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CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

CINERAMA

CRÍTICA E OPINIÃO SOBRE CINEMA

World Trade Center **1/2

28.09.06, Rita

Realização: Oliver Stone. Elenco: Nicolas Cage, Michael Peña, Maria Bello, Maggie Gyllenhaal, Michael Shannon, Armando Riesco, Jay Hernandez, Jon Bernthal. Nacionalidade: EUA, 2006.





Oliver Stone corre o sério risco de ser classificado, na minha lista pessoal, como o próximo Steven Spielberg, ou seja, o realizador que, estabelecendo uma reputação invejável, com grandes obras, se deixa cair nos tentáculos da indústria que o alimenta e se alimenta dele, deixando a arte, a inovação e o risco para os mais novos (ou ainda menos comprometidos). Spielberg rompeu o ciclo com “Munich”. Mas Stone, já desde “Natural Born Killers” (1994) que não me emociona. Com “World Trade Center” também não.


Este filme relata a experiência verídica de dois polícias da Autoridade Portuária de Nova Iorque, John McLoughlin e Will Jimeno (interpretados por Nicolas Cage e Michael Peña, respectivamente), que, juntamente com mais três colegas (entre os quais o português António Rodrigues), ficaram soterrados debaixo dos escombros das torres gémeas no fatídico dia do atentado. McLoughlin e Jimeno sobreviveram após 12 horas debaixo de cimento e metal, os seus companheiros não.


Os eventos dramatizados acompanham a agonia destes dois homens, que contam apenas um com o outro, para não se deixarem adormecer e para manterem a fé. Mas nenhum deles é mostrado como herói. O único que se aproxima de algum tipo de heroísmo é o marine Dave Karnes (Michael Shannon), que parece isolado na sua determinação de encontrar sobreviventes. Infelizmente, é também ele o mensageiro do desejo de vingança (as notas finais referem que ele participou posteriormente em duas missões no Iraque).


Oliver Stone abdica do seu ego, do seu prestígio, e sacrifica a ficção para se cingir à matéria-prima: uma aborrecida realidade, onde prevalece o sentimentalismo barato de um filme de sábado à tarde. A tragédia é convertida em entretenimento: os espectadores investem as suas emoções nos dois indivíduos miraculosamente salvos do desastre em vez de se focarem na anónima multidão que morreu nesse dia. “Não estamos preparados para nada desta dimensão” e talvez este filme venha provar isso mesmo, a incapacidade de lidar de frente com um monstro deste tamanho. Aliás, os atentados são apenas aflorados, e a vontade de que esta obra fosse apolítica é levada ao extremo de sentirmos que tudo se poderia passar em qualquer outro momento, em qualquer outro lugar.


Não quero com isto desvalorizar a experiência pessoal dos envolvidos, cuja violência não consigo sequer imaginar. Mas “World Trade Center” não é um memorial, e nem sequer é um filme muito bom.


Stone reconhece a importância do mostrar em vez do dizer, e trabalha a imagem de uma forma irrepreensível. A sombra de um avião, a agitação do embate, as cenas de desmoronamento, a restrição física dos escombros (e dos dois protagonistas), tudo isto aliado a uma montagem sem falhas. Stone tem ainda o mérito de conseguir que um filme que vive de duas horas de conversa entre dois homens imobilizados e desfalecidos não seja a coisa mais aborrecida do mundo. Para isso contribuem, as coloridas incursões pela vida familiar, actual e passada, de ambos, retratando a ansiedade das suas famílias enquanto esperam notícias, entre a angústia controlada da mulher de McLoughlin, Donna (Maria Bello), e o desespero da mulher de Jimeno, Allison (Maggie Gyllenhaal).


“World Trade Center” é um filme sobre entreajuda quando queria ser um filme sobre coragem, sobre salvar homens quando queria ser sobre salvar valores, sobre desígnio divino quando queria ser sobre esperança. Glorificar este filme não serve de nada, não é cinema de excepção, não ajuda a perceber o sofrimento, nem incita à resolução do problema subjacente, além de deixar uma subtil germinação de vingança.


O 9/11 servirá ainda de alimento para muitos na indústria de Hollywood e não só. Esperemos que o tempo coloque os factos na devida proporcionalidade e torne as abordagens mais corajosas.






CITAÇÕES:


“Pain is your friend.”
MICHAEL PEÑA (Will Jimeno, citando o filme “G.I. Jane”)

“God made a curtain with the smoke to shield us from what we're not yet ready to see.”
MICHAEL SHANNON (Staff Sergeant Dave Karnes)