vazia. Brenda e Ellen partilham a atenção e o desejo por Legba (Ménothy Cesar), um jovem de 18 anos. Sob uma camuflagem de amizade, elas serão rivais, possessivas e ao mesmo tempo vulneráveis.


As norte-americanas estão famintas por sexo, os haitianos estão famintos. Mas o convívio entre a riqueza e pobreza apenas aumenta o contraste em vez de o atenuar. Entre elas e eles estabelece-se uma relação de dependência mútua, que poderia ser extrapolada para uma relação entre nações (com petróleo ou diamantes à mistura), com o dinheiro a ser a verdadeira fonte do mal (como Albert de facto refere).


A acção de “Vers Le Sud” decorre no contexto de pobreza resultado do feroz governo de François ‘Papa Doc’ Duvalier (não que hoje a sua situação política seja mais estável, com efeito, as gravações no resort foram efectuadas na vizinha República Dominicana). O turismo sexual é aqui apresentado sob o ponto de vista feminino, com claros reflexos da definição de forças colonial. Estas mulheres tiram uns meses das suas vidas para fingirem que têm uma outra vida, mas este pedaço não poderá nunca encaixar-se na sua realidade (“Não importa, tudo aqui é diferente.”). A sua visão, pseudo-liberal, acaba por se revelar estereotipada e mesmo hipócrita, pois sem sequer se misturarem com a realidade onde se encontram (“Aos turistas nunca acontece nada.”), nem se dão conta dos conflitos sociais que se adensam. Numa caridade muito pouco generosa, elas oferecem a Legba um passaporte, mas ele recusa a oportunidade de sair do seu país. Não é isso que ele quer. Este indício insinua que ele tem outros planos para mudar de vida sem sair do Haiti. Infelizmente, Cantet recusa-se a dizer-nos muita coisa.


Em compensação, soterra-nos em informação redundante e desnecessária em quatro monólogos feitos directamente para as câmaras, por parte das três mulheres e também por Albert (para isso, seria bem mais interessante ter o lado de Legba). Para o pouco que retiramos desses momentos bastaria filmar um ou outro ponto de vista.


Em “Ressource Humaines” e “L’Emplois du Temps”, Laurent Cantet debruçou-se sobre o conflito entre a identidade pessoal e profissional, aqui parece querer fazer um retrato pós-colonial individualizado onde a identidade de colonizador e colonizado simulam uma integração, mas acaba por se perder numa disputa entre gatas com o cio.


“Vers Le Sud” é um filme presunçoso e extremamente aborrecido. E as interpretações – incluindo a de Charlotte Rampling – estão impregnadas dessa mesma transpiração. O que me apetecia mesmo era estar numa praia das Caraíbas.






CITAÇÕES:


“Se calhar não o amava, mas amava a forma como ele olhava para mim.”
KAREN YOUNG (Brenda)